Ronaldo Lemos é advogado, especialista em mídia, comportamento, tecnologia e ficou conhecido em todo o Brasil ao participar do programa “Esquenta”, de Regina Casé, em que falava justamente sobre as tendências na web. Agora, ele faz voo solo com a série documental “Expresso Futuro”, que será exibida em um quadro no Fantástico a partir deste domingo, e integralmente no canal Futura, com estreia marcada para o dia 2 de setembro.
O programa mergulha na China e mostra as incríveis transformações no país que nos últimos 40 anos tirou 750 milhões de pessoas da miséria por meio da industrialização. Ronaldo passou três meses por lá e conta que os brasileiros ainda têm uma visão errada dos chineses e que eles deixaram de ser “chão de fábrica” para focar na inovação. Por lá, o foco é o pedestre – andabilidade, já ouviu falar?, a melhoria da poluição e da qualidade de vida, a educação e nada de pessoas comendo cachorro em todos os lugares. No papo, ele fala sobre isso e ainda como se comporta na internet, se acredita nos influencers digitais e no fim da fake news, se estamos vivendo na era do Black Mirror, além de dar aquelas boas dicas para quem quer visitar o país. (por Fernanda Grilo)
Glamurama: O que você foi fazer na China?
Ronaldo Lemos: Fui buscar ideias. Era um país extremamente pobre e até a década de 1970, em que a população passava fome. O ponto de partida daquele país para sair da miséria é muito inferior ao nosso. Eles deixaram de ser agrários, para investir na industrialização e hoje estão focados em inovação. O objetivo agora é diminuir a poluição, os carros e ônibus já são elétricos e o silêncio em uma cidade gigante como as deles até assusta. Sem falar da infraestrutura, enquanto a do Brasil está caindo aos pedaços, eles estão construindo trem bala. Há 10 anos tinha só 100 km de linhas em todo o país e atualmente são 29 mil km em 30 das 33 capitais. Andei muito e fui de Xangai a Pequim em um percurso de 1200 km, em 4h30, a 350 km/hora, como se estivesse em uma sala de estar, com conforto total.
Glamurama: O que vamos ver em seu programa?
Ronaldo Lemos: Vamos mergulhar nessa nova China, mostrar as transformações com um recorte a partir da tecnologia. Visitei mais de 12 cidades e a ideia é trazer informações e imagens exclusivas, como a visita que fizemos na fábrica do trem bala. Eu, pelo menos, nunca tinha visto isso. Por trabalhar com tecnologia sempre acompanhei eles, mas tem uns quatro anos que me aprofundei. Há dois anos e meio estudo Mandarim e digo que é possível aprender. Consegui me comunicar com as questões mais cotidianas e básicas por lá.
Glamurama: E como está a situação por lá?
Ronaldo Lemos: A gente ainda tem essa imagem da ‘escravidão’ por causa da fase industrial em que eles trabalhavam muito mesmo, fábrica de chão. Isso foi 10 anos atrás. Os salários aumentaram, tem uma proteção ao trabalhador, está diferente… A China enriqueceu, eles tiraram 750 milhões das pessoas da miséria e por aqui comemoramos 15 milhões, o que é bem inferior. Eles não estavam nem aí para o dano ambiental e agora buscam novas carreiras, cidades boas para se viver, você vê isso claramente. Essa nova geração está com muito mais oportunidade e informação.
Glamurama: Nos dê um exemplo?
Ronaldo Lemos: Visitei uma família em que o pai tinha um visual muito jovem e perguntei para ele qual era o segredo. A resposta acabou comigo: ‘comi muito pouco até os 30 anos e isso me deixou mais jovem’. Ele trabalhou muito em fábricas e conseguiu proporcionar uma vida melhor para sua família, tanto que as filhas têm ensino superior. Uma é cientista e a outra linguista da Universidade de Nova York.
Glamurama: Os chineses têm uma cultura muito diferente da nossa, o que mais te impressionou?
Ronaldo Lemos: Vi uma China diferente do que é mostrado por aqui. Você vai passear pelas principais cidades e não vai ver as pessoas comendo cachorro, por exemplo, isso só acontece em uma província na fronteira com o Vietnã e o restante da população morre de vergonha disso. Inclusive, a comida lá é muito boa. Metade da população ainda mora no campo, mas eles têm vindo para a cidade e seguem a medicina chinesa em que uma das premissas não é segurar nenhuma secreção porque faz mal para a saúde, então eles arrotam e cospem mesmo e isso pode nos parecer mal educado, mas se entender a realidade deles sua postura também muda.
Glamurama: O que seria “digitalização da vida”?
Ronaldo Lemos: Estamos vivendo digitalmente: trabalho, namoro, reserva de restaurante… Na China esse nível está ainda mais alto do que no Ocidente, cerca de 4 a 7 anos na nossa frente. Por exemplo, pagamento com reconhecimento facial, sem cartão ou celular, só pelo rosto. Os chineses pularam o cartão, foram do dinheiro para mobile, usando o QR Code. Andando em Pequim, você vê morador de rua com celular que tem código QR. As pessoas transferem a doação para uma conta virtual dele na hora.
Glamurama: Assiste séries do tipo Black Mirror, o que identifica como mais perto da realidade?
Ronaldo Lemos: A China é uma sociedade que prosperou e o Black Mirror me parece uma etapa antes do que eles vivem atualmente. Viver do meio do nada, comenda nada. Isso é Black Mirror. Por lá você vê crianças na rua, infraestrutura moderna, eles prosperaram com uma população de 1.4 bilhão de pessoas. Para ter ideia, uma cidade bem pobre de lá que passamos tem mais metrô que o Rio de Janeiro. Além disso, a taxa de homicídio é baixíssima, 1 para cada 100 mil habitantes. Nessa quinta, um turista chinês foi morto e outro ficou ferido em assalto na praia de Ipanema. Lá, eles dormem nos canteiros sem se preocupar em seu roubado. Esse tipo de situação é inconcebível.
Glamurama: Como é o Ronaldo internauta?
Ronaldo Lemos: Eu uso como ferramenta de trabalho. Estou sempre conectado com meu time que é grande e trabalha comigo no instituto de pesquisa no Rio, escritório de advocacia em São Paulo… Na web busco informação e matéria-prima para pensar em novos projetos e como todo mundo eu sofro com o uso excessivo. Consigo deixar o celular em momentos pessoas, mas foi um hábito adquirido. Existe a ansiedade com o que chega de mensagens, desejo de responder tudo. Isso melhorou e reservo espaço no meu dia para abandonar o celular, como durante os exercícios ou em um encontro. São momentos sagrados. Tem que colocar energia disso, não é espontâneo.
Glamurama: O que podemos destacar de bom com o crescimento da tecnologia?
Ronaldo Lemos: Eu sou fã da internet e a tecnologia mudou tudo. Nasci em Araguari, Minas, cresci lá na década de 1980 em que a conexão com o mundo era apenas por dois canais de TV (Globo e Band) ou pelos Correios, mas fomos escolhidos para ser a primeira cidade a receber a TV a cabo no Brasil, em 1985, e isso influenciou demais essa geração de moradores, inclusive eu. Imagina de um dia do outro passar de dois para 200 canais? A minha história mostra mesmo que a tecnologia é construtiva e a internet é democrática. As pessoas precisam perceber e valorizar o que podem aprender com ela.
Glamurama: Como será o uso da web no futuro? Ainda existe o que inventar?
Ronaldo Lemos: Quem acha que já teve muita mudança tem que apertar o cinto. Estamos apenas no começo, nos próximos anos veremos o crescimento da inteligência artificial e do 5G, o que muda tudo.
Glamurama: Acredita nos influencers digitais? Qual o futuro deles?
Ronaldo Lemos: Acredito. Eles têm força individual, mas a maior é coletiva, é aquela história uma andorinha só não faz verão. A vida de influencer é muito difícil, admiro e tenho pena porque a internet é efêmera, tem que “pedalar a bike” todos os dias senão desaparece, o jogo é pesado e a internet é muito vaporosa.
Glamurama: Quais os avanços do direito da informática aqui no Brasil?
Ronaldo Lemos: Participei muito dessas lutas nos últimos 15 anos e destaco a construção do marco civil, lei que é resultado de sete anos de batalha (2007 a 2014). Ela já foi citada no mundo inteiro como exemplo, inclusive o fundador da internet já escreveu que é um modelo para todos. O melhor disso é que a mobilização foi da sociedade (de baixo pra cima) e decolou. O Brasil já esteve na vanguarda sobre pensar a internet de forma construtiva e estamos ficando pra trás porque a área de ciência e tecnologia aqui está em crise. Uma das razões para ir até a China foi ver se conseguimos impulsionar o Brasil novamente. Nosso vigor ficou pra trás, o clima mudou as prioridades também, o povo ficou mais preocupado e tem sonhado com coisas negativas. Nosso inconsciente está ligado a tiro, segurança e força. A gente é o que a gente sonha e se você não sonhar com coisas grandiosas, não vai realizar. Na China eles fizeram isso e deu certo, somos mais imediatistas.
Glamurama: A indústria da fake news vai continuar ou a tendência é diminuir diante dos últimos acontecimentos?
Ronaldo Lemos: Ela veio para ficar e só vai se aprofundar. Estamos no começo e vamos ter que lidar, é uma das questões mais importantes do nosso tempo.
Glamurama: Diante do domínio da tecnologia o que devemos estudar para esse “novo” mercado de trabalho?
Ronaldo Lemos: Qual o desafio? Aprender a transformar conhecimento em produtos e serviços, esse conhecimento está na rede, é pegar isso e transformar a sua vida. Não precisa ter um grau de instrução elevadíssimo. Lá tem desde aula de violão, yoga… pequenos e grandes serviços que fazem a vida das pessoas melhores. Os brasileiros são empreendedores, mas fazemos sempre as mesmas coisas (tem muito cabeleireiro, gente fazendo bolo e comida…). Temos que aprender a aprender. Quem não se reinventar, vai ficar para trás. Assista vídeo no Youtube, boa parte dos meus estudos em Mandarim é por lá e deu certo.
Glamurama: Três dicas para quem for visitar a China?
Ronaldo Lemos: Xangai – cidade com planejamento urbano impressionante e que transformou o ponto principal da cidade em uma área que privilegia o pedestre. Tem viaduto para as pessoas passarem, isso é inacreditável. Foco total na andabilidade.
Shenzhen – ao lado de Hong Kong, que tem um clima bem parecido com o nosso, é chamada de China Tropical, inclusive. A modernidade de lá é impressionante. Todos os ônibus, carros e táxis são elétricos.
Pequim – vale visitar e fazer esses passeios, como a Muralha da China, que é incrível, Cidade Proibida. Turismo não vai fazer mal pra ninguém.