Um papo com Bethy Lagardère: “Tenho horror de falar em dinheiro“

Franca, exagerada e divertida, a ex-modelo mineira, viúva de um famoso milionário francês, diz que despreza Dilma Rousseff, entope a geladeira de comida e tem pavor de falar em  dinheiro 

Por Paulo Sampaio para a revista PODER
Fotos Alexandre Makhlouf e Fernanda Rodrigues

Bethy Lagardère odeia que a chamem de “milionária”. “Vocês (a imprensa) têm essa mania.” O problema é que a qualificação se adianta a qualquer outra que se possa usar a respeito dela. Viúva do industrial Jean-Luc Lagardère (1928-2003), um dos homens mais ricos da França, a ex-modelo Elizabeth Pimenta Lucas herdou do marido cerca de US$ 60 milhões, quantia mais do que suficiente para torná-la uma, bem, não vamos insistir. Nascida em Belo Horizonte, filha do gerente do restaurante do Minas Tênis Clube, aos 18 anos resolveu otimizar sua extraordinária beleza, e o porte de 1,80 metro de altura, em uma carreira internacional. Aventurou-se em Paris, desfilou para nomes como Yves Saint Laurent e Emanuel Ungaro e encantou meio grand monde parisiense.

Monsieur Lagardère sucumbiu a ela em 1977. Dono de um conglomerado que leva seu nome, ele assumiu o caso e a transformou em uma das damas mais respeitáveis de seu país. Ao morrer, deixou a mulher muito bem. Porém, para fugir do leão francês, que taxa em 70% as grandes fortunas, Bethy abriu mão de morar lá. Há seis anos, desde que comprou um apartamento na avenida Vieira Souto, em Ipanema, o endereço mais caro do Brasil, passou a dividir seu ano em dois verões: o de Paris e o do Rio. “Nenhum velho gosta de inverno.” Em suas assertivas, Bethy gosta de mostrar-se “direta como os franceses”: “As pessoas têm mania de dizer que eles são grosseiros, mas eles só são francos”.

Durante o almoço na Mercearia São Roque – seu bar favorito em São Paulo – ela foi nessa linha. Afirmou desprezar a presidente Dilma Rousseff; ter pavor de falar de dinheiro; e só fazer compras em supermercados de São Paulo. Fumante, trocou de mesa e acendeu um cigarro tranquilamente sem ser importunada pelos garçons em nenhum momento. Entre uma baforada e outra, aproveitou para dizer que os serviços no Rio são tão “desastrosos” que compra tudo na capital paulista e que freta um caminhão frigorífico para levar as compras até sua casa.  E não revelou idade e peso: “Nem a pau!”.

PODER: Beth ou Bethy?
BETHY LAGARDÈRE: Como você quiser. (Para o garçom): Tem um feijãozinho preto aí? (Ele: “Não”) Que horror! (Careta) Bom, traz o que tem.  Quente, porque feijão esfria rápido.

PODER: Li que seu marido a abordou pela primeira vez em um desfile.
BETHY LAGARDÈRE: (Indignada) Imagina! Meu marido era um industrial. Ele era o dono do grupo que publicava a (revista de moda) “Elle” francesa, mas não um editor de moda. Não circulava assim em desfiles. (Ela dá um de seus olhares penetrantes e sorri com o canto da boca) Por que você quer falar disso? Tenho pavor de falar de vida pessoal.

PODER: Mas todo mundo sabe de boa parte, ainda mais sobre o romance. Só queria saber o detalhe da primeira vez.
BETHY LAGARDÈRE: (Desconversando) Ah, não torra! Se as pessoas falam tanto disso, você deve saber. (Contrariada) Foi um encontro normal, cívico, mas eu acho que não tem nada a ver com  nossa história aqui.

PODER: Você tem uma frequência para vir ao Brasil ou vem quando quer?
BETHY LAGARDÈRE: Passo a primavera e o verão aqui, e a primavera e o verão lá. Mas este ano foi atípico, vim no inverno porque teve Copa e eleição.

PODER: Você participou politicamente da eleição?
BETHY LAGARDÈRE: Sim! O pior voto para mim não é essa escolha maldita da Dilma. O pior é o branco ou o nulo.

PODER: Você não gosta da Dilma?
BETHY LAGARDÈRE: Nunca gostei. Como integridade, generosidade, até para se expressar ela é um desastre.

PODER: Você votou no Aécio ou contra a Dilma?
BETHY LAGARDÈRE: Votei nele! Eu sou Aécio pelo preparo intelectual, pelo que fez pelo Estado de Minas e pela capacidade de nos representar inclusive fisicamente. Quando vejo a Dilma descendo as escadas de um avião da Força Aérea com aquele andar de pato que perdeu a direção, fico até nervosa.

PODER: Você é direita ou esquerda?
BETHY LAGARDÈRE: Lá, eu seria mais de direita. Aqui, centro. Não me preocupo com essas definições, a não ser quando se trata do comunismo, que é uma vergonha. É um partido sanguinário, autoritário. (Para o fotógrafo: “Não vão me fotografar comendo, né?”)

PODER: Já teve vergonha do Brasil?
BETHY LAGARDÈRE: Nunca. A força da minha identidade vem do fato de eu nunca ter esquecido do lugar de onde vim.  (Ela vai com o garfo à bandeja de salada do fotógrafo. “Tenho horror a salada, mas meu prato está demorando. Posso pegar um pouco?”)

PODER: Você come muito?
BETHY LAGARDÈRE: (Enfática) Muito.

PODER: Tem sorte de não ser gorda…
BETHY LAGARDÈRE: Eu sou pesada, que é uma forma de ser gorda (ela tem 1.80 metro de altura, peso não revelado).

PODER: Qual é seu peso ideal?
BETHY LAGARDÈRE: Na juventude, pesava 58 quilos. Era sequinha, andava mais rápido. Quando a gente vai envelhecendo, e põe salto, parece que está carregando o sapato. Anda igual a um cavalo.

PODER: Costuma fazer regime?
BETHY LAGARDÈRE: Eu me recuso de privar meu paladar da cultura gastronômica que eu adquiri para comer pão sem glúten. Ah, me poupe! Você já viu francês obeso? (Ela pronuncia o ‘e’ aberto e o ‘s’ como em ‘pizza’). Morei lá 45 anos, sei que se come baguete de manhã, no almoço e no jantar. E queijo, muita manteiga, azeite. Só que eles têm noção de peso e medida. Não comem essa exorbitância. Você vê, eu pedi cinco pratos (arroz, feijão, linguiça, farofa, abacaxi grelhado). Nada me dá mais prazer do que dividir uma mesa com amigos. Mas o melhor restaurante do Rio de Janeiro ainda é a minha casa. Adoro cozinhar.

PODER: Qual é sua especialidade?
BETHY LAGARDÈRE: Gosto de fazer massa. Não tenho técnica, mas não perco um programa de chef na TV. Minha cozinha foi especialmente projetada pra mim, vejo o mar quando estou cozinhando. Preparo a massa, e o resto eles (os amigos) fazem. A geladeira de casa está sempre entupida de compras feitas no (supermercado) Santa Luzia, em São Paulo. A comida vai para Rio em um caminhãozinho “congelado” que eu freto.

PODER: Você cozinha também o trivial, arroz, feijão?
BETHY LAGARDÈRE: Feijão?? Coisa pobre! Feijão eu gosto, querido, de três em três meses.

PODER: Fazer compras em São Paulo faz parte do passeio?
BETHY LAGARDÈRE: Não, venho só para isso. A qualidade dos serviços é incomparável. E não é só supermercado. Tudo: dentista, médico, cabeleireiro, maquiador. O paulista gosta de gastar e mostrar que gastou.

PODER: E você costuma reclamar do atendimento no Rio?
BETHY LAGARDÈRE: Tem uma coisa que me conforta aqui: as pessoas nunca dizem “não”.  Mesmo que você chegue atrasada. No Rio, é assim: “Ô, coração, 10 da manhã é madrugada, volta depois”. O carioca não atende no horário que o cliente pode. É no horário que ele pode. E nada garante que ele esteja lá quando você chega.

PODER: O carioca é menos exigente?
BETHY LAGARDÈRE: Eu não consigo comer uma pizza no Rio. A única coisa que funciona naquela cidade é o Projac (Projeto Jacarepaguá – o megaestúdio de produção da Rede Globo). Mas aí a gente vê o mundo ali em volta, a miséria, tudo tão feio, e pergunta: “Pelo amor de Deus, aonde vamos chegar?”. Eu não tenho nada contra favela. Só não gosto da palavra “comunidade”. Favela é sonoro: fa-ve-la.

PODER: Politicamente correto…
BETHY LAGARDÈRE: Ih, nem fale.  Não se pode mais falar “crioulo”. Vamos acabar com metade do nosso repertório musical (cantarolando): “Nega do cabelo duro, qual é o pente que te penteia?”.

PODER: Há quanto tempo você comprou apartamento no Rio e começou a passar mais tempo na cidade?
BETHY LAGARDÈRE: Seis anos. No início, eu não entendia aquela quantidade de lata de lixo virada na rua, aquela imundície. Eu me perguntava: “Como é que uma cidade tida como uma das mais lindas do mundo se cuida tão mal?”.

PODER: Mas o carioca costuma dizer que ama o Rio…
BETHY LAGARDÈRE: O francês também ama a França, só que, embora tenha fama de pouco asseado, mantém a cidade limpa. O brasileiro toma três banhos por dia e joga bolinha de papel na rua.

PODER: A queixa em relação ao francês é a respeito do humor dele. Muita gente o considera grosseiro.
BETHY LAGARDÈRE: Ele não é grosseiro, é franco. Eu sei porque me identifico, ajo e falo como ele. E todo dia tem alguém para dizer: “Como ela é agressiva, mal-humorada”. Querido, quem me pergunta: “Você gosta disso?”, corre o risco de ouvir. “Não, eu detesto”. O brasileiro leva para o pessoal, porque cultiva uma intimidade forçada. Você entra em uma loja, a vendedora pergunta: “Qual o seu nome?”. Eu digo logo: “Dona Bethy”. Se você trata alguém por ‘senhor’ ou ‘senhora’, a pessoa se ofende. Diz: “Senhor está no céu!”. Deveria ser obrigatório incluir no código de ética comercial os títulos “senhor” e “senhora”.

PODER: Quem cuida do seu dinheiro?
BETHY LAGARDÈRE: Eu mesma. Não sabia nada sobre o assunto, mas você aprende. Uso o instinto para fazer minhas escolhas. E tenho um ouvido atento. (Antes que o repórter encompride o assunto, ela avisa) Tenho horror de falar em dinheiro. Acho vulgar, deselegante. Meu marido nunca falou em números na minha frente.

PODER: Ser notoriamente milionária pode atrair violência…
BETHY LAGARDÈRE: Milionária é você que está dizendo. Odeio essa palavra. E jet set também. Acho cafona. Eu venho de um país muito seguro, onde as leis são cumpridas. Continuo pensando e agindo como se estivesse lá. Eu não vou ficar paranoica.

PODER: Quando chegou em Paris, como se aproximou  dos estilistas?
BETHY LAGARDÈRE: Fui e me apresentei, tive de correr o risco. O sonho era tão grande que eu nem pensava em pegar os caminhos convencionais, como uma agência. E eu nunca fui fotogênica.

PODER: Quando você conversa com uma modelo de 20 anos, o que sente?
BETHY LAGARDÈRE: Nunca conversei com uma.

PODER: Seu pai a apoiava?
BETHY LAGARDÈRE: Você está louco? Saí quase fugida de Minas. Naquela época, era profissão de puta. E ainda tinha a “tradicional família mineira”, que era o meu horror. Fui uma aventureira.

PODER: Você é altíssima, mesmo para os padrões de hoje.  Na época…
BETHY LAGARDÈRE: Em Minas, eu era considerada um extraterrestre.

PODER:  O conceito de estilo mudou.
BLBETHY LAGARDÈRE: No Brasil, confundem estilo com grife. Antes, não bastava ter dinheiro e sair de Saint Laurent. Era preciso “vestir” a roupa. Na época, a gente queria surpreender, marcar presença. Não tinha essa história de aparecer todo mundo com o mesmo cabelo. Hoje todas fazem (escova) progressiva. Os cabeleireiros esticam tanto a porra do cabelo… E o botox? A coisa que mais me aflige é mulher que me pergunta: “Lembra de mim?”, sendo que nem o marido dela lembra. A boca já não dá mais “bom-dia”. A gente vive o que o francês chama de ‘une époque de jeunesse’, todo mundo quer ser jovem.

PODER: Você fez plástica?
BETHY LAGARDÈRE: Bom, claro.  Mas sou pouquíssimo vaidosa, por incrível que pareça. Fiz um esforço e me maquiei para vir. Não tenho mais paciência para essa quantidade de merda na minha cara.

PODER: Tudo que conseguiu de penetração social no exterior foi pela carreira de modelo ou pelo casamento?
BETHY LAGARDÈRE: Pelo casamento. Devo tudo a ele (o marido).

PODER: Não sofreu preconceito nas altas rodas por ser brasileira, modelo?
BETHY LAGARDÈRE: Não é um tipo de preconceito europeu. Lá, existe a consciência e o respeito pelas diferenças.

PODER: Quer sobremesa?
BETHY LAGARDÈRE: (Enfática, puxando para trás a mecha branca do cabelo) Não! Isso não. Não sou chegada em doce (Um homem com bilhetes de loteria passa e diz: “Quer concorrer a 80 milhões na Mega hoje?” Ela agradece e responde que nunca teve sorte.)

PODER: Nunca teve sorte?
BETHY LAGARDÈRE: (Com preguiça) Mentira…

PODER: Acha que há quem se aproxime de você por causa da sua fortuna?
BETHY LAGARDÈRE: Nunca senti. Primeiro, sou exigente com o ser humano. Segundo, antipática – o que já filtra bastante as aproximações. (Para o fotógrafo, com ar de falsa brava: “Se você fizer meu pé inchado, eu te mato.”)

PODER: Como era a rotina de casada?
BETHY LAGARDÈRE: Eu seguia meu marido. Sou uma mulher de dever. Dor de cabeça, dor de barriga, nada me impediu de acompanhá-lo. Não fosse assim, ele não teria me escolhido, certo? Um grande industrial pode se apaixonar por 30 mulheres. Vai escolher a que é capaz de ir para onde ele vai.

PODER: Quando você o conheceu, ele ainda era casado?
BETHY LAGARDÈRE: (Com espanto) Não!

PODER: Como você se adaptou, vindo de Minas, ao casamento com um milionário francês?
BETHY LAGARDÈRE: Você falou Minas – se tivesse falado Brasil, eu não ia contestar. Minas é um dos nossos estados mais intelectualizados. Como não somos banhados pelo mar, não há tempo para aquela futilidade. Tem sarau, seresta – e os poetas.

PODER: Mas existe uma grande distância entre um sarau mineiro e um salão francês da alta sociedade…
BETHY LAGARDÈRE: Você observa e aprende. Se não tiver essa capacidade, está fora. E não dá para cometer um erro duas vezes.

PODER: Você pode morar em Paris?
BETHY LAGARDÈRE: Perfeitamente. Desde que eu pague os 70% de imposto (sobre a fortuna). Achei que não era certo  com a memória do meu marido migrar para um país onde eu não seria taxada. Ele foi um grande francês e certamente preferiria que eu continuasse na França. Mas sou sozinha, sem filhos: não conto com nenhum tipo de isenção na hora de declarar a renda. Precisaria dar tudo para o governo. Achei justo vir para cá. Afinal, sou brasileira.

PODER: Você namorou muito?
BETHY LAGARDÈRE: Olha, eu devia ter namorado mais, viu? (Rindo, nostálgica) Naquela época, tinha paz, amor,  revolução sexual, era chuchu.

PODER: Daqui você vai para onde?
BETHY LAGARDÈRE: Vou a uma galeria de arte, depois provar um pastel em Santo Amaro, no caminho do aeroporto… (Um homem  sentado na mesa ao lado interrompe a conversa e pede a Bethy que sugira três restaurantes “não metidos a besta” em Paris. Ela: “Com todo prazer”. E anota: L’Atelier, Tong Yen e Benoit.)

PODER: Vai sozinha comer pastel?
BETHY LAGARDÈRE: (Propositalmente imprópria) Tenho sempre um “escravo”  negro ou branco para me servir. O de hoje é japonês.

PODER: Você namora?
BETHY LAGARDÈRE: Claro, né? Não estou anestesiada nem morta. Pergunta besta. Tinha certeza que você ia perguntar isso.

PODER: Deixa eu fazer outra.
BETHY LAGARDÈRE: E respondo se quiser, também.

PODER:  Se você namorasse um homem mais jovem..
BETHY LAGARDÈRE: (Interrompendo) Que é o caso, você sabe. Está muito bem informado… Vai, continua.

PODER: Não receia que ele esteja interessado apenas no seu dinheiro?
BETHY LAGARDÈRE: Respondo com outra pergunta: Eu tenho cara de complexada? De mal resolvida com a minha natureza?

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