Revista PODER: quem são os advogados criminalistas que atuam na Lava Jato?

José Luís de Oliveira Lima, Adriano Bretas, Pierpaolo Bottoni e Antônio Carlos de Almeida Castro || Créditos: Roberto Setton/ Daniel Aratangy/Letícia Moreira/Divulgação/Revista PODER

Na defesa de políticos, executivos, donos de empreiteiras e outros figurões implicados na Lava Jato, advogados criminalistas ganham contas milionárias, mas têm de se virar com uma novidade no Direito brasileiro: a delação premiada

Por Paulo Vieira e Nataly Costa para revista PODER

Houve um tempo no Brasil em que se dizia que casos de favorecimento empresarial, corrupção, vantagens indevidas, licitações fraudulentas e ilícitos assemelhados davam em nada. Esse tempo durou mais ou menos da deglutição do bispo Sardinha pelos caetés até junho do ano passado, quando uma das dez pessoas mais ricas do país, o baiano Marcelo Odebrecht, passou a habitar a Custódia da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, e depois uma cela do Complexo Médico-Penal de São José dos Pinhais, na região metropolitana da capital do Paraná.

Detido na 14ª fase da Operação Lava Jato, batizada de Erga Omnes (“para todos”, em latim), Marcelo Odebrecht é da terceira geração da família controladora da Odebrecht, a maior empreiteira do Brasil. Com ele foi dar uma volta nos subterrâneos de Curitiba Otávio Marques de Azevedo, seu homólogo da concorrente Andrade Gutierrez, a segunda maior. Se a casa caiu para essa gente, é de se supor que algo realmente mudou na Justiça brasileira. Em certos estratos, com efeito, ficou mais difícil dizer que o crime compensa.

O empresário  resistiu por meses a celebrar acordo de delação. Recentemente, contratou o escritório do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias com esse intuito. Seu outro advogado, Nabos Bulhões, cuida dos demais processos criminais que responde || Créditos: Getty Images/Revista PODER

O grande vetor da mudança tem um nome pomposo: colaboração premiada. Ou, mais comumente, delação premiada. Alguns veem na expressão um eufemismo para traição ou, em português menos castiço, caguetagem. Foi com base nesse instrumento, regulamentado apenas em 2013, que a Lava Jato fez e aconteceu. A operação, iniciada em 2014, conta hoje com mais de 50 acordos de delação premiada.

A delação não é apenas um instrumento novo. Ela introduz uma escola de pensamento desconhecida, pode-se dizer, no Direito brasileiro. E isso parece estar confundindo os defensores de investigados e réus da Lava Jato. “A recompensa é comum na tradição jurídica anglo-saxã, que é pragmática, visa o resultado, e isso contrasta com nossa tradição romano-germânica”, disse a PODER Alamiro Velludo Salvador Netto, professor associado do Departamento de Direito Penal, Medicina Legal e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). “Os advogados penalistas agora têm de mudar a pauta da defesa, que sempre primou pela absolvição (do cliente) via negativa de autoria ou de materialidade. Agora é preciso avaliar até que ponto a absolvição é viável para não se pôr tudo a perder”, afirma.

Outra novidade da Lava Jato, uma distinção clara do mensalão, a ação penal que começou a mudar a percepção pública da impunidade no “andar de cima”, é que ela se desdobra em um sem-fim de processos, julgados nas mais diversas praças. Mas se trouxe novos problemas para os criminalistas, a Lava Jato também jogou-lhes no colo clientes com alguns dos maiores patrimônios financeiros do Brasil. E os profissionais vêm sendo chamados não só para fazer a defesa de gente que delata ou que é objeto de delação, como também para oferecer uma espécie de consultoria visando prevenção de problemas futuros. “Já recebemos consultas de empresas que não querem correr o risco de agir de maneira errada daqui para a frente”, diz o criminalista Pierpaolo Bottini. O advogado paulistano, de 39 anos, formado na mesma Faculdade de Direito da USP onde é hoje professor-doutor, defende, entre outros, Dalton Avancini, ex-presidente da empreiteira Camargo Corrêa. Com o acordo de delação, Avancini pôde cumprir sua sentença de 15 anos e dez meses de prisão no novo regime semiaberto diferenciado, que estabelece recolhimento domiciliar à noite e aos fins de semana. Em vez de penitenciárias como a Papuda, de Brasília, destino de vários apenados do mensalão, o executivo e outros réus da Lava Jato pagam suas penas com conforto, no recesso do lar. É o que o jornalista Elio Gaspari chamou jocosamente de “Bolsa Angra”.

O concreto rachou; Dalton Avancini (abaixo), João Auler (centro) e Eduardo Hermelino Leite (esq), primeiro escalão da Camargo Corrêa, todos condenados na Lava Jato. Cumprem prisão domiciliar, mas Auler vai para o regime fechado || Créditos: Agência Brasil/Folhapress/Luis Macedo/Revista PODER

Bottini ainda representa Cláudia Cruz, mulher do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, acusada de manter contas secretas na Suíça e, junto com a filha, de fazer gastos exorbitantes no exterior, incompatíveis com seus rendimentos. Um tipo de cliente que ajuda a fomentar a percepção geral de “advogado do diabo”, como ele e colegas vêm sendo chamados. “Causa-me desconforto essa imagem. Parece uma doença contagiosa.”

Outro nome de destaque entre os penalistas com clientes implicados na Lava Jato é Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Seu rebanho na operação é de 11 clientes, muitos políticos. Do PMDB estão com Kakay o senador e ex-ministro de Dilma Edison Lobão, o também senador Romero Jucá, hoje um dos mais desenvoltos articuladores da iminente Presidência Temer, e a ex-governadora do Maranhão Roseana Sarney. Do PSDB, o senador Aécio Neves, cujo status na Lava Jato vive mudando. No começo de maio, com a delação do senador Delcídio do Amaral, a Procuradoria-Geral da República voltou a pedir ao STF sua investigação. Kakay adota uma postura diferente de seus pares e critica o instituto da delação premiada. Representou um dos réus que mais municiou a operação, o doleiro Alberto Youssef, mas disse a ele que o largaria se viesse a dar com a língua nos dentes, como acabou acontecendo. Kakay é um dos 105 signatários da famosa carta que, publicada nos grandes jornais brasileiros em janeiro, teceu críticas pesadíssimas à Lava Jato. Ele e colegas viram no modus operandi da operação “desrespeito à presunção de inocência e ao direito de defesa, desvirtuamento do uso da prisão provisória, vazamento seletivo de informações sigilosas, sonegação de documentos às defesas dos acusados, execração pública dos réus, ameaça ao Estado de Direito”, entre outros “graves vícios”. “Decretar prisão para forçar o cara a falar? Isso é inconstitucional”, disse o advogado a PODER.

O senador Delcídio do Amaral, que implicou diversos políticos em sua explosiva delação. Por causa dele, o MPF pediu que o STF investigasse o senador Aécio Neves no esquema de Furnas || Créditos: Agência Senado/Revista PODER

Curiosamente, o tom apocalíptico do documento, que vê a Lava Jato como uma “espécie de inquisição”, contrasta com a natural empatia e sarcasmo de Kakay, que, entre amigos, em uma festa, deve ser aquele que aponta as gafes dos convidados para gargalhadas gerais. “Tem procurador dando palestra sobre corrupção em igreja e chamando a (atriz) Maria Fernanda Cândido para coletar assinaturas para um projeto de lei”, diz, referindo-se ao procurador do Ministério Público Federal Deltan Dallagnol, que comanda a força-tarefa da Lava Jato no Paraná. “O que a Maria Fernanda Cândido pedir para assinar eu assino, pô! Mas quantos vão ler aquilo antes? Falta lealdade intelectual.”

A defender réus e acusados da Lava Jato há outros medalhões do porte de Kakay. O escritório do ex-ministro da Justiça de FHC José Carlos Dias recentemente passou a representar Marcelo Odebrecht, que enfim se dispôs a fazer delação; já Celso Vilardi, que foi o grande responsável por anular outra rumorosa operação da Polícia Federal, a Castelo de Areia, está com Otávio Marques de Azevedo, da Andrade Gutierrez. Como se profeciasse seu nome, a Castelo de Areia desmoronou porque Vilardi mirou na denúncia anônima que sustentava a operação, um formalismo. O advogado chegou a considerar expediente semelhante na Lava Jato, na defesa do executivo João Auler, da Camargo Corrêa, mas com Azevedo o caminho foi acertar a delação. E assim, após cinco meses em Curitiba, Azevedo recebeu sua Bolsa Angra.

A constelação de criminalistas que trabalha por investigados, indiciados e réus da Lava Jato tem outros sobrenomes conhecidos. Uns se valorizaram no mensalão, como José Luís Oliveira Lima, o Juca, que representou o ex-deputado José Dirceu e na Lava Jato defende Léo Pinheiro, da OAS, que deve em breve assinar delação premiada. Juca, tal como Vilardi, preferiu não falar a PODER por medo de que isso afetasse o processo. Pinheiro é próximo do ex-presidente Lula e, supõe a promotoria, irá ajudar a esclarecer a questão dos imóveis de propriedade – ou de usufruto – de Lula.

Parcimoniosos com as palavras, os advogados não abrem quanto ganham, mas estima-se que cobrem a partir de R$ 2 milhões. Há cláusulas de performance envolvidas, o que pode dobrar os honorários. É natural, portanto, que prefiram o silêncio. Em alguns casos, quem fala muito paga pela boca. O criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que representou Eduardo Hermelino Leite, executivo da Camargo Corrêa, na Lava Jato, deu, na última semana de abril, entrevistas aos principais jornais de São Paulo. Via-se como um possível ministro da Justiça do ainda incerto governo Temer. Signatário do documento dos 105, Mariz disse, entre vários tópicos, que a Polícia Federal deveria ter “outros focos” além do combate à corrupção. Acusado por seus oponentes políticos de ter uma agenda pró “acordão” para encerrar a Lava Jato e com o PMDB, partido bastante implicado na operação, a lhe dar lastro, Temer decidiu então fazer de Mariz, para usar a expressão de Dilma, “carta fora do baralho”. Mas não deve faltar trabalho ao ex-futuro ministro.

Como advogado particular de Temer, ele talvez tenha de defendê-lo na Lava Jato. Embora não seja objeto de investigação, Temer foi citado na delação do senador Delcídio do Amaral como “padrinho” da indicação à Petrobras de dois personagens-chave do petrolão, Jorge Zelada e João Augusto Henriques. Os ex-diretores da estatal foram denunciados por corrupção e lavagem de dinheiro.

Na galeria, o perfil dos advogados.

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