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Ilustração Bruna Bertolacini
Ilustração Bruna Bertolacini

Um analista de sistemas e um modelo são mortos a facadas por um “amigo” de Facebook. O assassino passava uns dias no apartamento em que as vítimas moravam

Por Paulo Sampaio para revista J.P de abril || Ilustração Bruna Bertolacini

Na noite do dia 22 de agosto de 2011, uma terça-feira, o interfone tocou várias vezes na portaria do Edifício Márcia, na rua Oscar Freire, zona oeste de São Paulo. Moradores pediam a seu Zé, o zelador, para verificar se algo estava queimando no 63, de onde vinha um forte cheiro de fumaça. Antes disso, ouviu-se uma movimentação incomum no apartamento, um barulho de discussão e de móveis sendo arrastados. Como tudo se acalmou e o cheiro se dissipou, só foram descobrir o que de fato tinha acontecido por volta das 8h, quando a faxineira do analista de sistemas Eugênio Bozola, 52 anos, proprietário do apartamento, chegou para trabalhar. Assim que abriu a porta, Neide Ferreira soltou um grito de pavor e correu para chamar seu Zé. Aos prantos, disse que tinha encontrado o patrão morto na cozinha. O corpo de Bozola estava no chão, com a calça e a camisa social empapadas de sangue. Na mesma hora, o zelador chamou a polícia. Menos de uma hora depois, ao entrar no local, os investigadores acharam em um dos quartos o corpo do modelo Murilo Rezende da Silva, 21, de bermuda e camisa de manga longa ensanguentados, com cabeça envolta em um saco plástico. As duas vítimas tinham sinais de perfuração por faca na altura do pescoço e do rosto. Soube-se depois que o cheiro de queimado foi produzido quando o assassino incinerou a própria roupa, numa tentativa de eliminar os vestígios do crime. O caso foi registrado no 14º Distrito Policial, no bairro de Pinheiros, como duplo homicídio.

O porteiro do turno da noite informou que o suspeito havia deixado o prédio a bordo do Honda Civic de Bozola. Alegou que, como o rapaz era hóspede do analista de sistemas, não viu problema em abrir o portão da garagem para ele sair. Moradores confirmaram a informação do zelador de que, além do modelo, “um outro jovem” passou a morar no apartamento. Chegara havia pouco mais de uma semana. A identidade desse segundo hóspede foi descoberta cinco dias depois do crime, quando policiais civis da Delegacia de Investigações Gerais (DIG) e da Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes da Polícia Civil (Dise) encontraram o Civic abandonado na cidade de Sertãozinho, a 350 km de São Paulo. O carro havia sido flagrado pela câmara do pedágio de São Simão, a 50 km de Sertãozinho. Por uma denúncia anônima, os policiais chegaram ao estudante Lucas Cintra Zanetti Rosseti, 21, que estava na casa de duas irmãs suspeitas de envolvimento com tráfico de drogas. Rosseti não tinha antecedentes criminais, mas cumpria determinação judicial de não chegar perto de uma ex-namorada, por conta de ameaças que tinha feito contra ela. Preso, ele foi levado para a Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa Física (DHPP), em São Paulo, onde confirmou em depoimento ao delegado Maurício Guimarães Soares o que já tinha dito informalmente.  Ele matara Eugênio Bozola, sim, “mas por legítima defesa”. Não assumiu o assassinato de Murilo Rezende. Na versão dele, o analista havia matado o modelo por ciúmes, e depois partido para cima dele alterado. Rosseti, para não ser morto, o matou. “Minha intenção nunca foi roubar, muito menos matar uma pessoa. Se eu quisesse, poderia ter feito isso sem ninguém perceber. Fiquei sozinho o dia inteiro no apartamento, com acesso a todos os bens e à chave do carro”, alegou ele à época. Rosseti passou a responder a um processo por latrocínio (roubo seguido de morte).

São Paulo x Palmeiras

Homossexual assumido, Bozola conheceu seu algoz no Facebook, quando passava um fim de semana em Igarapava, cidade a 437 km de São Paulo onde os dois nasceram. Como o rapaz em breve faria aniversário, o analista o convidou para comemorar a data em São Paulo. Segundo Rosseti, havia também a promessa de conseguir um emprego para ele na metrópole. Em seu depoimento, o estudante disse: “Eu cursava Direito, trabalhava como analista administrativo e financeiro em uma rede de postos de gasolina e fazia parte de uma ONG católica que ajudava moradores de rua e dependentes químicos. Vim pra capital porque o Eugênio me prometeu uma porção de coisas. Disse que me incluiria em projetos profissionais, mas era preciso que eu me mudasse para a casa dele”. Logo de saída, o estudante ficou encantado com a cidade grande. Segundo sua mãe, a motorista Andréia Zanetti de Mendonça, 44 anos, Rosseti era torcedor do São Paulo e ligou no domingo para dizer que ia assistir ao jogo do time contra o Palmeiras, no estádio do Morumbi. Andréia pediu perdão em nome do filho. “Meu sonho era que um milagre acontecesse e que ele não tivesse participado de nada disso. Por conhecer a índole do meu filho, e por ele estar com a mão machucada, acredito que tenha sido legítima defesa. Mas se ele for mesmo responsável, vai pagar, né? É a lei.” Ela afirmou que o filho “foi uma criança amorosa e um adolescente normal, tranquilo”. “Como estava desempregado, promovia bailes na cidade para poder se manter. Mas nunca teve problema com droga, passagem pela polícia. Nunca ouvi que ele tivesse um distúrbio, que precisasse de um psiquiatra.”

As investigações da polícia civil revelaram uma história diferente da que Rosseti tinha contado. O estudante havia se desentendido com Bozola porque insistia em prolongar sua estadia na cidade. Segundo testemunhas, o modelo Murilo Rezende se queixou ao analista da presença de Rosseti, que permanecia no apartamento uma semana além da data combinada para seu retorno a Igarapava. No fim de semana que antecedeu o crime, os três e mais um grupo de amigos haviam ido a uma pizzaria e depois seguido para uma boate gay na zona oeste. No dia seguinte, pressionado para ir embora, Rosseti teria dopado as vítimas, matado os dois a facadas e fugido com o carro. Levou algumas roupas de grife de Bozola. Para despistar a polícia, escreveu com sangue na parede da sala as iniciais de uma facção criminosa do Rio. O Instituto Médico Legal (IML) liberou o corpo de Bozola na madrugada do dia seguinte ao crime. Encaminhado a Igarapava, foi enterrado às 10 horas. A família não quis dar entrevistas. A ex-namorada de Murilo Rezende, a estudante carioca Catarina Rodrigues, 24 anos, disse à polícia que o modelo foi assassinado por estar “no lugar errado, na hora errada”. Catarina contou que tinha deixado tudo no Rio para reconquistar Murilo. “Vim por amor”, disse ela no IML, enquanto resolvia com um primo de Rezende o procedimento para a liberação do corpo. “Ele era uma pessoa maravilhosa, não merecia isso. Tinha uma carreira brilhante pela frente.” O modelo havia sido eleito naquele ano Mister Piauí. O corpo dele foi enterrado em Rodeiro, na zona da mata mineira, a 290 km de Belo Horizonte.

O advogado de defesa, Aryldo de Oliveira de Paula, tentou provar que a intenção de Rosseti era matar as vítimas, não roubar, já que o crime de homicídio é considerado menos grave do que o de latrocínio. “A meu ver, ele matou por vingança. A vítima o induziu ao erro, prometendo mundos e fundos em troca de relações sexuais. No fim, não cumpriu o prometido e ainda o mandou embora”, diz Oliveira a J.P. E o roubo do carro e das roupas? Oliveira: “Ele pegou os bens para garantir a própria subsistência durante a fuga”. A tese não funcionou. Lucas Rosseti foi condenado à pena máxima de duplo latrocínio, 60 anos de prisão, e ao pagamento de 720 dias de multa. Oliveira ainda recorreu no Tribunal de Justiça (TJ) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas conta que, antes de conseguir qualquer resultado, foi destituído da defesa pela mãe de Rosseti . “Ela não se conformava com a pena de 60 anos”, afirma.  Na sentença, a juíza Isaura Cristina Barreira, da 30ª Vara Criminal, da Barra Funda, afirmou que “a violência desmedida, por meio cruel, com emprego de faca e total desprezo pela vida das pessoas (…) justifica plenamente a pena máxima”.  O assistente de acusação, Antonio Fernandes Ruiz Filho, diz a J.P que “a Justiça foi certeira”. “A gente está falando de um crime bárbaro, não tinha do que recorrer.”

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