Três socialites com muito samba no pé, quebraram tabus e levaram a elite carioca para o Carnaval

Gigi da Mangueira, Beki Klabin e Odile Rubirosa: levaram a elite carioca para o Carnaval // Reprodução

Houve um tempo em que moradores da zona sul do Rio não atravessavam os túneis para desfilar nas escolas de samba – época que nem sambódromo existia. Mas foram três socialites com muito samba no pé que quebraram esse tabu

por Renato Fernandes para a revista J.P

Até o fim dos anos 1960, os moradores da zona sul carioca não frequentavam as quadras das escolas de samba. Foi somente em 1972, quando a Portela inaugurou o Portelão no Mourisco, em Botafogo, que todos os públicos se aproximaram para celebrarem juntos a maior festa brasileira. Mulheres como Gigi da Mangueira, Beki Klabin e Odile Rubirosa, todas da alta sociedade do Rio, abriram o caminho para tantas outras que vieram depois, como a atriz Annik Malvil e a cantora Rosemary.

GIGI DA MANGUEIRA – A LENDÁRIA
Foi assistindo a um show da Mangueira durante uma feira de folclore, em 1961, que Regina Helena Esberard recebeu um convite inusitado: desfilar pela escola de samba. Regina, adolescente na época, não teve dúvida e aceitou. “Saí com uma roupa pesadíssima e cheia de anáguas. O espartilho machucou toda minha cintura e até sangrava”, conta ela, hoje, com exclusividade para J.P. Nascida em Copacabana, criada em Ipanema, Regina era a própria garota classe média alta do bairro. O pai, um empresário belga, chegou a construir uma vila no subúrbio para seus funcionários com o nome da família: Vila Esberard. E não gostou nada quando a filha foi desfilar. Mas não adiantava tentar proibir: Regina passaria a ser um marco nos desfiles das escolas de samba e, para muitos, a primeira branca – e da elite – a sair na avenida Presidente Vargas. No segundo ano em que desfilou, ela quis sair como passista, sem fantasias muito pesadas. E assim foi por 20 anos consecutivos. Seu nariz de cantora de ópera e corpo perfeito, a tornaram modelo exclusiva dos maiôs Catalina – a marca mais conhecida na época entre as misses – e foi convidada para fazer um show de Carlos Machado no Golden Room do Copacabana Palace. “Meu pai tinha sido despedido e antes de conseguir uma nova colocação, meus cachês ajudaram no orçamento de casa”, relembra. De tão bela, recebeu o nome de Gigi da Mangueira, dado pelo colunista Eli Halfoun – jornalista de celebridades entre as décadas de 1960 e 1980. Acabou virando símbolo de elegância e aparecia em capas de revista dia sim, dia não, além de estar sempre nos jornais. Muitos achavam que foi para ela que Vinicius de Moraes compôs “Garota de Ipanema”, de tanto que ela frequentava o bar Veloso – mas não, “foi para Helô Pinheiro mesmo”, diz. Em 1967, já era uma mulher bem casada com o produtor de televisão Wilson Rezende e mãe de dois filhos, Rubinho e Wilson Júnior. Chegou a gravar um compacto com uma marchinha e foi musa de outras. Ainda foi estrela de cinema no filme Quatro contra o Mundo, em 1970. Hoje, aos 72 anos, assiste a todas as escolas pela televisão, do começo ao fim. “Vou até a última, mesmo com sono, mas adoro ver cada detalhe dos desfiles.” Não aprova a nudez gratuita na avenida e prefere o Carnaval de seu tempo, em que as arquibancadas eram de madeira e não uma festa para turistas no sambódromo. Bem família, ela celebra o amor: “Há três anos, completamos 50 anos de casados e fizemos uma missa”, diz Gigi, da sua cobertura que, de longe, pode ver o morro da Mangueira.

BEKI KLABIN – A PIONEIRA
Rica, extravagante e carismática, Beki Klabin foi a primeira milionária a pisar na avenida nos anos 1970. Nascida em Istambul, na Turquia, ela era tão louca pela Portela, sua escola do coração, que a decoração de sua cobertura na avenida Vieira Souto era toda em azul e branco – as mesmas cores da agremiação. Beki foi casada com o industrial Horácio Klabin, e juntos trouxeram o primeiro cartão de crédito para o Brasil, o Diners Club. Mesmo separados, eram amigos íntimos – tão íntimos que não oficializaram a separação e se falavam diariamente. Entre suas amigas estavam Hebe Camargo, Evinha Monteiro de Carvalho, Bibi Ferreira e Tereza Souza Campos. Era do tipo “cheia de opinião” e falava coisas que a faria ser apedrejada nos dias de hoje. Palavrões? Adorava. Vivia com seu cachorro chamado Gigolô e sua esmeralda apelidada de “puta arrependida”. Beki bancava todas as suas fantasias extravagantes na avenida e, quando surgia, não tinha para ninguém, apesar da sua altura: ela media 1,50 metro. O que resolvia muito bem com seus sapatos e sandálias de Manolo Blahnik. Seu closet, aliás, era poderoso e transbordava Geoffrey Beene e Chanel. Do Brasil, adorava o estilista Guilherme Guimarães e, nos últimos anos de vida, só vestia Carlinhos Ferreira. Diva total. Tinha um carisma único e sua excentricidade chamava mais atenção do que sua beleza, fato que inspirou Gilberto Braga a compor a personagem Stella na novela Água Viva, da Globo, em 1980. Para vivê-la, Gilberto fez questão de escolher uma das atrizes mais belas de todos os tempos: Tônia Carrero.

Ela era queridinha das capas de revistas por suas fantasias e suas tiradas também. “Não tenho culpa de viver na zona sul e gostar de samba. Como a zona norte não tem culpa de gostar de iê-iê-iê”, dizia ela, em entrevista à revista Fatos & Fotos, de 1974. Só deixou de desfilar quando sugeriram que viesse em carro alegórico. Não aceitou: gostava era de sair no chão. A verdade é que Beki amava aparecer e não via problema nisso. Na televisão, foi júri do programa de Flavio Cavalcanti e ainda deu pinta no cinema ao participar do filme Roleta Russa, produção do colunista Ibrahim Sued, ao lado de Jardel Filho e da baronesa Silvia Amélia. Na vida sentimental, além de Horácio, teve um romance com o doutor bandido Hosmany Ramos, além de um caso fictício – nutrido por ambos – com o cantor brega Waldick Soriano. Amante do samba e do glamour, foi Beki quem “abriu caminho para todas as outras”, diz a J.P o jornalista Carlos Sampaio, especialista em samba. Faleceu, aos 78 anos, em 2000, de aneurisma cerebral. Certa vez, foi questionada porque gostava tanto de sair na avenida. Beki foi enfática: “Solidão”.

ODILE RUBIROSA – O FURACÃO
Já passaram panteras, locomotivas, cocadas e cocadinhas loiras na sociedade carioca, mas nunca nenhuma como Odile Rubirosa, que quebrou todas as estruturas dos salões do Rio de Janeiro. Nascida na França e de uma beleza infinita, em pouco tempo já estava atuando no cinema. Fez dois filmes, um deles, Future Vedettes, de 1955, ao lado de Brigitte Bardot e Jean Marais. Nessa época, dividia um pequeno apartamento com outro nome que ganharia estrelato: Ursula Andress. Um amor a tirou de cena: o playboy Porfirio Rubirosa, 28 anos mais velho e cheio de lendas – inclusive sobre o tamanho de seu pênis. Com Rubi, como era chamada pelos íntimos, Odile conheceu os grandes personagens do jet set e também o Rio. Depois de nove anos juntos, ele faleceu em um acidente de carro em Bois de Boulogne. Viúva, Odile acabou saindo de cena e entrando em depressão, engordando mais de 10 quilos. Dois anos depois, quando sai da toca, volta a ser a pantera de sempre, linda, magra e com uma juba enorme. Teve alguns namoros, mas sua paixão fica mesmo no Brasil. “Acho que minha mãe teve alguma coisa com um brasileiro, porque não é possível explicar de outra maneira a terrível atração que sinto por esse país”, declarou certa vez.

E quem sai como um furacão na avenida, vestindo um biquíni de lantejoulas azul e branco no mesmo ano? Era Odile na Ala dos Demolidores da Portela. Já apaixonada por um brasileiro, o carioca Paulo Marinho. Com ele, viveu um grande amor, apesar de Paulo ser mais novo, e juntos moraram no épico edifício Chopin. Odile amava os bailes de Carnaval e era uma espécie de hostess: não havia personalidade internacional que não fosse recebida pela pantera loira. De Mick Jagger a Candice Bergen, Valentino, Elsa Martinelli e Rod Stewart. Sua ousadia também encantava. Justino Martins, editor da Manchete na década de 1970, era um de seus admiradores e volta e meia Odile era capa. Quando foi a uma festa com um vestido transparente de Guilherme Guimarães, foi capa mais uma vez. Detalhe: não usava calcinha. Vez ou outra, se excedia em uma festa, mas nada que Paulo não controlasse. Em meados de 1980, estoura uma bomba: Paulo conhece outra loira e Odile fica completamente perdida. Sem saber o que fazer, pensou até mesmo em voltar a atuar. Acabou não ganhando nenhum papel no cinema, mas cenas desagradáveis sim – e muitas. Durante um Réveillon na casa de Hélio Paulo Ferraz, conseguiu se desentender com metade dos convidados. No Chico’s Bar, na Lagoa, subiu no piano e começou a dançar can-can, mais uma vez sem calcinha. Muita bebida, muita doideira. Na boate Régine’s fez seu antológico xixi na frente de todos, em um balde de gelo. Já em outra ocasião, foi contida por amigos, na tentativa de fazer um striptease. No Maxim’s de Paris, levantou a saia e gritou: “Quem quer ver o bumbum de Odile?”.

A locomotiva continuava a sair dos trilhos em ritmo acelerado. As pessoas começaram a se afastar e, da lista das mais requisitadas, passou para a da persona non grata. Só três não se afastaram: Kiki Garavaglia, Marilu Pitanguy e Gisella Amaral. Elas sabiam bem o tamanho do buraco da dor no coração da amiga. E não é que, de repente, no maior estilo vingança, ela começa a sair como Luiz Carlos Marinho, irmão de Paulo? Coisas de high society. Porém, foi ele quem apresentou à locomotiva a cidade que a transformaria: Visconde de Mauá. Lá, ela construiu uma grande casa no Vale do Pavão, mas o romance não durou muito e brigas e escândalos aconteciam em público entre ela e Paulo. Em 1985, durante o Rock in Rio, ela conhece o roqueiro James Moss e juntos subiram a serra para viver em Mauá. No primeiro ano, ela se jogou nos alambiques de pinga e consta que chegou a sair nua sobre um carro no Carnaval da cidade. Depois sumiram. Ficavam em casa, pouquíssimos amigos iam visitá-los. Jim a incentivou a pintar e juntos resolveram parar de beber e deu certo. Em 1997, colocaram a propriedade à venda e mudaram-se para os Estados Unidos. Em 2008, depois de procurada insistentemente pela J.P para uma entrevista, Odile agradeceu e apenas mandou um recado pela amiga Kiki Garavaglia: “Agradeço muito, mas não posso abrir exceções. Apenas diga que o bumbum de Odile continua o mesmo”. No fim de 2018, no dia 12 de dezembro, Odile Rubirosa faleceu com 81 anos, de câncer no pulmão. Nunca mais existirá uma mulata ‘brésilienne’ como ela. Nunca mais.

Sair da versão mobile