Revista J.P: um papo sobre ética, corrupção e jeitinho brasileiro

o Alberto Carlos Almeida, diretor do Instituto Análise e um papo sobre ética na revista J.P ||Créditos: Helena Wolfenson/Revista J.P

 

Ética, corrupção e jeitinho brasileiro. O que eles têm em comum? Muito mais do que se pensa, afirma o sociólogo Alberto Carlos Almeida, diretor do Instituto Análise

Por Julia Furrer para a revista Joyce Pascowitch de maio

Quando o assunto é política, o termo “corrupção” surge quase como uma resposta unânime aos grandes problemas do país. Em meio às manifestações que desde junho de 2013 têm parado grandes e pequenas cidades brasileiras, muito se fala sobre a falta de ética dos políticos nacionais. Especialista no assunto, o sociólogo e pensador Alberto Carlos Almeida, autor do livro A Cabeça do Brasileiro, tem uma visão bastante cética – e pessimista – sobre o tema: “Não vai mudar”, afirma taxativo. É que para ele o problema está intimamente ligado aos valores éticos dos brasileiros, que, por uma questão cultural, têm enorme dificuldade em aceitar limites e cumprir regras informais. J.P foi entender melhor como andam nossos valores e por que ainda é tão difícil compreender que o famoso “jeitinho” tem tudo a ver com a tão criticada corrupção.

 

J.P: O que é ética?

Alberto Carlos Almeida: É um conjunto de valores e princípios que regem a convivência social definindo o que é certo e o que é errado e elencando o que deve ser prioridade. É muito comum ouvir que fulano não tem ética, o que é uma afirmação totalmente equivocada: todo mundo tem ética, mas a do outro pode ser diferente da sua.

J.P: É uma questão cultural?

ACA: Totalmente. Varia de época para época, e de país para país. No Brasil, por exemplo, aprendemos que o certo é colocar a família em primeiro lugar. Isso explica porque temos tantas empresas familiares em que consanguíneos são escolhidos para cuidar do dinheiro. Os empresários preferem, às vezes, levar prejuízo a ter de demitir um parente. Já os jogadores de futebol se apressam para transformar a vida dos pais tão logo fiquem famosos. Na Alemanha é diferente. Outro dia mostraram na televisão que o piloto Michael Schumacher nunca deu um tostão para a mãe. Será que é porque ele não gosta dela? Claro que não. É porque não foi ensinado a cuidar da família do jeito que nós fomos. Não faz parte da ética daquele país.

J.P: Então não dá para fazer juízo de valor, certo? Essa coisa de dizer que a sociedade americana é mais ética…

ACA: Exatamente, são éticas diferentes. Você pode preferir uma à outra, mas nenhuma é superior. Temos a democracia para eleger o governante que melhor representar o que acreditamos.

J.P: O que percebeu em suas pesquisas sobre os valores do brasileiro?

ACA: Nossa ética tem um padrão duplo. O que eu exijo do outro não é o que exijo de mim. Como  no velho exemplo do jeitinho, que é bom quando me beneficia, mas é ruim quando eu estou na fila, por exemplo, e sou passado para trás. Temos uma zona moral cinzenta muito grande. Há países em que só existe o branco e o preto. Aqui tem o preto, o branco e o cinza, que tá ali no meio. Nossa moral é, portanto, circunstancial.

J.P: Qual é o risco de ter uma moral circunstancial?

ACA: Desde crianças somos ensinados a julgar as situações caso a caso e a quebrar algumas regras informais. Só que quem é eleito a cargos públicos mantém esse comportamento e tem muita dificuldade de seguir regras formais também. É aí que surge a corrupção. Por outro lado, imagine um alemão que cresceu acostumado a respeitar todas as normas, sem exceção. Ele desconhece o jeitinho, então tem muito mais facilidade de não se corromper quando é eleito. É uma conduta natural.

J.P: Além da legitimidade maior para infringir as regras, não há uma valorização da malandragem?

ACA: O brasileiro sempre teve de aprender a se virar, e, nessas circunstâncias, quem é mais esperto tem mais valor. Mas acho que o tipo malandro já foi mais cultuado. O que ainda é muito forte é a incapacidade de o brasileiro respeitar limites. Pode reparar como no avião, apesar de todos saberem que é preciso desligar o telefone durante o voo, é preciso que a aeromoça venha insistir quase que com cada um para que a regra seja cumprida. Da mesma forma, ninguém espera a parada total da aeronave para tirar os cintos de segurança ou respeita o pedido de só voltar a ligar os celulares ao chegar ao saguão do aeroporto. Dá para observar todos esses exemplos em uma simples viagem de avião.

J.P: Por que é tão difícil respeitar regras?

ACA: Porque a regra o iguala ao outro e o brasileiro tem muita dificuldade de ser tratado da mesma maneira que os demais, ele quer tratamento especial. As regras de trânsito, por exemplo, são extremamente democráticas, mas por que ficar parado no sinal vermelho como todo mundo, se posso furá-lo e deixar todos para trás?

J.P : De alguma maneira a forma como as coisas estão organizadas no Brasil propiciam essas infrações?

ACA: Sim, nós temos total legitimidade para ser quem somos. Isso vem desde a colonização. Enquanto os Estados Unidos receberam ingleses religiosos da classe média, que não tiveram qualquer incentivo do governo para fazer a viagem e criaram uma Constituição mínima antes de desembarcar, o Brasil foi ocupado por uma coroa e um monte de escravos. A desigualdade sempre esteve presente. Então é claro que o discurso que tira a culpa do indivíduo e coloca no sistema tem sua razão de ser.

J.P: Os discursos mais individualistas têm ganhado força no Brasil?

ACA: Essa coisa de meritocracia tem sido cada vez mais mencionada, assim como discursos que isentam a sociedade e apontam o bandido como único culpado pelo que fez. Mas nunca será como nos Estados Unidos. São formas diferentes de conceber o mundo. Se uma empresa vai mal no Brasil nunca é culpa do empresário, mas do governo que cobra muitos impostos, etc. Toda maneira como raciocinamos ainda está pautada em reconhecer que o indivíduo não é o responsável.

J.P: Onde se aprende ética?

ACA: Nas grandes instituições como família, escola,  mercado de trabalho e igreja. Em Londres tem aquelas escadas rolantes imensas no metrô e quem não está com pressa fica parado do lado direito, deixando o esquerdo livre para quem quer passar. As pessoas acham que aquilo aconteceu como mágica, mas é ensinado na escola. Os comportamentos públicos e privados são ensinados em algum lugar.

 J.P: Sempre existiu corrupção. Por que então tanta gente tem saído às ruas para se manifestar?

ACA: Não tem tanto a ver com a corrupção. As pessoas que foram às ruas têm perfil mais tucano e há 12 anos não estão se sentindo representadas. A própria simbologia do Lula falando errado e dizendo que governa para os pobres deixa isso claro. As pessoas da elite foram as que menos prosperaram, e ainda tiveram a vida afetada com o crescimento da classe C. Está mais difícil conseguir empregada doméstica, por exemplo, e a USP, que há alguns anos só tinha alunos dos colégios da elite paulistana, hoje recebe alunos de todos os cantos do país. A elite perdeu o monopólio dessas posições. Além disso, estamos atravessando uma crise econômica. Tudo isso para dizer que se essas pessoas que foram às ruas estivessem melhorando de vida, não iam se importar com a corrupção dessa maneira.

J.P: É possível imaginar um governo livre de corrupção nas próximas décadas?

ACA: Infelizmente não é algo que dê para mudar com operações ou promessas. A Itália é um exemplo disso. Está tão corrupta quanto era antes da Mãos Limpas, e essa é uma percepção da própria população. A corrupção no Brasil não está restrita ao governo federal, tem íntima relação com esse jeitinho que faz parte da nossa visão de mundo e dá um dinheirinho para o guarda para não ser multado. O problema é que as pessoas não relacionam uma coisa com a outra.

J.P: O que falta sabermos?

ACA: Que o Brasil jamais será igual à Europa e os Estados Unidos. Ou aceita o país nos termos dele, ou se muda para Miami.

 

 

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