Um papo nada corrido com o preparador físico Marcos Paulo Reis

||Créditos: Paulo Freitas/Revista PODER

O mais renomado preparador físico do Brasil, conhecido por levar os maiores homens de negócios a se tornarem maratonistas e triatletas, explica por que a atividade física é tão procurada por quem está em posição de comando

Por Fábio Dutra
Fotos Paulo Freitas

Depois de chegar em São Paulo de ônibus, aos 25 anos, sair da rodoviária pedalando e alugar um quarto de pensão perto da avenida 23 de Maio, Marcos Paulo Reis já se consolidava como treinador oficial dos poderosos que começavam a se interessar por triatlo no início dos anos 1990. Mas uma manhã acordou e percebeu que suas turminhas de corrida e de bicicleta nas ruas da Cidade Universitária, como é chamado o principal campus da USP, no bairro do Butantã, em São Paulo, talvez estivessem com os dias contados. Abilio Diniz abrira, junto com seu filho João Paulo, ambos triatletas já naqueles tempos, o Pão de Açúcar Clube para incentivar a prática da corrida de rua. “Aquilo foi um aprendizado, todo mundo teve de se reinventar. Não dava mais para fazer planilha de treinamento informal e enviar por fax, era hora de profissionalizar. Se eu corria com dez alunos, os caras passavam com 300 no Parque do Ibirapuera, tudo bem estruturado”, lembra. Ele acabou indo trabalhar com os Diniz nessa iniciativa e se rasga em elogios para eles – estendidos para Ana Maria, filha de Abilio, uma das poucas alunas para quem deu aulas como personal trainer em algumas ocasiões. Aos 52 anos, e cinco maratonas completas depois, o fluminense (de estado e time do coração, diga-se de passagem) de Niterói – e jeitão de carioca da gema com direito a muitos“tá me entendendo?” e vários gestos enquanto fala –, está à frente da MPR, a mais famosa assessoria esportiva do Brasil. Para a maratona de Nova York, por exemplo, ele leva mais de 50 alunos dispostos a bater novos recordes pessoais. Sub-3 é um dos termos que ele mais fala. É isso mesmo, é normal um aluno (ou aluna) dele completar uma maratona em menos de três horas . “3h30’ lá já é carne de vaca”, vangloria-se.

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QUEM COMANDA OS COMANDANTES?

Não é apenas pelo belíssimo resultado de seus pupilos, por ser um dos precursores da corrida de rua no país ou mesmo por ter sido o treinador da seleção brasileira de triatlo na Olimpíada de Sydney, em 2000, e de Atenas, em 2004 (quando o Brasil levou três atletas de cada gênero, o máximo permitido; este ano só se classificaram um homem e uma mulher), que Marcos Paulo Reis ficou famoso. Seu grande tchan é ser o responsável pelo treino dos homens mais poderosos do país – é o técnico do PIB. Não é raro ele dizer para Diego Dzodan, vice-presidente do Facebook para América Latina, usar o aplicativo de treino em lugar de encher sua caixa de entrada do WhatsApp com perguntas: “Usa essa coisa que vocês inventaram!”, ri. De Luiz Eduardo Falco, da CVC, a Daniela Cicarelli, dificilmente alguma personalidade assídua na ginástica não passou por suas planilhas. Sim, o preparador físico se resume a estabelecer as planilhas. Treinar e encontrar o personal é por conta do aluno. “Com esses aplicativos, hoje eu consigo saber tudo: como está o rendimento em cada quilômetro, como o cara respira, qual a situação muscular e cardiovascular em cada etapa do treino”, explica. O aluno faz o primeiro teste, com ele ou com um de seus três sócios, e a partir daí recebe um roteiro de treinamento e a análise de desempenho. Além disso, há as turmas de corrida da Cidade Universitária e do Parque do Ibirapuera – ele vai pessoalmente às terças, quartas e quintas –, e acompanhamento das provas de rua. No dia 29 de maio, por exemplo, Reis foi ao Rio de Janeiro: correu parte da meia maratona e parou no quilômetro 35, o cabalístico. “Cara, maratona não são 42 km, são sete. Até o 35 é tudo lindo. Depois é que a coisa aperta”, ensina. Naquele ponto, é feita a “leitura” da situação e muitas vezes ele encoraja o corredor a desistir. “Se tem tonteira, náusea, vômito, não é para continuar, é muito arriscado. Papai do céu dá o aviso, tem de saber escutar, tá me entendendo?”, explica.

||Créditos: Paulo Freitas/Revista PODER

E por que será que tantos homens e mulheres de comando gostam tanto do esporte? Ele tem pistas. “Não existe mais a história do super-homem, essa é uma coisa dos caras mais antigos, até porque hoje o CEO fica com a porta da sala aberta. A questão é que a maratona envolve o dia a dia deles. Nos Estados Unidos, qualquer executivo começa a conversa perguntando se você já fez uma maratona, porque vai usar o exemplo das várias etapas da prova para explicaralgo. E são todos competitivos, gostam de se superar, de estabelecer metas e alcançá-las, exatamente como fazem em suas empresas”, ilustra o preparador, que mal tocou no couvert e agora pede um bacalhau com batatas assadas em tom de quem está cometendo uma extravagância. Apenas quando chega o prato se dá ao luxo de sorver algum líquido. Refrigerante dietético, que fique claro.

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DESLIGA O SOM

Com a cabeça, que parece calva, bem raspada a gilete – talvez para esconder fios que já devem estar grisalhos, mas provavelmente por questões aerodinâmicas também –, ele conta que não coloca nada nela enquanto está correndo. Nem boné, nem óculos, nem fones de ouvido. Música, aliás, é proibidíssimo. “Algumas provas dos Estados Unidos já proíbem, e eu concordo. Ela tira a concentração, faz o cara seguir um ritmo que não é o dele e se esquecer de se hidratar. Corrida é uma atividade complexa, tá me entendendo?”, diz o xerife. Mas tudo isso é feito com bastante tato: “Já fui muito pior, fui me educando. É preciso ter jeito, saber a hora de falar. Sou duro, mas já fui daqueles que gritam muito, hoje não mais, aprendi”, reflete. Marcos Paulo Reis acredita que, para além de extravasar o estresse, muitos homens de negócios buscam aprender um esporte de alta performance no intuito de descobrir e alcançar resultados em uma atividade complexa que não dominavam. “Os caras me respeitam porque tenho algo a entregar. Eu digo logo que não sei nada sobre a atividade que exercem, mas sei muito dessa aqui. Então, aqui eles têm de me escutar!”, ri. Muitos ficaram seus amigos. Alexandre Hohagen, ex-Google e Facebook, hoje radicado em Miami, é parceiro de vinhos e de risadas. Cristina Palmaka, CEO da SAP Brasil, puxou suas orelhas porque ele não a parabenizou pelo prêmio de melhor executiva de TI que recebeu do jornal Valor Econômico, a única mulher entre os premiados. Isso para não falar dos Diniz. Ainda treina João Paulo? “Não dá para dizer que treino, tá me entendendo? O cara é autossuficiente. Ele me ensinou muita coisa, só tenho a agradecer. Abilio, João Paulo e Fernando Nabuco (ex-presidente da Bolsa de Valores de São Paulo) são os grandes impulsionadores da minha carreira.

Já estamos tomando cafezinho quando ele conta que queria ter sido jornalista (fez educação física). Comunicativo e articulado, teria certamente se dado bem na profissão. Não que não a tenha exercido de certa forma: já passou por BandNews, já teve coluna na Veja São Paulo e será o comentarista de triatlo dos canais ESPN durante os Jogos Olímpicos. Casado e pai de dois filhos, conta que deixa a garota de 11 anos em paz, mas que encheu a paciência do filho, hoje com 23, de tal forma em relação a esporte  que chega a se arrepender. O menino é bom tenista, para alegria do pai. Reis gosta tanto da atividade que cogitou trocar a filha de colégio porque os pais das outras crianças do Porto Seguro não tinham assistido ao jogo entre Novak Djokovic e Rafael Nadal na final do Aberto da Austrália de 2012, a mais longa de grandslam que já aconteceu. Ele gargalha e diz que precisa ir. Precisa voltar à labuta em seu escritório no Shopping Eldorado, ao lado de uma das mais badaladas academias paulistanas. O dono da MPR tem tido muito trabalho com seus 1.450 alunos e tenta quebrar a cabeça para saber como escalar e, finalmente, ganhar dinheiro de gente grande, sendo que hoje o negócio é muito personificado – ele chega a responder quase 400 e-mails por dia. A conta chegou. Hora de sair correndo.

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