Em tempos de impeachment no Brasil, crise na União Europeia e tentativa de golpe de Estado na Turquia, milhares de manifestantes tomam as ruas no mundo. Os resultados, no entanto, demoram para aparecer e a pergunta que fica é: afinal, protestar funciona?
Por Caroline Mendes para a revista PODER de agosto
Em 4 de julho de 2011, o norte-americano Micah White plantou a semente do que viria a ser um dos maiores protestos de todos os tempos, o Occupy Wall Street (OWS). Usando a conta no Twitter da Adbusters, revista canadense de veia anticapitalista de que era colaborador na época, ele postou a seguinte mensagem: “Queridos americanos, nesse 4 de julho, impera o sonho de insurreição contra as corporações”, em tradução livre. Muitos outros tuítes vieram depois e de curtida em curtida, compartilhamento em compartilhamento, um sentimento de revolta foi se espalhando entre os norte-americanos até que, no dia 17 de setembro, o mundo parou para assistir a centenas de pessoas protestando contra a desigualdade econômica e social no distrito financeiro mais famoso do mundo: Wall Street, em Nova York. Em questão de semanas, o movimento se espalhou para mais de 80 países, levando milhares de manifestantes às ruas.
Pois cinco anos depois do tuíte que deu o pontapé inicial do OWS, o mesmo White voltou a público para dizer – dessa vez de um jeito, digamos, mais tradicional – que não acredita mais em protestos. É esse o mote do livro The End of Protest – A New Playbook for Revolution (Knopf Canada, 2016), ainda sem tradução para o português. Além de traçar um histórico de algumas manifestações mundo afora e de dar pistas do papel dos ativistas no futuro, White enumera algumas prováveis causas do insucesso de movimentos recentes – do Occupy, inclusive. Fazem parte dessa lista: o preparo cada vez maior da polícia para reprimir qualquer tipo de manifestação popular, a desorganização recorrente dos movimentos sociais, que por vezes acabam brigando entre si, enfraquecendo a causa principal (caso, por exemplo, das manifestações contra a corrupção no Brasil, que se perderam em protestos contra e a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff), e, principalmente, a caduquice do modelo que leva milhares de pessoas às ruas empunhando cartazes, gritando palavras de ordem e tumultuando o trânsito. “Atos históricos como a Revolução Francesa resultaram em importantes transformações na sociedade, mas não são mais eficazes justamente por utilizarem técnicas antigas, já desgastadas. No geral, as autoridades já sabem como reagir a eles, e poucos acabam tendo sucesso, como a Primavera Árabe (onda de protestos contra governos totalitaristas do mundo árabe que eclodiu em 2011 e culminou na derrubada dos governantes de Egito, Tunísia, Líbia e Iêmen)”, diz White, que hoje tem Ph.D. em mídia e comunicação pela European Graduate School, na Suíça.
PONTAPÉ INICIAL
Apesar de não concordar totalmente com a ideia de que os protestos não funcionam mais, o norte-americano Jonathan Blake, Ph.D. em ciência política pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, acredita, sim, que eles estão enfraquecidos e, paradoxalmente, aponta a internet como uma das explicações para isso. Paradoxalmente porque um dos reconhecidos méritos da web é justamente o de ter poder não só de divulgar informações instantaneamente, mas também de propagar um sentimento revolucionário. “O problema é que, muitas vezes, as pessoas deixam de sair às ruas já que, ficando em casa com seus laptops, podem assinar petições on-line e escrever textos engajados, o que lhes dá aquela sensação de ‘estou fazendo a minha parte’”, afirma Blake. No Brasil, vale lembrar, panelaços na janela e vomitaços no Facebook conquistaram muita gente. “Toda forma de manifestação é importante porque ajuda a chamar a atenção para a causa em questão. Mas o poder das ações nas ruas e o registro dessas ações é que permanecem”, defende Blake, citando duas famosas fotografias de protestos da história dos Estados Unidos: Flower Power, clicada, em 1967, por Bernie Boston durante uma manifestação contra a Guerra do Vietnã, em que um jovem coloca flores nos canos das armas de policiais; e uma imagem recente, do norte-americano Jonathan Bachman feita em uma das ações do movimento Black Lives Matter, em Baton Rouge, na Louisiana, em que uma mulher negra aparece desarmada em frente a dois policiais brancos.
Outra questão levantada por Jonathan Blake e que tem a anuência de Rafael Alcadipani, Ph.D. em estudos organizacionais pela Universidade de Manchester, no Reino Unido, e professor-adjunto da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, é o papel mais influenciador do que determinante dos protestos. Em certa medida, é ingênuo e até irresponsável acreditar que, sozinhas, as manifestações têm o poder de mudar e até de romper o status quo. “Uma coisa é a pressão das ruas, outra é como as autoridades vão interpretar essa pressão e que mudanças ela vai acarretar. É muito mais uma questão de colocar o elefante na sala do que de tirá-lo de lá”, resume Alcadipani. E é normal o resultado demorar para aparecer. “A comunidade LGBT vem lutando por direitos civis desde os anos 1960; o Occupy Wall Street não surtiu nenhum grande efeito em 2011, mas, neste ano, apoiou a campanha de Bernie Sanders à Presidência dos Estados Unidos; e um dos líderes do Black Lives Matter foi recebido recentemente por Barack Obama na Casa Branca. Ou seja, os protestos ajudam, sim, na transformação da sociedade, mas trata-se de um processo de longo prazo”, afirma Blake.
VIVA A REVOLUÇÃO!
Para além da falência dos protestos, Micah White aponta o fracasso da própria democracia, que, para ele, há muito perdeu a origem ateniense de efetiva participação popular por meio de representantes políticos. “É uma ilusão se agarrar à teoria de que o povo tem voz quando, na prática, ele não tem. O protesto contra a Guerra do Iraque (que, em 2003, levou cerca de 15 milhões às ruas em mais de 600 cidades do mundo) foi considerado o maior da história e a guerra continua”, exemplifica, apontando a saída: “Já que não nos escutam, temos de nos tornar as novas pessoas no poder, fazer revolução”.
Assim como White, o chileno radicado no Brasil Vladimir Safatle, professor livre-docente do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), também acredita que uma verdadeira revolução é necessária e que os protestos que vêm tomando ruas de todo o mundo, apesar de terem agendas diferentes, são, na verdade, uma resposta única ao sufoco imposto pelo neoliberalismo. Safatle defende essa ideia em seu livro recém-lançado “Quando as Ruas Queimam”, que saiu pela n-1 edições. “Por que as ruas estão queimando desde 2008, por que nossas ruas queimando desde 2013 não produziram ainda as transformações que poderiam produzir? (…) Várias são as razões que poderiam ser levantadas, mas talvez seja o caso de se deter diante de uma delas. A saber: porque não temos mais um corpo e não há, nem nunca haverá, política possível sem corpo. Se quisermos voltar a vencer, precisaremos de um corpo”, escreveu Safatle.
O próprio White, aliás, conta que está fazendo sua parte e se candidatou à prefeitura de Nehalem, no Estado do Oregon, onde vive com a família. De veia esquerdista, ele defende o conceito do World Party, movimento social capaz de ganhar eleições em vários países, criar uma agenda unificada e desenvolver um sistema político controlado pelo povo de forma descentralizada, em que a população realmente toma decisões nos locais onde vive. “O mundo nunca quis e precisou tanto de mudanças profundas quanto agora e é desse sentimento que novas formas de protestar e governar vão surgir. Sou otimista!”, finaliza, não sem antes deixar clara sua opinião sobre as eleições presidenciais em curso nos Estados Unidos: “É aquele velho jogo de votar em um para o outro não ganhar. O Donald Trump… Estou preocupado, confesso”. Todos estamos.
ATIVISMO DE SOFÁ
Resultado da junção das palavras “slack” e “activism” (“preguiçoso” e “ativismo”, em tradução livre), “slacktivism” é um termo um tanto quanto pejorativo usado para caracterizar manifestações de internet, feitas principalmente via redes sociais, como curtidas e compartilhamento de textos, fotos e vídeos engajados e assinaturas de petições online. Desde meados dos anos 2000, quando a expressão começou a pipocar em estudos e reportagens, esse tipo de protesto gera, bom, protestos: de um lado, os que acreditam que, ao espalhar um sentimento de engajamento, eles podem, sim, fazer a diferença; e do outro, os que defendem que só servem para aliviar a culpa dos internautas de não estar, de fato, se manifestando nas ruas.