Por Paula Bonelli para a revista PODER de outubro
O promotor de justiça Roberto Porto passou parte da vida dentro de presídios ouvindo criminosos do Primeiro Comando da Capital e da máfia chinesa. Atualmente, comanda a Secretaria de Segurança Urbana da cidade de São Paulo. Conhecido como promotor de justiça de grandes causas, Porto ajudou a desvendar o escândalo da máfia dos fiscais da prefeitura. Essa foi uma das empreitadas em que se envolveu ao longo dos 12 anos em que trabalhou no Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), a tropa de elite do Ministério Público do Estado de São Paulo para combater esses crimes: “É um trabalho que tem um atrativo, um lado empolgante, mas, por outro, requer cautela. E, quando você é muito moço, não toma os devidos cuidados”, diz ele, que, em 2001, sofreu um atentado no trajeto para a academia de ginástica.
Apesar da fala mansa, Porto é fã de atividades que liberam adrenalina. Além das provas de maratona, gosta de pedalar. Hoje, aos 45 anos, foi indicado para o prefeito Fernando Haddad pelo vice-presidente Michel Temer, do PMDB, para a pasta que comanda a Defesa Civil de São Paulo e a Guarda Civil Metropolitana. Assumiu o cargo em meio aos protestos que sacudiram o país. Tenta agora imprimir uma gestão no estilo paz e amor na Guarda Civil Metropolitana – na contramão do que marcou a gestão de Gilberto Kassab e da violência da Polícia Militar, comandada por tucanos, durante os protestos.
Porto se orgulha da nova fase que tenta instituir: “A Guarda esteve presente em todas as manifestações e não tivemos um episódio de abuso de autoridade”. Seus amigos contam que ele é homem de hábitos refinados, gosta de bons restaurantes e que é educadíssimo. O pai, o falecido desembargador Odir Pinto Porto, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, era um grande amigo de Michel Temer. Em conversa com PODER em seu gabinete, Porto fala sobre sua nomeação e os planos para reestruturar a Guarda Civil Metropolitana, entre outros assuntos.
PODER: Por que o senhor foi indicado pelo vice-presidente Michel Temer ao prefeito Haddad para ocupar essa posição?
Roberto Porto: Eles traçaram um perfil, queriam um promotor de justiça. Eu me dou muito bem com a filha dele, Luciana Temer, que conheço há muitos anos. O meu pai conhecia o Temer, foram secretários de Estado em épocas distintas, tinham um bom convívio. Acredito que meu nome tenha surgido a partir daí.
PODER: O que o senhor pretende fazer nessa pasta que os secretários anteriores não fizeram?
RP: A Guarda Civil Metropolitana ficou sem investimento durante muitos anos. Há necessidade de reestruturá-la. Ela foi criada por Jânio Quadros com aquele ideal de guarda comunitária, inspirada na polícia londrina. Tanto que o uniforme de ambas é parecido. E, nesses 27 anos de existência, se distanciou muito desse propósito. Abrimos concurso para 2 mil novos guardas, o que não acontecia há nove anos.
PODER: A que o senhor atribui esse esvaziamento da Guarda?
RP: Acho que são posturas de governo. Esse governo prioriza a atuação da guarda comunitária. No meu terceiro dia de gestão, um guarda na praça Roosevelt deu uma gravata e usou spray de pimenta contra um skatista. Foi expulso da corporação e ficou claro que esse tipo de comportamento não seria tolerado. A Guarda ficou muito tempo cuidando de pirataria em espaços privados, quando sua finalidade constitucional é cuidar de espaços e bens públicos. Hoje não atua mais, por exemplo, em shoppings da (rua) 25 de Março. Só com isso, os índices de corrupção caíram drasticamente.
PODER: Como a Guarda Civil deve agir ao ver um black bloc depredando uma instituição bancária?
RP: Tem de prender por crime de dano, tem obrigação.
A Guarda esteve presente em todas as manifestações e não tivemos um episódio de abuso de autoridade.
PODER: Por que não são detidas pessoas que estão cometendo vandalismo? Não é errado e politiqueiro ficar contemporizando quando há tanta gente sendo prejudicada por grupos pequenos, que estão cada vez menores?
RP: Na época das manifestações, tivemos alguns embates em frente à prefeitura com destruição do patrimônio público, uma situação absurda. Aquelas pessoas foram identificadas, mas não foram presas naquele momento por uma questão estratégica, porque a tensão ia ser maior, mas estão sendo processadas. No dia 7 de setembro, em São Paulo, tentaram invadir a inspetoria de polícia, depredaram quatro viaturas e tivemos duas pessoas presas pela Guarda.
PODER: Por que é tão difícil para o governo investir na desmilitarização da polícia?
RP: A militarização da polícia é uma tendência que veio ao longo dos anos, que não acompanhou a modernidade. Passou despercebida e hoje nós estamos nessa situação, mas isso é uma coisa que o prefeito detectou com muita clareza. Desde a minha primeira conversa com ele, Haddad falou que a Guarda tem de ser comunitária, com um perfil de proximidade com a população.
PODER: Como explicar o acidente que aconteceu no fim de agosto em São Mateus, bairro da zona leste de São Paulo, em que um prédio desabou matando oito pessoas? O senhor está satisfeito com a atuação da Defesa Civil da cidade?
RP: A Defesa Civil faz prevenção e emergência. No aspecto da emergência, que foi o que ocorreu em São Mateus, ela não tinha sido acionada até então.
PODER: Para que a Defesa Civil fizesse essa prevenção, ela precisaria ser acionada?
RP: Em caso de obras, sim. No aspecto de emergências, acho que ela atingiu uma eficiência muito boa. Mas ainda é muito falha no aspecto preventivo porque para ter prevenção é preciso haver estrurutra. Estamos tentando resolver isso também, o que não se faz em oito meses. Reestruturar a Defesa Cvil requer investimento.
PODER: O senhor acha aceitável o governo fazer acordo com o crime para garantir o equilíbrio da segurança, como se especulou em relação ao toque de recolher de 2006, depois que o Primeiro Comando da Capital incendiou ônibus e atacou postos policiais?
RP: Não, em hipótese alguma se pode fazer acordo com bandidos. O Estado tem obrigação de dar uma resposta. No Ministério Público, por exemplo, há meios legais de fazer isso como, por exemplo, a delação premiada. Mas não se pode ir além do que a Justiça permite.
PODER: Acredita que esses boatos podem ter sidos verdadeiros?
RP: Acho que não, até pelo tempo de resposta. O Estado demorou de dois a três dias para esboçar uma reação e tomar conta da situação. Não há como qualquer facção criminosa medir força com a polícia e o Estado. Ela sempre vai perder porque o aparato policial do estado é muito maior do que de qualquer facção criminosa. Acredito que se houvesse acordo, a resposta teria sido imediata e não foi o que aconteceu.
PODER: No Brasil, a impressão é que são presos mais usuários do que traficantes de drogas. Por que isso acontece?
RP: A lei mudou e as autoridades têm de se adaptar a essas mudanças. Hoje, não se pode mais prender um usuário em flagrante, mas deve-se coibir cada vez mais os traficantes. Os índices de homicídio têm caído, mas os de tráfico têm subido gradativamente e agora se estabilizaram em um grau alto no país como um todo. Mas não se pode entrar na Cracolândia ou na praça da Sé, em São Paulo, que concentram grande número de usuários, e achar que a questão vai ser resolvida só com a polícia e a Guarda. É preciso olhar para essa situação com políticas de saúde e de assistência social.
PODER: Não há conflito de interesses na sua presença aqui, uma vez que a Secretaria de Segurança Urbana pode ser investigada pelo Ministério Público?
RP: Pode e vem sendo investigada. Todas as secretarias são fiscalizadas pelo Ministério Público. Há um controle muito grande que o MP exerce sobre o Executivo como um todo. Sou testemunha disso aqui.
PODER: Não acha que há conflito de interesses para o Ministério Público?
RP: Sempre fui a favor dos afastamentos, dependendo do cargo que a pessoa vai exercer, porque o Ministério Público como instituição depende disso para sobreviver. Há questões no Legislativo que demandam a presença de representantes do Ministério Público. Isso é natural do processo democrático.
PODER: O que acha das críticas de que há muitos promotores que abrem investigação com base no que sai na mídia, em busca de projeção? Isso realmente acontece?
RP: Há mecanismos para punir isso. Muitas vezes são argumentos de investigados. O importante é que se divulgue só aquilo que já foi feito. Aí, sou a favor desse tipo de crítica. Quando o promotor divulga aquilo que ele vai fazer, ele está sujeito a críticas com fundamento. Hoje, com o Conselho Nacional do Ministério Público, o controle é grande.
PODER: Caso o PT ganhe o governo do Estado, dizem que é meio caminho para o senhor se tornar secretário de Segurança Pública. Isso procede?
RP: Isso nem passa pela minha cabeça. Tenho muita admiração pelo secretário (de Segurança Pública do Estado) Fernando Grella Vieira e estou feliz onde estou. Depois que cumprir minha missão aqui, o caminho natural é a volta ao meu cargo de promotor de justiça.