Nascido no Bronx e em 1939 – um lugar e uma época que tornavam essas características de sua biografia praticamente atestados de que a conquista do “Sonho Americano” era uma espécie de utopia dentro de uma realidade distópica – é bem capaz que Ralph Lauren tenha refletido sobre essa ironia ao retornar às passarelas, na última sexta-feira (8), durante a semana de moda de Nova York, interrompendo um hiato de quase quatro anos longe delas. Aos 83 anos, o estilista e empresário ressurgiu sob aplausos de celebridades e da mídia não apenas como alguém que conquistou o sonho americano que tantos lhe disseram ser impossível, mas também se tornou um dos maiores símbolos do etos nacional dos Estados Unidos. Mais que isso, Lauren pode ser considerado o guardião de um conceito de estilo eterno, o mesmo já guardado por grandes nomes como Coco Chanel e Christian Dior, em um universo fashion com sotaque europeu hoje obcecado com o efêmero, ainda que consiga atingir resultados financeiros astronômicos com tal abordagem.
Antes maisons tocadas a partir de pequenos ateliers, atualmente gigantes do luxo da Europa operam em modo de produção quase industrial. A Ralph Lauren Corporation, por sua vez, continua sendo um reflexo da visão singular de seu fundador desde a origem, em 1967, mas longe de ser uma mera oficina de costura. Tão digna de ser chamada de “gigante” quanto suas concorrentes do velho continente, a empresa sediada em plena Madison Avenue, no coração de Manhattan, faturou US$ 6,4 bilhões (R$ 31,9 bilhões) no último ano fiscal americano (encerrado em 30 de setembro de 2022), conforme informou em um balanço publicado no fim de maio, apontando uma alta de 10% em relação ao anterior. A cifra serve como um testemunho de que o ideal de Lauren, que mira no atemporal para garantir resiliência e, por fim, manter seu apelo, também é um plano de negócio efetivo.
Essa resiliência está ancorada não apenas no passado glorioso do homem por trás da marca, mas também na promessa de um futuro brilhante. A prova está no sucesso do projeto RL 888, uma linha inovadora que foi lançada como uma resposta à demanda por uma moda mais sustentável e tecnologicamente avançada. Com uma elevação de 35% nas vendas online e um crescimento de 22% no engajamento de consumidores mais jovens, a RL 888 não apenas expande o apelo da marca a uma nova geração, mas também reafirma seu compromisso com a qualidade e o design atemporal. A linha busca incorporar tecnologias e materiais sustentáveis sem perder a essência que fez da Ralph Lauren uma potência da moda e a atual ação “must have” de investidores, que fizeram seus papeis negociados na bolsa de valores de NY (NYSE) saltar outros 10% nos últimos quatro meses, elevando se valor de mercado para mais de US$ 7,6 bilhões (R$ 37,9 bilhões).
O cenário escolhido para o retorno foi o Brooklyn Navy Yard, centro cultural da Marinha dos EUA no Brooklyn, um espaço que serve como uma junção simbólica entre seu passado no Bronx e seu futuro global, convertido para a ocasião em um ambiente rústico decorado com portas de celeiro inspirado no Double RL. Esse é o famoso rancho de quase 6,5 mil hectares localizado sob as quase sempre nevadas montanhas de San Juan, no Colorado, onde Lauren leva a vida como fazendeiro. O local não foi apenas uma pista de desfile, mas uma afirmação de identidade e uma espécie de terreno neutro onde a visão americana que ele exportou para o mundo foi celebrada. Dessa forma, isso destaca a percepção inicial de Lauren como um outsider pela turma europeia da alta moda. Agora, ele é mais do que apenas um estilista. Ele se tornou a personificação da sofisticação e a consciência moral e estética de uma indústria frequentemente perdida em sua própria efemeridade.
O legado de Ralph Lauren é tanto uma conquista pessoal como um comentário sobre o estado contemporâneo da indústria da moda. Enquanto muitas grandes casas de moda diluem suas identidades em busca de modismos passageiros e lucros imediatos, Lauren investe de forma obstinada em sua própria narrativa. Essa abordagem foi evidenciada pelo lançamento da sua nova linha, RL 888, uma clara indicação de que a marca não está apenas olhando para trás, mas também planejando um futuro audacioso.
Mais do que cifras e tendências, o império de Ralph Lauren é um testemunho da durabilidade do sonho americano e uma crítica implícita à direção que a indústria da moda global está tomando. O mundo da moda europeu, apesar de sua rica história, agora se move mais ao ritmo de algoritmos e métricas do que a qualquer impulso criativo genuíno. Lauren permanece como um ponto fixo em um mundo em constante mudança, uma bússola para aqueles que valorizam autenticidade e sofisticação.
Em um momento de volatilidade, a atemporalidade se torna o último luxo, e é isso que a Ralph Lauren oferece: um etos forjado nas ruas do Bronx e polido ao longo de décadas. A aclamação dos fashionistas na cena fashion nova-iorquina na última sexta não foi apenas outro case para a marca, mas uma afirmação audaciosa de sua identidade e uma demonstração do poderio econômico representado também pela conta bancária de seu idealizador, dono de uma fortuna estimada em US$ 8 bilhões (R$ 39,9 bilhões).
Enquanto o “novo” é frequentemente confundido com o “melhor”, seja em um atelier do Marais ou em um escritório em Wall Street, Lauren permanece como uma lembrança de que a verdadeira elegância é eterna, em compasso com os pensamentos de Chanel e Dior. A longevidade do americano na indústria e seu recente retorno à semana de moda de Nova York, com um grand finale igualmente simbólico são lembretes oportunos de que, em tempos modernos em que correr atrás de tendências é uma boa estratégia financeira para se manter em voga, a atemporalidade é um luxo de maior valor. Lauren sabe que a moda pode ser efêmera, mas o negócio do “caipira” do Colorado é cultivar seu estilo único – algo que é perene.