Elas evitam falar de dinheiro, ruborizam quando o assunto é sexo e se casam por amor. a autêntica mp (mulher perigosa) só se revela se sua ambição sai de controle
Por Paulo Sampaio para a Revista J.P de abril
Ilustrações Sandra Jávera
Era uma vez uma linda loirinha que nasceu rica, na Filadélfia, estudou “teatro” em Nova York, transou com Deus e o mundo em Hollywood e virou estrela de cinema. Fez 11 filmes em cinco anos, ganhou um Oscar e três Globos de Ouro – mas queria mais. Um dia, conheceu um príncipe monegasco, casou-se com ele e teve três filhos encantadores. Mudou-se para o castelo, abandonou a carreira artística e passou a dedicar-se a trabalhos humanitários. Tornou-se madrinha da Association Mondiale des Amis de L’Infance, fundada por ela mesma. Quando chegou aos 40 anos, segundo alguns de seus biógrafos, ela estava muito infeliz no casamento, sentia falta de carinho e passou a pagar pela companhia de garotos de programa.
Eis aí um exemplo clássico de “mulher perigosa” (MP): Grace Kelly. Contando assim, retrospectivamente, parece fácil reconhecer uma representante do gênero. Mas não. Se hoje se sabe tanto da vida de Grace K é porque ela foi mundialmente famosa. Morta aos 52 anos em um acidente de automóvel em Mônaco, a princesa teve a vida particular permanentemente vasculhada, o que só piorou com o fato de ela se mostrar arisca com a imprensa e fazer tudo para não ser “descoberta” (o cineasta Alfred Hitchcock costumava dizer que a atriz era “um vulcão coberto de neve”). A autêntica MP esconde suas intenções. Evita falar em dinheiro, ruboriza quando o assunto é sexo e casa por amor. Muitos acreditam que, por causa dessa frieza, ela chega a níveis de ameaça social alarmantes. Obcecada pelo poder, sem jamais perder a ternura (claro!), ela vai usar tudo o que está ao seu alcance para acertar o alvo. Para começar, precisa atingir uma certa “estabilidade financeira”.
Assim como todo mundo, a MP tem três oportunidades de ficar rica: ao nascer, ao casar e ao ganhar (na megasena). A primeira é a mais confortável, produz a perigosa genuína, calculista por natureza, como GK. A segunda pode demandar sacrifícios sexuais e, eventualmente, acarretar sequelas – o perigo, nesse caso, seria decorrente do ressentimento. A terceira oportunidade, na base da sorte, gera uma MP pouco valorizada pelas outras. Elas acham que o dinheiro “novo” não agrega o mesmo glamour que uma fortuna de família. As amigas malvadas comentam: “A Mônica ficou rica, mas coitada, por mais que faça seus cursinhos de literatura não é uma mulher que sustente uma conversa sobre clássicos consistentes. Um Flaubert, que seja. A verdade é que foi aprender a receber em casa para jantares com a gente”. Se isso a incomodar muito, a perigosa se muda para, digamos, Miami, passa uma borracha no passado e cria uma nova história para si. Há muitas MP forasteiras.
OBJETIVOS DEFINIDOS
Doce, mas focada, nossa personagem sabe muito bem o que quer – e também a maneira de conseguir. Em São Paulo – melhor não citar nomes –, há o caso da socialite considerada linda por todos, inteligente, carismática, querida, do tipo que trata bem os cachorros e, sem deixar de ser um amor, só investe em quem realmente interessa. Curte homens poderosos, vinhos de US$ 200 a garrafa, temporadas de esqui em Courchevel e incursões ao Club 55 no verão de Saint-Tropez. Entre um voo no jatinho do namorado e uma festa em Cannes, tentou um cargo político. Os santinhos da campanha, bom, ela não gosta de falar dessa experiência.
Por sorte (ou por instinto de sobrevivência), a MP não costuma olhar para baixo nem para os lados (só para frente e para cima). Significa que não perde tempo ouvindo comentários maldosos, nem invejando o que é das outras – exceção feita, por vezes, aos maridos delas. Outra moça virada na sedução, toda trabalhada no trânsito social, casou-se e teve filhos com um rapaz muito rico. Tempos depois, se apaixonou por outro, mais rico ainda. Engravidou de novo. O namoro acabou antes de o bebê nascer, causando confusão na família – dele, claro.
MENDIGO MALTRAPILHO
O trato com “gente” é algo muito relativizado pela MP. Frequentemente, ela se mostra mais afetuosa com objetos. Perde mais tempo dando atenção a uma Birkin, por exemplo, do que conversando com pessoas que não “acrescentam” (substância).Em uma recente rave num clube de campo, a adolescente boa de mira prospecta partidões no ambiente coalhado de playboys abastados (alguns chegando de helicóptero). Está acompanhada da mãe e de uma bolsa Balenciaga. “Não consigo sair sem ela”, diz a garota, olhando para a bolsa. A cena remete ao seriado “Gossip Girl”, que reunia um grupo de malvadinhas do Upper East Side, de Manhattan. A ficção é pródiga em MPs. O telespectador vibra e o ibope sobe com personagens como Odete Roitman, Nazaré Tedesco, Carminha… são tantas as perigosas. Cena típica: em um restaurante grã-finérrimo do Rio, a decadente Lúcia Gouvêa Fraga Dantas, papel de Joana Fomm na novela “Corpo-a-Corpo” (1984, Gilberto Braga), pede um café. O garçom informa meio constrangido que ali não se serve café “como refeição”. Lúcia então escolhe o prato mais caro do cardápio e, quando o rapaz volta para servi-la, ela pede que o retire, o embrulhe e dê para o mendigo mais maltrapilho que encontrar na rua. “E agora, traz o café”, diz ela.
Apesar de ter uma memória invejável, especialmente quando se trata de guardar o que fizeram contra ela – ou o que ela acha que fizeram – a MP está sempre disposta a fingir que esqueceu tudo, se isso levar a alguma situação que “agregue”. Em uma cena de “Babilônia”, também de Gilberto Braga, a personagem Beatriz (Glória Pires) é ameaçada por Inês (AdrianaEsteves), amiga que surge do passado. Beatriz olha bem para a outra ediz: “Admiro a sua coragem. De me enfrentar, de me chantagear, de guardar por dez anos um vídeo comprometedor. Com um talento assim,eu não quero você contra mim. Quero você a meu favor”. A bem da verdade, essas situações despejam no sangue da MP uma adrenalina que ela cultiva como se fosse um bálsamo. Quando não corre perigo, ela se sente entediada, improdutiva. E logo recomeça a maquinar, assim, bonita e gostosa.