Livre de impedimento, Mauro Cezar Pereira é um dos mais críticos jornalistas da imprensa esportiva – que o digam dirigentes, treinadores e alguns craques paparicados do futebol brasileiro. Neste encontro com PODER, o “Rei do Block” falou sobre bola rolando, seus ídolos do passado, a vergonha do 7 a 1, Flamengo, Racing e bacalhau
POR DADO ABREU E FÁBIO DUTRA FOTOS JOÃO LEOCI
Pífias, patéticas, pragmáticas e sem imaginação. Não têm a menor capacidade de disputar um torneio jornalístico continental. Talvez tenham sido essas as impressões (jamais externadas pelo gentleman que conhecemos, é bom que se diga) de Mauro Cezar Pereira sobre nossas reiteradas tentativas de colocá-lo como sucessor de Juca Kfouri na linhagem de grandes jornalistas esportivos que não se contentam com meras discussões sobre arbitragem, ou capacidade técnica dos atletas, e vão além: cobrem – e cobram – cartolas e autoridades sobre tudo que ocorre fora de campo, mas que têm consequências diretas sobre o espetáculo ou sobre o bem-estar dos cidadãos em geral. Explica-se: é que Mauro Cezar acredita que tem características próprias e, mesmo admitindo que é “guerrilheiro da reportagem” tal qual outros profissionais críticos, Kfouri incluso, diz que cada um tem seu estilo e caminho autônomo; e os adjetivos que abrem este texto são os prediletos desse fluminense que de tanto se destacar como incansável fiscal na imprensa dos dirigentes e das autoridades que organizam o futebol já tem imitadores YouTube afora. Não por acaso está se tornando o predileto dos aficionados que acompanham o esporte, principalmente o futebol, de forma profunda.
Na legião de seguidores – literalmente, pois sua rede social predileta é o Twitter, onde é preciso “seguir” alguém para ler o que essa pessoa escreve –, porém, não tem só amigos. Talvez pelas opiniões duras, que não aliviam para ninguém, ele atrai uma horda de detratores que não gostam do que ele diz. Se o atacante Fred, do Cruzeiro, se notabilizou como o “Rei dos Stories” no Instagram, Mauro Cezar Pereira poderia facilmente levantar o caneco de “Rei dos Haters” da internet brasileira. Quando o assunto é Flamengo, então, a chapa esquenta ainda mais. É que depois de ter sido flagrado na arquibancada por um fã que postou sua foto nas redes sociais, o jornalista assumiu ser flamenguista – tem, inclusive, tatuado na canela a imagem do ídolo rubro-negro Rondinelli, o “Deus da Raça”, protagonista do “dia mais feliz da vida” de Mauro aos 15 anos.
Entretanto, ele se recusa a passar pano para o time do coração e tem a mesma postura crítica de sempre a cada comentário. Na semana em que almoça com PODER no La Tambouille, tradicional restaurante no Itaim, em São Paulo, após a vitória do Flamengo sobre o Vasco (coincidência ou não, Mauro Cezar saboreou um bacalhau) que rendeu à equipe o título do Campeonato Carioca, ele avisava que os torneios regionais geram ilusão e que aquilo que foi mostrado em campo não era suficiente para dar bons frutos em torneios continentais. Dito e feito: a LDU venceu por 2 a 1 os rubro-negros e complicou a vida do clube na Libertadores apenas três dias depois. O técnico Abel Braga, segundo Mauro Cezar, não trouxe nada de novo para um dos times mais caros do Brasil, de ótimo elenco, e ainda desmanchou os poucos bons pontos da esquadra vice-campeã nacional em 2018. Assim, ele conseguiu um paradoxo difícil de entender: é detestado por parte do público de outros times por ser flamenguista; e é perseguido por flamenguistas por não exaltar o clube o tempo inteiro.
Tudo isso seria engraçado não fosse por um detalhe: futebol e redes sociais são dois assuntos que descambam muitas vezes para a violência. Mauro Cezar já foi ameaçado fisicamente várias vezes, além de ser ofendido quase que diariamente. Para se defender lançou mão de duas armas, o block e o Direito Penal. Os meramente chatos e corneteiros são bloqueados (pode-se dizer que o “Rei dos Haters” se tornou o “Rei dos Blocks”) enquanto os que passam para ameaças e ofensas pessoais são denunciados para as autoridades – mais de 15 desses já tiveram que ir à delegacia prestar esclarecimentos e estão sendo processados. “É uma maneira de dizer que o sujeito não me interessa, não preciso que ele me siga. São 5 %, uma minoria chata, barulhenta, e muitos são robôs, haters, não são seres normais”, diz, sobres os bloqueados.
Todas essas polêmicas não afetaram o ritmo de trabalho, ao contrário. Mauro Cezar acumula as funções de colunista do Estadão, comentarista da ESPN Brasil, novo colunista-blogueiro do UOL, as quase full-time redes sociais, e prepara um projeto ao lado de Lúcio de Castro, grande jornalista esportivo e investigativo que foi seu colega na ESPN Brasil, autor de obras-primas como a série “Dossiê Vôlei”, e que hoje se dedica à sua agência de notícias on-line Sportlight (nome que é uma brincadeira entre ‘spotlight’, a equipe de reportagem do jornal The Boston Globe que denunciou os escândalos de pedofilia na Igreja, imortalizada por um blockbuster hollywoodiano, e a palavra ‘esporte’). Eles não dão detalhes, mas pelas redes sociais dos envolvidos há indícios de que será um podcast, e que envolveria José Trajano, outro egresso da mesma emissora de televisão. É esperar para ver sobre o que eles tratarão nesses encontros.
GAROTO ENXAQUECA
Podem até reclamar do estilo “crica” de Mauro Cezar Pereira, mas fato é que ele erra pouco. Em 2014, quando a imprensa e a opinião pública eram só oba-oba e elogios para a seleção brasileira que haveria de se sagrar campeã na “Copa das Copas”, ele foi o primeiro a notar o óbvio: o time estava mal e o treinador, Luiz Felipe Scolari, totalmente ultrapassado. Resultado: tomamos 7 a 1 da Alemanha, “a maior vergonha da história do futebol”, em suas palavras. Não foram poucas as outras que ele anteviu que o clima de “brodagem”, expressão sua, entre parte da imprensa e alguns dirigentes e treinadores ia acabar em tragédia desportiva ou financeira para os clubes e a seleção. Por conta disso, perguntou-se: e o Neymar, acabou mesmo? “Talvez ele não venha a ser tudo o que poderia ser, mas acho que vai fazer muita coisa ainda, condições para isso a natureza deu, mas são outras questões, uma pena, um desperdício”, lamenta, sobre as escolhas do atacante que envolveram, inclusive, sair do Barcelona para não ficar na sombra de Lionel Messi, uma tolice. “Quando o Messi parar vai haver uma polêmica, no Brasil ninguém vai aceitar, mas grande parte do mundo vai dizer que parou o maior da história. Como abrir mão de jogar com um cara desse? E com certeza escolheria ser o Robin do Messi, até porque esse Batman vai parar uma hora…” Ele segue o raciocínio para estabelecer que o maior problema, ainda mais para quem vive em uma bolha, num universo paralelo, como é o caso de Neymar, é tudo o que o cerca. “São familiares, parças, assessores que em vez de assessorar paparicam, é complicado”, encerra, lembrando que o atacante saiu brigado do Santos, do Barcelona e está com problemas no PSG.
Opiniões assim geram “haters” no mundo real também. Recentemente, o técnico Vanderlei Luxemburgo foi a um programa vespertino da ESPN Brasil e reclamou de como os treinadores eram tratados pelo comentarista. Mauro Cezar respondeu às acusações no Linha de Passe, programa de mesa-redonda do qual participa, no dia seguinte. Para esta reportagem foi sucinto: “Eu acho que ele quer um holofote, só que eu não sou iluminador de estúdio, sou um jornalista”.
GERALDINO
Outra característica forte de Mauro Cezar Pereira é a de ser o representante nos estúdios daquele torcedor-raiz que não compactua com a série de proibições às festas nos estádios com canudos de fumaça colorida, bandeirões e arquibancada de cimento, na contramão das arenas modernas que viraram tendência no Brasil depois das obras para a Copa do Mundo de 2014. Ele acredita que o conceito brasileiro distorce um pouco a coisa, pois não entende que pode, sim, haver modernização, mas a festa da torcida tem que ser preservada. Para ilustrar, cita a muralha amarela, torcida sem assentos e que faz muito barulho nos jogos do Borussia Dortmund, independentemente da colocação do time no Campeonato Alemão. No estádio da equipe tem até setor com poltrona e garçom, mas a muralha segue intacta – “até porque o cara que paga caro pelo melhor assento quer aquele espetáculo dos fanáticos, aquela atmosfera”. Mauro lembra quando frequentava a geral do Maracanã na adolescência nos anos 1970 (ele tem 55 anos, apesar de parecer mais jovem): “Com o valor de um ingresso de arquibancada eu pagava a condução, ida e volta, de Niterói, tomava um lanche e comprava a entrada da geral. O Maracanã antigo era tão genial que contemplava todas as classes sociais: tinha camarote, cadeiras mais caras, arquibancadas de preço médio e a geral para os mais pobres. Cabia todo mundo ao contrário de muitas arenas”, reclama, nostálgico. Não à toa, desde os anos 1990 passou a torcer para o Racing Club de Avellaneda depois de ter visto um jogo da equipe argentina contra o Cruzeiro narrado por Luciano do Valle, por quem tece elogios saudosos. “O Cruzeiro ganhara a primeira partida por 4 a 0 e a segunda estava para acabar em 0 a 0, ou seja, os argentinos já tinham perdido a taça, mas cantavam como se estivessem sendo campeões. Aquilo me marcou e passei a acompanhar o time, sou sócio, vou aos jogos”, conta, para deixar claro a mensagem em seguida: “Era como se eles estivessem dizendo ‘nós somos o Racing’, apesar de tudo. É como uma religião para eles: tem quem vá à missa aos domingos, eles vão ver o Racing e apoiar 90 minutos”.
Todo esse tom contestador, esse elogio ao futebol socialmente inclusivo, igreja pagã dos desvalidos, e uma aversão a qualquer tipo de elitização boba nos faz pensar em alguém de esquerda, politicamente ativo. Mas Mauro Cezar não gosta de fazer proselitismo político. Segundo ele, na internet o nível de desinformação e de ódio faz com que seja impossível falar do tema, e seu foco na profissão o impede de tomar lados muitas vezes. Mesmo falando de futebol, apenas pela direção das críticas muitas vezes os detratores virtuais já começam o coro de “petralha” ou “esquerdista”, mas ele se defende: “Qualquer crítica que se faça já vem essa marca de ser desse ou daquele partido, mas eu não sou de nenhum, não me guio por orientações partidárias. Vivem me chamando de petista, mas eu não sou. Ou melhor: se bobear eu sou petista sim, como era o modo de pensar o do partido no início. O PT é que deixou de ser petista”, ri.