Paulo Sampaio para a revista Joyce Pascowitch de outubro
Bombar no Instagram, para um artista sertanejo de sucesso, não chega a ser um marco de audiência. Mas, no caso da cantora Roberta Miranda, as fotos postadas são tão extravagantes que se tornaram objeto de culto. Não só porque contradizem a imagem de “reclusa” que ela sempre fez questão de cultivar, como porque expõem o que ela mesma classifica como seu “lado palhaça”. Exemplos: fazendo biquinho. “Isso é truque para afinar o rosto. Aprendi comigo mesma, obrigada.” Vestindo um par de botinhas pretas: “Amei os sneakers de Jennifer Lopez e me dei de presente rsrs”. Deitada com o rosto achatado no travesseiro, sem maquiagem, a ponta da língua para fora da boca e a legenda: “Nossa senhora, esse povo já ligou 10x… Quero mimi e não possooooo! Acorda Roberta!”; de shortinho e minissaia, com as pernas de fora: “Ter sido bicampeã de ciclismo aos 21 anos de idade surtiu efeito!!”; bebendo água em um copinho: “Amo tomar café só para tomar água cheia de bolinhas kkkk vou confessar kkk elas fazem cócegas na minha garganta kkk a Roberta adora!!”; apenas uma maçã: “Como estou comportada… Antes comia um boi de madrugada. Quando a água bate na bunda, a gente aprende a NADAR!!”. Uma vela acesa dentro de um copo pousado nas costas da mão esquerda em balanço: “A vida impõe equilíbrio, até que um dia… O desequilíbrio irá chegar de vez”.
Com 25 anos de carreira, Roberta, definitivamente, não precisa do “Insta” para se promover, como acontece com tantos artistas ainda em fase de construção de imagem. Convenhamos, para alguém que já vendeu 18 milhões de discos, é muito mais fácil ficar à vontade nas redes sociais. “Sou viciada em postar. Onde quer que eu esteja você vai me ver com o celular na mão. No Insta eu tive condição de mostrar que sou brincalhona, meio palhaça, sem ter vergonha. E nada de posar só com cara boa, de rica, bem-sucedida. Sou como sou”, diz ela, no apartamento de cerca de 500 m2 onde mora nos Jardins, na zona oeste de São Paulo. Até ser aclamada rainha e tornar-se rica, independente e em condições de pintar e bordar nas redes, Roberta gramou. Imigrante nordestina, aos 8 anos ela veio da Paraíba com os pais e os três irmãos homens. Diz que a família era “pobre mesmo”: “De vez em quando, o Hermeto (Pascoal) levava um pedaço de carne lá para casa, a gente comia com farinha”, conta. As coisas foram melhorando, seu pai tornou-se funcionário dos Correios, e os irmãos professores de português e matemática. A família era muito unida, e por isso foi extremamente doloroso perder quase todos “em sequência (de dois em dois anos)”. “Sobrou só um irmão”, diz. Compositora desde jovenzinha, Roberta debutou na carreira de cantora como crooner, aos 16. Mais tarde, fez “cortina” para gente como Rosemary e Fafá de Belém. O termo era usado para designar o número musical que abria o show, antes da entrada da estrela maior.
BOCHECHAS DO REI
Enquanto Roberta se maquia e se veste para a foto, no interior do apartamento, a empresária Célia Moratori passa informações preliminares sobre o currículo da artista. Há 22 anos, Célia acumula as funções de melhor amiga, tomadora de conta e arquivista informal da cantora. “Cinquenta e sete anos no dia 28 de setembro”, diz. Será que tudo bem publicar a idade da entrevistada? “Sim, claro”, responde Célia, com a altivez de quem sabe muito sobre as reações de RM. Ela segue informando: o último disco foi Roberta Miranda 25 Anos – Ao Vivo em Estúdio. O próximo, com lançamento marcado para este mês, Roberta Canta Roberto. Antes de morar nos Jardins, a sertaneja tinha um tríplex de 1.000 m2 no Morumbi: “Ela vendeu na hora certa”, acredita a empresária, referindo-se à desvalorização dos imóveis que o bairro vem sofrendo, por causa da violência. Apesar de ter um Range Rover Evoque, Roberta mantém o carrão na garagem – só sai no BMW que comprou em 1994. Entre uma informação profissional e outra pessoal, Célia Moratori solta algum particular de Roberta. “Até hoje, na hora de entrar em cena, ela fica com as mãozinhas geladas. Mesmo que seja só para gravar um playback na TV.” Além da empresária, duas outras mulheres – a assessora de imprensa e a produtora – estão à disposição de Roberta, que impõe uma série de restrições antes de posar para a foto. As três vão cumprindo sua vontade. Antes de terminar de se aprontar, ela passa pela sala e avisa: “Os quadros e móveis não podem aparecer de jeito nenhum”. Diz que é por causa do seguro. Seria expor as obras aos olhos de algum interessado a surrupiá-las. Para dar uma noção de valores, ela aponta para um retrato de 1,90 metro de altura de Maria Antonieta e pergunta: “Você sabe quanto custa um quadro desse?”. E responde: “R$ 300 mil”. Aquilo ali, tá vendo?, ela diz, mostrando o pé de uma mesa de vidro colocada no centro de um jogo de sofás e poltronas: “Foram necessários cinco homens para carregar”. Do outro lado da sala, indica um móvel estilo escrivaninha arrematado em Nova York. Explica que comprou “no lugar mais importante de leilão no mundo”. A Sotheby’s. Em cima do móvel, há uma foto de Roberta com Roberto Carlos, ela de costas, segurando com as palmas das mãos as bochechas do rei.
Em dado momento, passa a circular pelo ambiente mais uma moça. Quem será? “Alessandra”, ela responde. “Sou filha do Ronnie Von.” Muito amiga de Roberta “há anos”, Alessandra explica que trabalha com gastronomia e sempre faz “os quitutes” quando a cantora recebe para entrevistas. Ela abre a porta de correr que dá para a sala de jantar e descortina uma mesa grande, iluminada, cheia de delícias. Muito acolhedora, Alessandra apresenta os pratos com evidente satisfação: “Ó (apontando com o indicador), ali é uma broa de milho; ao lado tem pão de queijo, croissant, torta de queijo, petit four… aquilo na jarra é uma sangria ‘sem vinho’ e na outra, chá indiano”. A cantora não vai provar nada daquilo. Sim, ela também: Roberta Miranda não está comendo glúten.
MINIPRETZEL DIET
O corte da proteína na alimentação foi por conta de uma dieta imposta depois de uma cirurgia e também para promover o equilíbrio geral do organismo. Recentemente, Roberta passou por um susto que quase a fez cancelar um show no Rio. Na véspera da apresentação, com faringite aguda, foi parar no hospital. Diagnosticaram pneumonia. “Pneumonia??”, perguntou ao médico, apavorada, Célia Moratori. Não era pneumonia. “Peguei uma bactéria por causa da mudança de tempo”, diz Roberta, falando uma oitava abaixo para poupar as cordas vocais. O otorrino achou melhor não fazer o show, mas ela desacatou a orientação: “Peitei ele! Caso minhas cordas vocais falhassem, que fosse no aconchego dos meus fãs”. Na primeira música, o público percebeu que “a voz não estava vindo inteira”. “Expliquei a eles a situação, disse que tinha um atestado, mas que preferi estar ali. A comoção foi tão grande que o povo subia no palco, nem os seguranças conseguiram conter a loucura.” Ali ao lado, a empresária confirma tudo incondicionalmente. “Ela passou o dia evitando falar”, conta.
Logo que a reportagem chega à casa de Roberta, ela parece ensimesmada, arisca, pouco disposta a conversar. Para saber direito o que houve, J.P consulta Célia. Ela diz que são as fotos. “Prefiro acompanhar as gravações de 300 CDs do que a produção da capa de um”, afirma Célia. Soa estranho que Roberta não goste de fazer caras e bocas para fotógrafos profissionais, uma vez que ela adora postar “selfies” caseiros no Instagram. Bom. Acontece que na mídia social a proposta é despretensiosa, e isso a protege de ser levada a sério. Além do mais, no Instagram, a cantora pode controlar o que sai, e como sai (por mais insólito que seja), ao contrário da internet. Como boa parte dos artistas que não querem se identificar com as chamadas “celebridades”, Roberta Miranda se ressente da invasão de privacidade que a mídia eletrônica promove e da especulação acerca da vida sexual dos famosos – um dos maiores filões desse mercado. Os malvadinhos insinuam que Roberta é homossexual e só vão sossegar quando a virem sair do armário publicamente. “Falam de tudo e não sabem nada”, diz ela, meio vaga.
Sem alterar o tom de voz, a cantora inicia uma preleção anti-homofobia: “Nosso país ainda é careta e hipócrita quando se trata de homossexualidade. Acho maravilhoso que as novelas estejam abordando relacionamentos gays, invadindo a casa dos preconceituosos com o assunto. Homossexual não pode ser maltratado. Um pouco de educação, gentileza. Ele dá o que é dele, gente. Nem emprestado é”. Ao longo da conversa, RM se torna afável ao ponto de levar uma lasca de maçã à boca do repórter – a fruta veio cortadinha, especialmente para a diva. Em uma atitude de pajem, Célia reforça o texto da dieta, enquanto Roberta encarna “a obediente”. E continua a falar baixo. O discurso contra a homofobia acaba sem que se consiga descobrir sequer se Roberta Miranda está namorando. O jeito é rodear o assunto. Quando perguntam, por exemplo, se Célia Moratori desperta ciúmes nas paixões de Roberta, a autora de “Majestade, o Sabiá” responde (depois de balançar afirmativamente a cabeça): “Tive uma pessoa que quis afastar a Célia de mim. Começou a cobrar a atenção que eu dava a ela (‘Tudo é para a Célia’), e deu um ultimato (‘Ou ela, ou eu!’). Terminei a relação ali. Não admito!”. Por mais que sofra com esses finais infelizes, a artista diz que preserva o lado profissional: “Nada nem ninguém interfere na minha arte! Roberta Miranda não dá esse poder a ninguém!”. Tá?
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