Seu Jorge está em “Soundtrack” – que entrou em cartaz nessa quinta-feira – ao lado de Selton Mello. O filme se passa em um centro de pesquisa inóspito no Ártico, mas foi feito na calorosa cidade do Rio de Janeiro. Como? Ah, um jeitinho brasileiro. “A gente tinha se preparado para filmar lá fora, mas, com o descolamento do real em relação ao dólar em 2016, nosso orçamento ficou bem mais enxuto. Nossa verba reduziu muito e toda a equipe já estava com a agenda alinhada para rodarmos naquele momento. Com um jeitinho brasileiro, filmamos aqui, tudo em estúdio, em apenas 18 dias. O resultado disso foi muito mais valioso para mostrar o quanto a cinematografia brasileira evoluiu.” Vem ler a entrevista completa! (por Michelle Licory)
Males quem vem para o bem
Mas não foi só por isso que Seu Jorge ficou feliz com a mudança nos planos… “De fato eu não tenho experiência em filmar no frio, muito menos no gelo, muito menos numa área inóspita! De repente vem uma nevasca e você pode ficar 12 dias preso naquele lugar sem as provisões adequadas. Dei graças a Deus. O desafio de fazer no Brasil era grande, mas rapidamente se entendeu que seria possível. Foi uma vitória, e mostramos um cinema nacional mais universal, uma parte de um todo, e não algo regionalizado”.
“Rodamos em um dia que o PCC tinha atacado a cidade, então foi ótimo para filmar”
“Tudo começou com ‘Taratino’s Mind’. Os dois diretores [uma dupla que usa ‘300ml’ como codinome] bateram na minha porta com um convite para um curta: ‘Estamos começando, não somos ninguém, nossa ideia é fazer com o Selton e ele disse que só faz se você estiver no projeto’. Aceitei. Rodamos em São Paulo em um dia que o PCC [facção criminosa] tinha atacado a cidade, então as ruas estavam completamente vazias e foi ótimo para filmar. A locação foi o Pandora, um restaurante clássico, e não tinha nenhum barulho! Com a boa repercussão do curta, veio o roteiro para esse filme. Aí fui o primeiro a falar pra gente ir atrás de dinheiro pra fazer e eu mesmo botei uma grana. Pensei: ‘Ah, vou botar uma graninha nisso aí! Um longa com o Selton e com eles dois!! Isso vai ser legal… No gelo? Vamos ver qual é…’ E fizemos”.
“Extrema direita”, “mão de ferro” e democracia piada
A conversa descambou para uma das questões do filme: ética. E foi além. “Ter ética nao se trata de ser bom ou mau, se trata de autopreservação, preservar você e o que está em seu entorno. O filme fala disso. A crise é no Brasil, mas também no mundo. E isso tem provocado no lado ocidental do planeta um posicionamento político mais à extrema direita. Pra mim, o importante é a preservação da democracia, que acabou virando uma piada. Se você for olhar, nos países que tem bilhões de pessoas, não existe democracia porque não dá pra botar um bilhão cada um falando o que quiser, pensando como quiser… Então a mão de ferro atua muito”.
“Parece que saiu um gol”
Qual seria a solução, no caso do Brasil? “Explorar direito nossos recursos e possibilidades. Somos um país continental, mas com só 200 milhões de habitante. Talvez, se fossemos um país velho, estivéssemos na casa de um bi. Mas temos uma massa trabalhadora muito forte e recursos de sobra. Não é aceitável que estejamos nessa situação. Não aceito negligência com educação… Entra década, sai década e a criança e o jovem não têm incentivo para o desenvolvimento de sua vida. Uma pena porque temos tanta popularidade e particularidades que o mundo inteiro torce pela gente. Quando você fala lá fora que é do Brasil, a reação da pessoa… Parece que saiu um gol! Eles têm uma curiosidade e um carinho com a gente. E corrupção não é só aqui. Tem também na Itália, no banco do Vaticano…”
“O governo atual recebeu votos para estar no poder…”
Sobre a crise do Rio… “Não moro há muito tempo no Rio, há 13, 14 anos, e há 4 me mudei para Los Angeles, por conta do trabalho. Mas não abandono o Brasil. O Rio está com uma questão da maior gravidade porque as contas não se ajustam. Pelo que entendo e percebo, nem todos os políticos aderiram a essa coisa toda, mas o governo atual recebeu votos para estar no poder. E a cidade – que sempre foi a imagem do nosso país lá fora, o atrativo maior – está sofrendo muito. E não está podendo corresponder a essa expectativa que o mundo espera com qualidade e segurança”.
“As coisas não são só por dinheiro”
Perguntamos ao artista se seus valores éticos já o impediram de aceitar algum projeto profissional. “Procuro realmente fazer coisas com coerência, alinhadas com quem eu sou. Tenho essa preocupação. Na hora da análise, tem a emoção e a razão. E quando algo combina realmente com você, a probabilidade de ser sucesso é iminente. Se não tem coerência comigo e nem aderência à minha pessoa, acabo não externando boa vontade. Se o produto não tem qualidade, por que fazer uma propaganda? As coisas não são só por dinheiro”.