O mercado imobiliário nacional está aquecido para imóveis de 30 m2, ou até metade disso, mas há quem prefira – e possa – viver em casas de dimensões amazônicas
Por Paulo Vieira para a revista PODER de fevereiro
Um dos temas preferidos do jornalista Elio Gaspari em seus artigos é a filantropia. Mais precisamente, de como a elite norte-americana financiou – e financia – hospitais e universidades nos Estados Unidos e de como seria desejável, ainda que pareça delirante, que a elite brasileira fizesse o mesmo. Há tempos, ele abriu um de seus textos com uma citação até, digamos, agressiva, atribuída ao ministro das Relações Exteriores de João Goulart, San Tiago Dantas (1911-1964): “A Índia tem uma grande elite e um povo de b*, o Brasil tem um grande povo e uma elite de b*”.
Concorde-se ou não com o postulado e com as razões históricas sempre trazidas à mesa para explicar o comportamento dos poderosos no Brasil – as comodidades da vassalagem e a posse de escravos, por exemplo –, fato é que se a elite brasileira investisse em filantropia da mesma forma que investe no conforto do próprio lar… Acontece que o tamanho das residências dos endinheirados daqui e de lá mostram que não estamos tão atrás no quesito metro quadrado – e até temos alguns campeões em duelos inusitados. Como as casas do banqueiro Joseph Safra e dos empresários Amilcare Dallevo Jr. e João Doria Jr., que são maiores do que as de verdadeiros masters of the universe, na expressão do escritor norte-americano Tom Wolfe, como Mark Zuckerberg, do Facebook, Elon Musk, da Tesla (ainda que se leve em conta a fama de desapegados dos bilionários da tecnologia, eles não são exatamente monges budistas…), ou mesmo da apresentadora Oprah Winfrey.
O agora candidato a candidato a prefeito de São Paulo João Doria Jr., por exemplo, vive no Jardim Europa, em São Paulo, em mansão de estimados 2.500 metros quadrados. Com terreno três vezes maior, o imóvel, a passos de uma das avenidas mais valorizadas da capital paulista, a Brigadeiro Faria Lima, tem espaço para quadra de tênis e campo de futebol. Como Doria recebe em casa diversos pesos pesados do PIB nacional em encontros de seu grupo de líderes empresariais, o Lide, é de bom-tom que na decoração a sisudez seja a chave. Não há nada extravagante ali – salvo, talvez, a cascata da piscina e uma ou outra escultura de sua mulher, Bia Doria. Uma bela coleção de quadros de Di Cavalcanti, herança do pai, forra uma das paredes de pé-direito altíssimo. A discrição do lar se harmoniza com os conceitos de eficiência, liberalismo, estado mínimo (e espaço máximo) que o anfitrião já vem vendendo como panaceia em sua candidatura. Enfim, em termos de gosto pessoal, se um vizinho de bairro de Doria, Chiquinho Scarpa – que recentemente colocou sua morada à venda por R$ 100 milhões, está para Liberace (pianista extravagante famoso por seus shows em Las Vegas), o neopolítico dileto de Geraldo Alckmin quando muito é Pedrinho Mattar tocando no Baiúca sem a pantera negra embaixo do piano. A casa paulistana de Doria, aliás, é maior que o lar californiano de Mark Zuckerberg, do Facebook, apesar de o jovem norte-americano ter alguns vinténs a mais para chamar de seus. A propriedade de 1.500 metros quadrados de área construída (e terreno de 5 mil metros quadrados) com cinco quartos – que lhe custou US$ 7 milhões – tem piscina de água salgada, grande jardim e uma estação de trabalho embutida na mesa da cozinha. A decoração também segue um ideário conservador – a grande lareira na área externa parece ter sido o único capricho não negado ao jovem empresário. Todo o resto é indistinto e inodoro, como se os arquitetos envolvidos no projeto comungassem da teoria de que o melhor é sempre, sempre, evitar ter qualquer ideia própria.
MUNDO DA LUA
Por uma quantia bastante mais considerável, US$ 17 milhões, Elon Musk, que à frente de sua Tesla projeta e fabrica os carros mais futuristas do mundo, comprou seu lar doce lar nos subúrbios ricos de Los Angeles. A casa de 6 mil metros quadrados tem sete quartos e nove banheiros, o que parece suficiente para o empresário e seus cinco filhos. Talvez a mansão de Bel Air fique pequena quando Marte se tornar habitável, cenário com o qual Musk sonha para poder enfim ganhar dinheiro com a Space X, sua empresa de transporte espacial.
A apresentadora de TV mais famosa dos Estados Unidos, Oprah Winfrey, vive com conforto em uma casa de 7 mil metros quadrados de área construída e terreno equivalente a 6,7 alqueires paulistas (cerca de 160 mil metros quadrados) em Montecito, na Califórnia. Praticamente um Maracanã com seus 186.638 m2 de área, há espaço mais do que suficiente para manter uma casa de chá e um roseiral a perder de vista – e, quem sabe, em um de seus arroubos sentimentais, fundar, em parceria com Sean Penn, uma nova colônia zapatista. A escala é digna de um Joseph Safra, cuja cidadela com 100 comôdos no Morumbi já provocou muitos olhares de admiração sincera dos paulistanos. Mas os 11 mil m2 do palacete do banqueiro agora parecem modestos diante da casa que Amilcare Dallevo Jr., o sócio da RedeTV! casado com a apresentadora da emissora que não é a Luciana Gimenez, decidiu construir na Grande São Paulo – e que deu o que falar, já que a emissora, quando da inauguração, em 2014, não andava bem das pernas e pipocavam manchetes sobre salários atrasados por lá. Com mais de 17 mil m2 de área construída, tem heliponto sobre a suíte principal, garagem subterrânea para 50 carros, hangar para outros quatro helicópteros e jardins cortados segundo a escola francesa. Para ser o Hermitage de Alphaville faltaria apenas caprichar nas balaustradas e eliminar os banheiros.
CASA DE VERANEIO
O que motiva alguém a dar preferência a imóveis nababescos em pleno século 21 é uma pergunta pertinente com múltiplas respostas. Fernando Sita, diretor comercial da imobiliária Coelho da Fonseca, conta que, em novembro de 2014, negociou uma casa de 2 mil metros de área construída “pronta, reformada e impecável” no Jardim Europa, o bairro de Doria e de Scarpa. A razão que motivou o comprador a despender R$ 42 milhões em seu novo endereço paulistano era inusitada. Conforme disse Sita a PODER, ele quis “ter ao mesmo tempo a residência e a casa de veraneio da família”.
Uma casa histórica à venda na Chácara Flora, pequeno e exclusivo condomínio na zona sul de São Paulo, também se prestaria a esse fim. Com 10 mil metros quadrados de terreno e cheia de árvores imponentes, como uma enorme magnólia, tem três construções independentes, mas, sisudas e quase centenárias, talvez não agrade aos novos candidatos a muito ricos. A propriedade pertence a Kim Esteve, notório colecionador de arte que se acostumou, ao longo das décadas, a oferecer um almoço para os artistas da Bienal de São Paulo quando se iniciava o evento. Kim recebeu PODER em sua casa com cerca de 1.200 m2 de área construída (um dos espaços é um galpão para exposição de parte de sua coleção de 250 obras de arte) e belíssimo jardim. “Posso vender em lotes desmembrados”, disse, aludindo a certa dificuldade em encontrar compradores.
A corretora Lopes Erwin Maack traz uma série de fotos da propriedade em seu site. O preço ali é de R$ 36 milhões, valor não confirmado por Kim. Comprar direto dele talvez signifique um abatimento, pois não seria necessário pagar a comissão de praxe do corretor. Talvez Kim coloque no negócio algumas peças da coleção de arte que pretende pulverizar. Di Cavalcanti não tem, mas (José Roberto) Aguilar tem bastante.
DENTRO DA CAIXINHA
Se fossem colocados lado a lado (não empilhados), seria possível juntar 146 apartamentos do BNH Grajaú, na periferia de São Paulo, no terreno de João Doria Jr. no Jardim Europa, em São Paulo. Os apartamentos populares do BNH são pensados para famílias, mas os novos queridinhos do mercado imobiliário das grandes cidades miram os solteiros: são apartamentos de cerca de 30 metros quadrados ou menos. Segundo dados da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), consultoria especializada no mercado imobiliário, atualmente, um em cada sete novos lançamentos imobiliários na capital paulista é desse estilo, digamos, superenxuto. Na rua Anhaia, no Bom Retiro, em São Paulo, por exemplo, há “studios” – nome mais charmoso para a velha quitinete – com inacreditáveis 14 metros quadrados. Para efeito de comparação: o espaço equivale a 1/3 da área do apartamento do BNH Grajaú e 1/500 da casa de João Doria Jr.
DE PORTAS ABERTAS
Pode ser que governadores, ministros, cardeais ou premiês estrangeiros não passem mais por lá, mas os châteaux de alguns poderosos que moviam engrenagens no Brasil estão abertos ao público – ou, como no caso da casa de Roberto Marinho, no Jardim Botânico, no Rio, isso deve acontecer em breve. Ainda no Rio, um grande programa é ir à Gávea para conhecer a casa do ex-embaixador e ex-banqueiro Walther Moreira Salles, hoje transformada no Instituto Moreira Salles. Em um terreno de 10 mil metros quadrados com grandes rincões de Mata Atlântica, o fundador do Unibanco comissionou o arquiteto Olavo Redig de Campos para construir uma casa de linhas modernistas (mas com toques ornamentais, distanciando-se do ideário funcionalista vigente) em que pudesse viver bem e, principalmente, receber bem. As numerosas e grandes recepções dadas ali são uma marca da casa, que tinha no mordomo Santiago seu incansável zelador. Argentino, Santiago era fluente em seis línguas, tocava Beethoven de fraque ao piano e rezava em latim. Sua história pode ser vista no documentário Santiago, de João Moreira Salles, filho de Walther, que cresceu na Gávea sob a vigilância do argentino.