Publicidade
Martha Rocha
Martha Rocha

Por Renato Fernandes para revista Joyce Pascowitch de janeiro

 

Em 1954, o suntuoso hotel Quitandinha, em Petrópolis, está em rebuliço. Dá-se início ao primeiro concurso oficial de Miss Brasil, que revelaria a candidata ao Miss Universo. No júri, nomes como Manuel Bandeira, Helena Silveira e Fernando Sabino. A vencedora? A baiana Martha Rocha, até hoje sinônimo de miss. Tornou-se uma entidade: nome de rua, viaduto, torta e tema de marchinha carnavalesca. Mas sofreu muita inveja por sua beleza: “Quando sentia que alguém me invejava, começava a elogiar muito, até ela cair em uma saia justa”, relembra. E Martha ainda tinha de se deparar com o despeito de uma das concorrentes. “Ela não tem classe, não sabe usar um vestido. Não sabia nem onde ficava Long Beach, e ainda tem pernas finas e tortas, tem muito ventre e é deselegante”, teria dito Patrícia Lacerda, representante, na época, do então Distrito Federal. No Miss Universo em Long Beach, na Califórnia, Martha era a favorita da imprensa, mas ficou em segundo lugar. Ficou famosa por ter perdido por ter 2 polegadas a mais. O posto de vice, no entanto, a tornou ainda mais prestigiada: “A evidência foi maior, sim, principalmente porque o brasileiro se sentiu injustiçado”, diz ela, vivendo, atualmente, com toda dignidade em Niterói, à la Greta Garbo, e próxima de um dos filhos.

Outra que catapultou para o hi-carioca foi a Miss Brasil Teresinha Morango, hoje Pittigliani. Mesmo depois de casada e com a coroa aposentada, Teresinha era capa de revistas como a “Manchete”. “Em 1957, o concurso era muito mais importante. Fico impressionada ao recordar como as pessoas se mobilizavam para a festa.” Teresinha também foi vice -Miss Universo e a última a concorrer no hotel Quitandinha – o concurso cresceu tanto que foi transferido para o estádio do Maracanãzinho, com mais de 20 mil espectadores. Lá, na eleição da então Miss Distrito Federal, de 1958, uma concorrente leva uma chuva de vaias, rissoles e empadinhas: Adalgisa Colombo, grande personalidade no reinado das misses. Na ocasião, Ivone Richter, Miss Riachuelo, era a mais aplaudida. “Enquanto suas adversárias haviam debutado lendo ‘O Pequeno Príncipe’, Adalgisa estava metida em concursos de beleza desde os 15 anos. Não tinha qualquer ingenuidade. Paciente, foi desenvolvendo uma técnica que a fizesse colocar as mãos na coroa”, consta no livro “Feliz 1958 – O Ano que Não Deveria Terminar”, de Joaquim Ferreira dos Santos. Adalgisa venceu o Miss Distrito Federal e, depois, o Miss Brasil. Já em Long Beach, com seu maiô Catalina, ela desfilou na passarela com cabelos presos e pernas lambuzadas de óleo em vez de pancake, como faziam as outras. Ousada, deu uma cavadinha no maiô inteiro, na época saiotezinho. Sua autossuficiência e segurança eram tantas que os jurados deram o título à Miss Colômbia. Mas uma coisa é fato: Adalgisa renunciaria à faixa e à coroa para viver com seu primeiro marido em Nova York, o empresário Jackson Flores, com quem teve um filho. Lá trabalhou como modelo e manequim e, mais de uma década depois, voltou ao Brasil e se casou com Flavio Teruszkin, dono de uma das maiores construtoras do Rio de Janeiro. Adalgisa faleceu em 20 de janeiro de 2013, surpreendendo a imprensa, pois sua morte só foi anunciada dias após o enterro.

 

TEMPOS DE GLÓRIA

Se a jovem guarda bombou na década de 1960, o concurso não fez por menos. “A Canção das Misses”, de Lourival Faissal, foi lançada na elegante voz de Ellen de Lima. Em 1963, o Brasil teve, finalmente, sua primeira Miss Universo, a gaúcha Ieda Maria Vargas, que derrotou mais de 49 candidatas. Durante o Miss Brasil, transmitido pela TV Tupi, Ieda levantou o estádio em tempos que o evento tinha a mesma popularidade do futebol. Como Miss Universo, cumpriu seu reinado e visitou 21 países. O ator Peter Sellers, jurado que lhe deu nota máxima, convidou Ieda para o elenco de “A Pantera Cor-de-Rosa”, mas ela recusou: queria casar e ter filhos. Sobre o burburinho em torno de sua vitória ser politicagem, o historiador Aberto Dubal, expert no assunto, comenta: “Claro que o Miss Universo devia um título ao Brasil, já tínhamos muitas vices. Porém, Ieda merecia: era delicada e flanava pela passarela”. Atualmente, Ieda vive em Gramado.

Em 1965, Maria Raquel de Andrade, Miss Guanabara, vence o concurso. Carioquíssima, vestindo um longo azul-claro, da cor de seus olhos, ela recebeu uma torrencial chuva de vaias: “A preferida era Marilena de Oliveira Lima, Miss Mato Grosso”, diz Daslan Melo Lima, pesquisador alagoano que ainda recorda o drama da vice-Miss Guanabara, Sônia Regina Schuller, revelado pelo jornal “O Globo” no ano passado. “Ela apareceu pedindo esmola em Ipanema. Seus problemas teriam começado quando perdeu o emprego de executiva de marketing no BarraShopping, no início dos anos 1980, culminando com um atropelamento por uma moto em 1986.” Magra e sem dentes, Sônia hoje passa seus dias sentada na calçada na Praça Nossa Senhora da Paz atrás de cigarros. Já a vencedora Maria Raquel, hoje Carvalho, pertence ao seleto rol das misses que entraram para o hi-society.
Mais coroa e faixa para o Brasil em 1968, quando a baiana Martha Vasconcellos garantiu o título de Miss Universo. “Ela foi um exemplo. Quando morou em Boston, fez um ótimo trabalho defendendo as latino-americanas que sofriam violência doméstica”, afirma Daslan Melo Lima. Em 1969, para fechar a década com pompa e glamour, a loura Vera Fischer, com seu maiô verde, ganha a disputa. A conquista foi um passo para estampar fotonovelas e pornochanchadas com nomes sugestivos como “Anjo Loiro” e “A Super Fêmea”.

 

A DECADÊNCIA

Em 1971, a brasileira Lúcia Tavares Petterle vence o Miss Mundo (naquela época, a segunda colocada no Miss Brasil ganhava o direito de ir a Londres para concorrer ao título). Já em 1972, uma gaúcha faz bonito: Rejane Goulart, linda de viver, ficou em segundo lugar no Miss Universo. Em tempo: em dezembro de 2013, o Facebook bombou quando Rejane faleceu. Queridíssima no meio artístico, no qual atuou em mais de dez novelas, ela teve um AVC. O concurso, no entanto, perdia sua popularidade. A revista “Manchete” começava a rarear a aparição de misses em suas capas, antes responsáveis pelos exemplares mais vendidos. “Houve um cansaço, pois não mexeram na fórmula e, além disso, a identidade da mulher mudou”, aponta o historiador Alberto Dubal. E é fato. Leila Diniz surgia de biquíni e grávida na praia de Ipanema, Rose Di Primo invadia as capas de revistas de tanga e moto e Wilma Dias surgia de uma banana na abertura do programa Planeta dos Homens. Já Sandra Bréa falava de sexo sem constrangimento e Sonia Braga se jogava nas pistas. “O conto de fadas já não era o mesmo. Em 1973, o concurso foi transferido para Brasília. Andávamos de ônibus pela cidade, de roupão, e, de repente, tínhamos de tirá-lo e posar em frente ao palácio”, relembra Madalena Sbaraini, que concorreu ao Miss Mundo em 1977 e foi a favorita dos apostadores e da imprensa. A gaúcha fez publicidade de suco de laranja e bicicleta na Inglaterra antes de se tornar modelo. “Perdi oportunidades por ter sido miss, algumas revistas não me davam capa. Éramos taxadas de brega no meio da moda”, conclui.

Em 1979, a bela Marta Jussara venceu em Brasília, representando o Rio Grande do Norte. O bafafá foi intenso, pois Marta teria declarado ser de São Paulo. “Houve muitas candidatas ‘biônicas’, convidadas para representar um estado que não tivesse efetuado escolha estadual”, afirma Dubal. Marta ficou famosa por frequentar as colunas sociais e a noite de São Paulo e ser noiva do apresentador Fausto Silva. Não casaram e hoje ela mora na Itália. Com uma plateia quase vazia, Marta passou seu reinado para a Miss Rio de Janeiro, Eveline Schroeter, que atualmente protagoniza um drama na vida real. Ganhou muito peso e foi abandonada pela mídia. “Ela ficou dependente de moderadores de apetite. Vive em Joinville, em Santa Catarina, onde busca reverter seus problemas de saúde”, afirma Daslan.

NUAS E CRUAS

“Nos anos 1980, com pouco prestígio e sob comando de Silvio Santos, as concorrentes eram obrigadas a dançar com artistas do SBT, como o palhaço Bozo. Desde então, a cobertura do evento passou a ser inconstante”, descreve o “Almanaque da TV”, de Bia Braune & Rixa. A primeira Miss Brasil dessa época foi Adriana Alves de Oliveira, em 1981. Anos depois, foi morar na Itália e se casou com o banqueiro ítalo-brasileiro Salvatore Cacciola, ex-dono do Banco Marka e protagonista de um dos maiores escândalos do país. Em 2006, ela se separou e agora leva uma vida reservada.

Na mesma era Silvo Santos, a Miss Pernambuco Suzy Rêgo, que mais tarde se tornaria atriz, quase consegue sua coroa. Perdeu para a paulista Ana Elisa Flores. Outro destaque é Deise Nunes, a primeira negra que conquistou o título brasileiro e fez bater mais forte os corações de Pelé e Julio Iglesias. “Minha mãe era doméstica, meu pai eletricista, um mundo novo se abriu. Viajei e ganhei muito dinheiro”, diz ela, que hoje reside em Porto Alegre. “Vi muitas misses acharem que a faixa e a coroa faziam milagres e acabarem esquecidas”, finaliza. Cátia Pedrosa, que concorreu ao Miss Mundo, em 1983, e Jacqueline Meirelles, Miss Brasil 1987, sabem bem disso. Ambas foram contratadas pelo SBT, viveram um reinado triunfal, mas terminaram no ostracismo. Cátia era uma das gostosonas do programa “A Praça É Nossa”. Teve três uniões, uma delas com o apresentador Wagner Montes, pai de seu filho. Depois do último relacionamento, ela deixou uma confortável casa em Alphaville e precisou se virar com a venda de dois carros importados. Vítima de depressão e anorexia, perdeu cabelos, dentes e voltou a viver no Rio, na Vila Militar. E foi no Facebook, em maio de 2013, que conseguiu chamar a atenção do programa de Sonia Abrão, “A Tarde É Sua”. A tragédia de Cátia deu picos de audiência: “Não pensava em ser miss, era um sonho da minha mãe. Ela projetou tudo em mim”. Para J.P, ela afirma com exclusividade: “Nunca me achei linda, eu era a bonitinha do bairro”. Modesta, pois o tenor Plácido Domingo babou por ela. Mas Cátia deu a volta por cima: “Passei na primeira fase da OAB. Estou muito bem com o meu corpo, ando nua pela casa, mas, tenha certeza: vou vestir a toga. Minha coroa é o diploma de direito e ainda serei vista no Supremo!”, avisa.

Em outubro de 1988, bomba: pela primeira vez, a “Playboy” trazia uma miss na capa com manto e coroa. Era Jacqueline Meirelles, vencedora no ano anterior. Além de ser apresentadora do SBT, ela fez uma bela carreira de modelo, mas, em 2012, precisou correr atrás de dinheiro. Conseguiu integrar o elenco de “A Praça É Nossa” – ganhava R$ 150 por aparição. Viveu, inclusive, um romance com Carlos Alberto de Nóbrega. Hoje estabelecida, vende bijuterias que ela mesma assina. Na década de 1990, o ostracismo cresce. “O comando passa a ser de Marlene Brito, que montou uma empresa para promover o evento. Surgem as top models. Em 1993, nem concurso teve. A Miss Rio Grande do Sul, Leila Schuster, foi coroada em um restaurante”, conclui Alberto Dubal. As trocas de diretores afetaram demais a organização. Em 2000, por exemplo, a música criada por Rita Lee – “Miss Brasil 2000” –, ficou muito mais conhecida do que a vencedora da edição, Josiane Oderdengen Kruliskoski. Seis anos depois, uma mudança agita o evento de beleza: o Miss Brasil passa a se dividir em dois. “O Miss Brasil Universo elege a candidata para o Miss Universo e o Miss Mundo Brasil é o concurso oficial para o Miss World, o principal evento do gênero”, explica o historiador Dubal.

O brilho e algum resquício de glamour só voltam com a eleição da mineira Natália Guimarães, em 2007. A imprensa, antes sarcástica, muda de posição. Natália ganhou mídia e a capa da revista Manchete de carnaval em edição extra, em fevereiro de 2008. Veio como rainha da bateria da Vila Isabel. Casada com o cantor Leandro, do grupo KLB, ela é mãe de gêmeas. E mais: em 2013, para a surpresa de muitos, a Miss Brasil Jakelyne Oliveira conquistou o quinto lugar no Miss Universo. “No Brasil, os concursos demoraram para alterar o formato e iniciar uma retomada. Também nos prejudicamos pela cafonalha de Silvio Santos e a hecatombe da década de 1990. Mas eles seguem lutando e a situação melhorou”, conclui o historiador Alberto Dubal. Já o pesquisador Daslan defende com veemência: “Uma vez miss, sempre miss!”

[galeria]625317[/galeria]

VOCÊ TAMBÉM PODE GOSTAR

Instagram

Twitter