Logística, baixa inadimplência, pouca concorrência e foco no varejo. Eis a receita de sucesso do Grupo Zema, corporação familiar tocada por Romeu Zema Neto que fatura R$ 3 bilhões por ano atuando principalmente em cidades com menos de 50 mil habitantes
Por Paulo Vieira para a revista PODER
O mineiro de Araxá Romeu Zema Neto, CEO e acionista do Grupo Zema, já foi comparado a Sam Walton (1918-1992), o homem que criou a norte-americana Walmart. De fato, há pontos em comum na história das empresas familiares que eles transformaram em impérios – o Grupo Zema projeta faturar R$ 3,5 bilhões este ano. As Lojas Zema e Walmart estão presentes em várias pequenas cidades de seus países de origem. Mas o mapa de expansão da Walmart é bem menos ortodoxo. Suas unidades podem estar tanto em grotões dos estados de Wyoming e de South Dakota como em metrópoles como Atlanta ou Los Angeles. Já as Lojas Zema, por clara orientação de Romeu, têm verdadeira paúra das capitais.
Estar a menos de 100 quilômetros de qualquer norte-americano, uma das divisas do Walmart, definitivamente não anima os Zema. Romeu não quer nada com as metrópoles – nem mesmo com as cidades médias. Mais: ele também quer distância dos cafundós do Maranhão, do Ceará ou da Amazônia. Cidades de até 50 mil habitantes são o lugar ideal para uma Zema, mas, por ora, elas só estão em Minas Gerais e estados vizinhos – Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás e Mato Grosso do Sul. A maior cidade onde uma das 523 lojas Zema se encontra é Uberlândia, uma megalópole para a lógica da rede, com seus 660 mil habitantes. O padrão é estar em lugares como as cidades baianas Tanque Novo e Livramento de Nossa Senhora, as capixabas Pedro Canário e Montanha, as paulistas Palestina e Nuporanga, as goianas Montividiu e Anicuns e as mineiras Abre Campo e Vazante. É nessas localidades, onde não há sinal dos concorrentes Magazine Luiza e Lojas Cem, entre outros, que Romeu pinta e borda.
“Quem chega primeiro encontra água limpa”, disse ele ao repórter da PODER em São Paulo, para onde veio ver os filhos – Catharina, que faz cinema na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), e Domenico, estudante de engenharia civil na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP) – e aproveitou para tratar com fornecedores. São Paulo, terceira maior região metropolitana do mundo com seus 20 milhões de habitantes, não justifica nem a presença de um escritório dos Zema. As Lojas Zema, que crescem à razão de 50 novas unidades a cada 12 meses – a taxa caiu em 2015 –, ainda têm espaço para se multiplicar no estado de origem. “Há umas 150 cidades mineiras que podem vir a receber uma das nossa lojas.”
Além da concorrência fraca, duas coisas ajudam a explicar o sucesso do grupo nas pequenas cidades, e Romeu, diferentemente do mineiro da anedota, não esconde o jogo: logística e baixa inadimplência. No primeiro caso, os centros de distribuição de Araxá e Montes Claros estão próximos dos pontos de venda, mas os verdadeiros ganhos vêm da estratégia de fazer entregas em até sete lojas por dia – o transporte do produto à casa do cliente, mais tarde, é resolvido localmente; quanto a tomar calote, esse é um risco baixo em lugares pequenos, onde “todo mundo sabe quem é mau pagador”, como diz Romeu. “Ninguém quer ficar falado por isso.” Curiosamente, 60% das compras feitas (e quitadas) nas Lojas Zema são efetuadas com um velhíssimo instrumento: o carnê.
Mas assim como nenhum homem é uma ilha, as cidades minúsculas onde há uma loja Zema também não o são. Sempre há por perto um polo regional no qual a concorrência pode atacar com um preço menor – para não falar na dura competição com o e-commerce. Ainda assim, Romeu puxa a sardinha para sua brasa. “Quem sai para comprar um ventilador de R$ 100 não vai fazer uma viagem, mesmo que curta, para isso.” No caso de eletrônicos e de outros produtos de maior valor, o que conta é a assistência técnica do lado de casa – viajar com uma lavadora ou uma televisão de tela plana, mesmo que por 50 quilômetros, não é um grande programa de fim de semana. As Lojas Zema vendem até notebooks, e mesmo assim Romeu diz que seus preços são competitivos. E a rentabilidade final para os acionistas, segundo ele, é similar à da concorrência, na casa dos 2%.
FOCO NO PRINCIPAL
A mudança que selou o destino do Grupo Zema se deu em 2002, quando Romeu, então com 37 anos, decidiu fechar as muitas empresas do conglomerado. O movimento teve o endosso do conselho de administração. Foram limados farmácia, depósito de material de construção, construtora, varejo de autopeças, concessionárias, fábrica de charretes e de cerâmica. Tantas atividades faziam sentido nos anos 1970, no “milagre brasileiro”, época em que “a Volkswagen tinha reflorestamento e o Bradesco, gráfica”, como lembra o CEO. Naquela década, tudo estava por ser feito e Ricardo, pai de Romeu e hoje presidente do conselho do grupo, estava ansioso para colocar a mão na massa. Com a morte precoce de seu pai, também Romeu, em um desastre aéreo em abril de 1957, Ricardo herdou uma concessionária – carros estão na origem do grupo que começou em 1932 vendendo pneus Dunlop – e um posto de gasolina. Foi ele o responsável, ao assumir os negócios aos 21 anos, em 1964, pela multiplicação das empresas do grupo (veja boxe). É irônico pensar que seu filho, anos mais tarde, daria um fim à farra.
A concentração dos negócios na divisão de varejo e de combustíveis causou algum ressentimento familiar. Romeu gerencia essa divisão, responsável por 96% do faturamento da empresa, enquanto o caçula Romero, a quem coube cuidar das concessionárias, hoje apenas cinco, contribui com os outros 4%. Mas os dois têm o mesmo quinhão da sociedade e fazem jus às mesmas bonificações. Mas com o negócio dos automóveis na origem, questões afetivas vieram à tona. Romeu diz que seguir com ênfase nas concessionárias seria como repetir o erro da Kodak, que “achou que seu negócio era filme, não imagem”. “Apego emocional, especialmente em empresas familiares, distorce a visão do que deve ser feito e pode custar a vida da companhia.” Romeu lembra que, naquele momento decisivo, seu pai preferia ficar com “os três porquinhos”, as concessionárias, a ter “500 vacas”, o símbolo de prosperidade que ele vislumbrava com o varejo de eletrodomésticos e de combustíveis. A metáfora não foi usada nas discussões.
Romeu e Romero são da primeira geração da família que conseguiu fazer universidade, uma exigência paterna. Tanto um como outro cursaram administração na FGV de São Paulo. Mas Romeu, como seu pai, desde cedo esteve no dia a dia da empresa. “A casa onde eu cresci em Araxá ficava entre o posto e a concessionária. Eu brincava de pique-esconde no meio de pneus e lubrificantes. Desde cedo acompanhei meu pai nas viagens, vi como fazia negócio.” Em suas férias da GV, voltava a Araxá para ajudar na empresa. Romeu diz que seu pai jamais relaxava. “Para ele nunca houve férias, era trabalho de 1º de janeiro a 31 de dezembro. Às vezes também vendia peças de madrugada, quando alguém batia na porta.”
GÁS COM O GÁS
A crise de 2015 ceifou empregos no grupo. Romeu calcula que foram reduzidas mil vagas, mas, como o turnover do setor é grande – segundo ele, nas Zema entre 30% e 35% –, não foi preciso demitir tanto: bastou não substituir os que saíram. A queda no comércio chegou ao topo em agosto, quando as vendas do setor de móveis e de eletrodomésticos, cruciais para o grupo, despencaram 18,6% em relação ao mesmo mês de 2014, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A catástrofe só não se abateu no QG de Araxá porque a área de combustíveis reagiu, ganhando mercado com a saída de alguns competidores. Há 309 postos de combustíveis com a bandeira Zema pelo Brasil, grande parte deles franqueados, mas o big business é a distribuição, não a venda ao consumidor final. Romeu conta que disputa com outras 100 distribuidoras cerca de 24% do negócio no Brasil, que é dominado por Petrobras, Raízen (Cosan/Shell) e o Grupo Ultra (Ipiranga). Para uma divisão que surgiu em 1997, o desempenho é expressivo.
O grupo começou agora a mudar o perfil dos empréstimos que mantém com os bancos, dívidas que, segundo Romeu, equivalem a “dois meses de faturamento”. Em 2015 foi emitida a primeira rodada de debêntures da história do conglomerado, além de ter sido criado um FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios), fundo lastreado em títulos e também nos chamados recebíveis (como duplicatas). Os Zema chegam à quarta geração no comando dos próprios negócios e querem evitar a todo custo mudar esse cenário, pulverizando o controle acionário ou se capitalizando com fundos de investimento que buscam remuneração rápida. Embora saibam que para encontrar água limpa é imperativo chegar primeiro, mesmo na pressa subsiste outro velho provérbio cuja sabedoria implícita deve ser tão ancestral quantos os costumes mineiros: para Romeu, antes só do que mal acompanhado.