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Rodrigo Maia no Congresso Nacional // Foto: Orlando Brito

Chefe do Legislativo, Rodrigo Maia faz de sua reconhecida capacidade de articulação moeda forte mesmo em tempos de pregação antipolítica e injeta protagonismo na Câmara ao manter relação de independência com o governo federal, de quem diverge na agenda de costumes, mas ajuda com as pautas econômicas e com imobilidade diante dos pedidos de impeachment de Bolsonaro

por Paulo Vieira fotos Orlando Brito

Numa época em que tanto se fala em equidade e diversidade, a imagem assustava. Rodeado por 11 outros líderes partidários – além de Osmar Terra –, Rodrigo Maia, presidente da Câmara Federal, dava uma entrevista coletiva no famoso Salão Negro do prédio do Congresso Nacional. Eram os 13 daquele ajuntamento todos homens. Havia tanto ou mais gente no púlpito do que jornalistas a registrar a cena.

O dia era crítico. Naquela quinta-feira, 20 de agosto, Maia e seus companheiros passaram a manhã em intensas articulações para manter o veto presidencial a uma medida que congelava em 2021 aumentos salariais e progressão de carreira de servidores públicos envolvidos no combate à Covid-19: profissionais da saúde e do sistema funerário, garis, assistentes sociais, professores, policiais. Na véspera o Senado havia derrubado o veto, e cabia à Câmara, pelo regimento, revisar a medida. O governo pressionava com o ministro Paulo Guedes profetizando o caos, e ao final Maia não decepcionou: o veto presidencial foi mantido na casa por larga maioria.

A sessão marcou a estreia do novo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP), deputado que foi ministro da Saúde do ex-presidente Michel Temer e é um dos expoentes do Centrão, bloco parlamentar famoso por prestar apoio ao governo de turno, independentemente de sua orientação ideológica. O “velho normal” para uma gestão presidencial que assumiu dizendo-se “antissistema” e bradando contra o toma lá dá cá do fazer político tradicional.

Muito mais do que Barros, foi Maia quem claramente brilhou naquela quinta. Mostrou força ao arregimentar líderes da Câmara e do Senado e, mais tarde, ao entregar a vitória reclamada pelo governo. Na sessão de votação, num gesto raro, usou a tribuna para discursar em nome de sua sigla, o DEM, por dez minutos. Era preciso, segundo ele, “dar uma sinalização clara de que nós queremos atender estados, municípios e a sociedade, tudo dentro do equilíbrio fiscal”.

Equilíbrio fiscal é mesmo um dos mantras desse deputado fluminense em seu sexto mandato consecutivo e que preside a Câmara Federal desde a queda de Eduardo Cunha (MDB), hoje em prisão domiciliar, o principal artífice do impeachment de Dilma Rousseff. Economista que não concluiu a faculdade, Maia trabalhou nos bancos BMG e Icatu antes de ingressar na vida pública em 1997, como secretário de Governo do Rio, na prefeitura de Luiz Paulo Conde. Suas crenças no liberalismo econômico e no rigor no trato com o orçamento público são música para o mercado financeiro, setor que o convoca semana sim semana sim a falar para os seus. Em recente palestra virtual para a corretora XP, Maia demonstrou intimidade com os entrevistadores, operadores que a pandemia de Covid-19 transformou subitamente em hosts de talk-show, dizendo a um deles que “daria um bom William Bonner”. Fervoroso defensor do teto de gastos, emenda constitucional aprovada sob sua presidência ainda no governo Temer, Maia foi também o grande articulador da reforma da Previdência, tornada lei ano passado, e não cessa de dizer que é essencial fazer outras duas reformas, a administrativa e a tributária, já que o “estado brasileiro cobra muito e devolve serviços de baixa qualidade”. Em seu mundo ideal, esses temas seriam votados ainda em 2020, antes de seu mandato como presidente chegar a termo.

Rodrigo Maia em seu gabinete // Foto: Orlando Brito

O poder do chefe da Câmara é medido pela capacidade de mobilizar seus pares, tanto maior quanto mais amplo for o arco partidário. Isso implica grau de sujeição menor ao Executivo – ou, para usar uma palavra mais afeito a Maia, “independência”. E o poder de Maia cresceu também à medida que o presidente Bolsonaro se atrapalhava em sua interlocução com o Legislativo e criava crises institucionais com suas reiteradas participações em manifestações que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Cinco dezenas de pedidos de impeachment chegaram à mesa de Maia, que é o único brasileiro que tem o poder de dar início a um processo legal de interrupção do mandato de um presidente da República. Pedidos que o deputado vem fazendo questão de ignorar por achar que uma crise política agora é tudo o que o Brasil não precisa. Em entrevista a PODER em Brasília, sentado à cabeceira da comprida mesa de seu gabinete da presidência da Câmara e tendo às costas uma tapeçaria tardiamente figurativa de Glênio Bianchetti, Maia confirmou que se surpreendeu com o tamanho do poder ao chegar ao posto, em 2016. “É muito grande.” E é esse poder que ele diz estar preparado para deixar quando seu mandato se encerrar, em 31 de janeiro – a possibilidade de um novo biênio é uma hipótese aventada por vários atores políticos, mas com a qual ele diz não trabalhar (veja boxe “Agenda carregada”). “A democracia requer a renovação, a alternância de poder, se defendemos a democracia, sabemos que em algum momento o poder vai ser entregue a outro. O político tem de estar sempre preparado para ter e passar o poder.” Maia, que foi vice-líder e líder do PFL (que em 2007 passou a se chamar DEM) e depois presidente da sigla, diz que “não quis intervir” no mandato de seus sucessores no partido, e, assim, “não vou querer intervir no trabalho de meu sucessor [na presidência da Câmara]”.

Dez entre dez analistas políticos veem Maia prenhe do que seja a grande, talvez a maior virtude política: a capacidade de articulação. Para o cientista político Fernando Abrucio, da FGV, a força do deputado é comparável à do ex-deputado Ulysses Guimarães, o “Sr. Diretas”, que presidiu a Câmara na década de 1980, na redemocratização. “Ambos tinham uma agenda político-ideológica, o pragmatismo e a capacidade de transitar por vários lados.” Essas características ajudariam a explicar o poder do congressista, que, nas contas de Abrucio, comanda “uns 250 votos na Câmara” e lhe confere força maior do que a do próprio Centrão, que o acadêmico chama de “Centrinho”.

Em 2019, a terceira eleição consecutiva desse carioca nascido em Santiago, no Chile, para a presidência da Câmara contou com votos de quase dois terços dos deputados da casa, membros de partidos de esquerda como o PCdoB e PDT incluídos, à despeito das pautas centristas e liberais que Maia abraça fortemente. Um de seus apoiadores é o deputado Orlando Silva, agora candidato à prefeitura de São Paulo pelo PCdoB, que disse a PODER que o demista tem como ponto forte o “diálogo constante com a oposição, a valorização das diferenças e a produção de convergências”. Silva critica o colega por “exagerar na dose do liberalismo”, mas saúda sua “paciência e tolerância ao ouvir críticas injustas”, especialmente aquelas vindas de parlamentares eleitos na mesma vaga antissistema que erigiu Bolsonaro. Silva considera ainda que Maia “tem noção do impacto político e jurídico” que seria desengavetar qualquer um dos mais de 50 pedidos de impeachment de Bolsonaro, mas diz preferir que ele “silenciasse” a dizer que “não enxerga crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente”. “O que mais tem aí é crime de responsabilidade.”

Rodrigo Maia // Foto: Orlando Brito

MARACUGINA

Bolsonaro já revelou que dorme mal e que precisa ter uma arma perto da cama para se sentir um pouco mais seguro à noite, mas poderia encontrar em Maia uma providencial Maracugina. O parlamentar tem deixado claro que a apreciação de pedidos de impedimento de Bolsonaro estão completamente fora de questão enquanto os efeitos das crises econômica e sanitária do coronavírus se impuserem. O deputado também está a anos-luz do perfil de seu antecessor na presidência da Câmara, Eduardo Cunha, que foi minando o governo Dilma Rousseff com retaliações, as famosas pautas-bomba, que criavam despesas onde o Executivo pedia ajuste fiscal.

O grande paradoxo da relação entre o Planalto e o Legislativo é que este último poder criou involuntariamente as condições para o recente surto de popularidade de Bolsonaro, consequência direta do programa de pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 mensais a milhões de brasileiros. Foi a Câmara que gestou o programa, a partir do projeto de lei relatado pelo deputado Marcelo Aro (PP-MG), que tinha como base o valor de R$ 500, 2,5 vezes o que foi inicialmente sinalizado pelo governo. O próprio Aro foi ao Twitter em junho para contar a “história real”, quando Bolsonaro passou a assumir sua paternidade exclusiva. Dirigindo-se ao presidente da República, o deputado escreveu que “seu governo foi contra o meu relatório desde o primeiro momento. Vocês não admitiam um valor acima de R$ 200”.

Maia diz não se incomodar em dividir, ou melhor, conceder o crédito da criação do auxílio emergencial a Bolsonaro. Para ele, a imagem da Câmara vem sendo recuperada a despeito da “criminalização da política”. E negou a PODER ter ciúmes da popularidade do presidente. “Ciúmes? O que está segurando a economia é o auxílio emergencial. O presidente fez um cadastro novo, concentrou nele, tem méritos na comunicação e na execução do programa. Mas nós estamos felizes porque se não fosse a Câmara e o Senado, o presidente não estaria em condições de ter benefício. O reconhecimento à Câmara já existe e tenho certeza que vai aumentar ao longo dos próximos anos.”

Se com o auxílio emergencial inflou a vela do barco presidencial, Maia tem também imposto algumas derrotas ao governo ao não pautar matérias da famosa agenda evangélico-conservadora de costumes de Bolsonaro, além de ter barrado medidas provisórias como a da mineração em terra indígena. Recentemente, impôs outra derrota ao Executivo ao conseguir aumentar a participação federal no Fundeb, o mecanismo de financiamento da educação básica, outro projeto de emenda constitucional, que foi levado a votação mesmo diante dos esforços do governo em esvaziá-lo.

Filho do ex-prefeito do Rio Cesar Maia, que relutou em lançá-lo na vida pública, ele tem no pai um de seus interlocutores para assuntos políticos, assim como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer. Para Maia, a legislatura que preside, marcada pela renovação histórica e pelo enorme ingresso de deputados eleitos por força das mídias digitais, não faz dele um “maverick”, um raro lobo solitário, mago da velha arte da negociação e hábil piloto das manobras regimentais. “Tem muitos deputados de primeiro mandato de grande qualidade, a Tabata [Amaral] (PDT-SP), o [Felipe] Rigoni (PSB-ES), o Silvinho Costa (Republicanos- -PE), o Tiago Mitraud (Novo-MG). E muitos líderes que são responsáveis comigo por essa imagem que tenho de bom articulador.” Torcedor do Botafogo e por isso apelidado com o nome do time na famosa lista de políticos supostamente contemplados com verbas de caixa 2 da Odebrecht – o inquérito 4.431 foi aberto em 2017 no STF a pedido do então procurador Rodrigo Janot, e cabe agora ao procurador Augusto Aras oferecer ou não a denúncia –, Maia já disse que lhe “falta carisma” para voos mais altos. Da única vez que se aventurou numa eleição majoritária, à prefeitura do Rio, em 2012, amargou uma derrota fragorosa, colhendo apenas 95 mil votos, nada diante dos 2,1 milhões dados ao vencedor, Eduardo Paes, e muito pouco em comparação aos 914 mil destinados ao segundo colocado, o deputado Marcelo Freixo, do Psol. Mas, com o poder conquistado entre seus pares, e até perante a opinião pública, ele não tem atualmente do que se queixar. “A última pesquisa que eu vi, do Datafolha, deu 25% de ótimo e bom [para mim], isso para um deputado federal é muita coisa. A Câmara e o Senado não têm agência de publicidade, não compram espaço nos meios de comunicação. Isso acaba diluindo a informação sobre o Parlamento.”

PROATIVIDADE

Se fosse possível medir a produtividade de um parlamento, a melhor maneira não seria invetariando a quantidade de leis criadas ou aprovadas numa determinada legislatura. Pois muitas dessas leis não têm impacto na vida da população. Mas quando se calibra a régua para se mensurar a proatividade legislativa, os anos de Rodrigo Maia à frente da Câmara Federal certamente seriam aprovados com louvor. “Em termos principalmente de reformas econômicas, não consigo ver nenhum presidente tão bem-sucedido desde o deputado Luís Eduardo Magalhães, no começo da gestão de Fernando Henrique Cardoso”, disse a PODER Bruno Carazza, professor do Ibmec e da Fundação Dom Cabral e autor do livro Dinheiro, Eleições e Poder: As Engrenagens do Sistema Político Brasileiro. Maia é o grande idealizador e executor das PECs do Teto de Gastos e da reforma previdenciária e já foi chamado na internet de “CEO do Brasil”. O cientista político Fernando Abrucio concorda. “Na pandemia esse Congresso trabalhou muito para montar a engenharia financeira que levou crédito ao cidadão e às empresas.” Abrucio também destaca a atuação do deputado ao Maia ao enfrentar pautas de interesse do Executivo como o homeschooling, o garimpo em terras indígenas e a política armamentista. “Essas coisas poderiam ter vingado em 2019, mas Maia segurou tudo.”

AGENDA CARREGADA

Mesmo com a pandemia e a interrupção das reuniões das comissões dentro do Parlamento, agosto foi fervido na Câmara, com avanços – e recuos – na proposta da reforma tributária, fonte perene de preocupação de Maia junto com o tema do equilíbrio fiscal. Neste assunto, ele se desdobrou para rebater os ensaios do governo em criar despesa para o sucedâneo do Bolsa Família sem saber como financiá-la. No fim do mês, chegou também à mesa do líder a proposta de Orçamento de 2021, e a especulação de que a Defesa poderia ter dotação maior que o do Ministério da Educação, que havia provocado enorme perplexidade no líder, acabou por não se confirmar. Além do equilíbrio fiscal, a outra “âncora” de que fala o deputado é o meio ambiente. “Os investidores olham o meio ambiente como precondição para investir. É uma âncora que nenhum país emergente que precisa de poupança externa pode abrir mão”, disse a PODER. O governo não parece exatamente convencido dessa tese, por isso a presidência de Maia pode acabar sem progressos nesse campo. Mas há gente que advoga um novo termo para Maia na presidência na Câmara, em movimento sincronizado com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Tanto que o PTB já impetrou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF para impedir que o tema avance. Maia também teve seu nome especulado para o governo do Rio, em caso de vacância definitiva por impeachment do governador afastado Witzel e de seu vice. Em coletiva na Câmara, Maia refutou a lembrança.

POPULARIDADE EXPORTADA

Avaliar o desempenho da Câmara Federal parece ser mais difícil do que o do presidente da República. Mesmo com o uso cada vez mais frequente das redes sociais pelos deputados, ainda é difícil saber quais projetos de autoria do Executivo são aprovados, barrados ou aprimorados na Câmara; e o mesmo vale para aqueles gestados na “casa do povo”. O auxílio emergencial de R$ 600 é caso modelar. Urdido na Câmara, teve sua paternidade invocada por Bolsonaro que agora, com ele, navega inédito ganho de popularidade. Enquanto isso, a avaliação dos deputados patina. Pesquisa Datafolha divulgada em agosto mostra 37% de “ruim/péssimo” contra os 32% da enquete anterior, em maio; “ótimo/bom” caiu um ponto percentual, para 17%. Os últimos números da pesquisa PoderData são parecidos, com “ruim/péssimo” em 31% e “ótimo/bom” em 17%. A PODER, Rodrigo Maia preferiu comparar os índices de agosto com os de outra pesquisa, em que “ótimo e bom” ficava, segundo ele, em 8%. Caso Maia optasse por confrontar com a expectativa captada pelo Datafolha em dezembro de 2018 para este Congresso (Câmara e Senado), a narrativa não ficaria muito bonita: naquela ocasião, 56% esperavam um desempenho “ótimo e bom” de deputados federais e de senadores.

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