A atriz e escritora carioca Taísa Machado criou o projeto Afrofunk Rio para ganhar algum dinheiro, mas descobriu nas aulas de dança a potência do rebolado como forma de empoderar as mulheres
POR NINA RAHE PARA A REVISTA J.P
Em uma quinta-feira de outubro, Taísa Machado voltou da quiropraxia ainda com dor e precisando descansar. A coluna travada, motivo pelo qual procurou atendimento, no entanto, não a impediu de seguir com uma programação que incluía dar duas aulas seguidas de dança no Afrofunk Rio, projeto que toca há seis anos e no qual desenvolveu um método próprio de ensino que pensa o corpo de maneira afrocentrada e com foco nas danças de quadril. Quando começou, no fim de 2014, a ideia de ensinar mulheres a dançar era apenas uma alternativa para ganhar algum dinheiro.
O que Taísa não imaginava, porém, era que sua primeira aula, divulgada por meio de um único flyer, já iria reunir um grupo de 35 mulheres – hoje, os encontros on-line reúnem mais de 100. Foi só com o tempo, também, que a atriz e escritora – que aprendeu a dançar em casa, junto com a mãe e as tias, e nos rituais de umbanda –, começou a entender a dimensão do que estava fazendo. “Não tinha experiência dando aulas, mas fui vendo a transformação das pessoas, que chegavam desconectadas ritmicamente e saíam dali conhecendo mais sobre seu corpo” – não à toa, Taísa acabou assumindo a alcunha de “chefona”, que é, segundo ela, quem escolhe seus próprios passos. As aulas, que duravam inicialmente quase três horas, foram, aos poucos, aperfeiçoando-se com técnicas de teatro e se tornando parte do que Taísa hoje intitula como “ciência do rebolado”. O termo, de acordo com ela, veio quando percebeu que muitas culturas africanas realizavam rituais de música e dança em diversos momentos, como, por exemplo, na preparação para a vida sexual. “Quando uma mulher menstrua pela primeira vez, as mais velhas a ensinam a dançar e mexer os quadris como forma de preparar o corpo para ter e proporcionar prazer”, explica. “A dança do ventre, as danças polinésias, são danças de quadril que têm a ver com uma série de coisas. São movimentos que, ao longo da história, trabalharam o corpo das mulheres, a funcionalidade dele e por isso acredito que seja uma ciência sim.”
Com um livro recém-lançado pela editora Cobogó (O Afrofunk e a Ciência do Rebolado), no qual conta sua trajetória, da passagem pelo grupo de teatro Tá na Rua, de Amir Haddad, à criação do Afrofunk Rio, Taísa percebeu que quer, cada vez mais, dedicar-se a contar histórias. Tanto que, entre o ano passado e este, escreveu e encenou a peça A Mulher que Inventou a Dança, assinou o roteiro do documentário Quadro Negro, de Bruno Duarte e Silvana Bahia, e também de um novo longa de Heitor Dhalia. “Fiquei com essa coisa na cabeça, quero escrever mais, tocar outros projetos como roteirista”, diz. As novas ambições, somadas à coluna machucada, no entanto, estão distantes de afastar Taísa do Afrofunk. A percepção de que seu “corpo está cada vez mais cansado” só reanimou uma vontade que ela já vinha alimentando há tempos, que é desenvolver um curso de formação para dar continuidade ao protagonismo das mulheres pretas na dança. “Quero ajudar outras mulheres a terem seus próprios projetos de dança autoral e fazer a máquina girar dentro dessa comunidade”, conta.