Quinze anos depois de ser acusado de jogar a professora Estela Pacheco da sacada de seu apartamento, em Londrina, o pecuarista Mauro Janene ainda não foi julgado
Por Paulo Sampaio e Danilo Marconi ( de Londrina ) para a Revista J.P de novembro
No mês passado, o movimento Justiça para Estela promoveu uma manifestação para registrar os 15 anos de uma tragédia que escandalizou Londrina, no Paraná, e jamais foi esclarecida. Em 14 de outubro de 2000, a professora Maria Estela Correa Pacheco, 35 anos, caiu do 12º andar do edifício Diplomata, o mais sofisticado da cidade (a 390 km de Curitiba), depois de uma noitada com o agropecuarista Mauro Janene Costa, 34. Ex-namorado dela, Janene foi acusado de esganá-la até a morte e jogá-la da sacada. De família rica, ele é neto de Abdelkarim Janene, considerado no passado um dos maiores pecuaristas do estado, e sobrinho de Jamil Janene, ex-presidente da Sociedade Rural do Paraná (SRP). O ex-deputado José Janene (PP-PR), apontado como pivô dos escândalos do mensalão e do petrolão, era seu primo. Nesses 15 anos, o agropecuarista ficou preso por cinco dias. Seu julgamento foi adiado cinco vezes – o último seria em dezembro de 2014.
O relacionamento de Janene e Estela durou pouco. Eles já não namoravam mais na madrugada do dia 14, um sábado, quando foram vistos juntos no bar Valentino, um dos mais antigos de Londrina. Conhecido na época pela frequência de roqueiros e drogaditos, o Valentino saiu do underground e agora é uma balada cult. Do bar, os dois foram para o apartamento de 175 metros quadrados onde o agropecuarista morava com a mãe. Não se sabe exatamente o que aconteceu entre o momento em que eles chegaram e a queda de Estela. O corpo dela foi encontrado por volta de 5h30 no jardim do prédio. De acordo com a versão de Janene, a professora ameaçou pular da sacada, e ele tentou segurá-la, mas não houve tempo. O agropecuarista negou que houvesse usado droga naquele dia, embora a polícia tenha encontrado cigarros de maconha no apartamento. Estela foi enterrada sem que se fizesse o laudo da causa mortis, nem se abrisse um inquérito: “Trataram a morte de minha mãe como suicídio, até porque era uma fala do advogado de defesa”, diz a advogada e jornalista Laila Pacheco Menechino, 29, única filha de Estela e criadora do movimento que pede justiça no processo. Laila tinha apenas 14 anos quando tudo aconteceu, e não estava em Londrina. Era a semana do saco cheio na escola, e ela passava alguns dias na casa de parentes em Adamantina, interior de São Paulo. “Minha tia me chamou e disse que precisávamos voltar para Londrina. Entendi na hora que alguma coisa ruim havia acontecido.”
Terceira filha de um casal de comerciantes, Estela nasceu em São Paulo e migrou com a família para o Paraná em 1978. Bonita, atraente, articulada, a professora chegou a trabalhar como modelo, enquanto fazia faculdade de jornalismo e de pedagogia. Também cursou música e dava aulas de piano, inclusive para crianças portadoras de deficiências físicas e mentais. Durante três anos foi educadora musical da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae). Alegre e festeira, ela era definida por quem a conhecia bem como “muito responsável” e “leal aos amigos”. Estela teve Laila aos 19 anos, pouco depois de se casar com o jornalista Walter Téle Menechino, que atualmente é editor-chefe do Diário de Maringá, o jornal mais antigo da cidade a 420 km de Curitiba. Segundo Laila, foi seu pai que fez o reconhecimento do corpo de Estela no Instituto Médico Legal (IML). “Eles pensavam que era uma prostituta”, conta ela. Depois de Téle, Estela teve um relacionamento de seis anos com o técnico em eletrônica Everaldo Lepri. Então, veio um período difícil de perdas familiares. Seu irmão morreu de câncer, deixando quatro filhos, e em seguida seu pai adoeceu. A saúde financeira da família baqueou junto. Sem ter como se sustentar, Estela precisou entregar a filha a Téle e sucumbiu a uma depressão profunda. Na ocasião, conheceu Janene. Considerado bon vivant por alguns, ele a teria arrastado para o abismo no momento em que ela estava mais vulnerável. O incidente foi o desfecho infeliz de um relacionamento bastante conturbado.
DESENCONTROS
Desde o início, as autoridades encarregadas de esclarecer o caso se envolveram em uma série de desencontros que atravancaram muito as investigações. Em 50 dias, o inquérito teve três delegados responsáveis. Waldete Testoni alegou excesso de serviço e disse que só pretendia ouvir Janene depois da conclusão do laudo do IML. Afastada do posto, foi substituída por Eduardo Carulla, que logo em seguida entrou em férias. Jurandir Gonçalves André assumiu no lugar de Carulla. O depoimento do agropecuarista só ocorreu 35 dias depois da queda de Estela. A essa altura, o Instituto de Criminalística já havia concluído a necropsia no corpo exumado dela. Descobriu marcas em seu pescoço que indicavam que Estela havia sido morta por esganadura e depois jogada do 12º andar. A versão de suicídio, segundo os peritos, estava fora de cogitação. “Há muitas hipóteses que não podem ser descartadas. A única certeza é que a vítima morreu antes da queda”, atestou o médico legista Rogério Luiz Eisele. Depois de expor sua conclusão, Eisele mudou-se repentinamente para Portugal. Janene foi preso, mas o liberaram em cinco dias. O juiz João Luiz Cléve Machado, da 1ª Vara Criminal de Londrina, negou o pedido da promotoria de mantê-lo em prisão preventiva. Mais tarde, Machado chegou a ser colocado em suspeição por ter relações com parentes do réu. Por sua vez, o porteiro do edifício Diplomata, apontado pelo Ministério Público como testemunha-chave, desapareceu.
Mesmo assim, e por tudo isso, Mauro Janene Costa foi processado por homicídio simples, fraude processual e porte de entorpecentes. Para defendê-lo, contratou o advogado Mauro Viotto, considerado o melhor criminalista de Londrina. A mãe do réu, Leila Janene, chegou a dizer a uma amiga que perdeu “duas fazendas” para ajudar na defesa dele. Viotto, que morreu em abril deste ano, articulou as manobras processuais mais mirabolantes para protelar o julgamento. Nove anos depois do incidente, ele ainda tentava anular a pronúncia. Ingressou no Tribunal de Justiça com um recurso em sentido estrito (RESE), julgado improcedente pelo desembargador Jonny de Jesus Campos Marques. Quatro meses mais tarde, em 24 de junho de 2010, Viotto interpôs um recurso especial, também negado. Na sequência, apresentou um agravo. Negado. Paralelamente, fez apelações meramente protelatórias, como a tentativa de reiterar a tese de que Estela estaria viva no momento da queda.
TRÊS JÚRIS EM UM ANO
Em 2011, foram marcados três júris. O primeiro para 11 de maio, exatamente dez anos, cinco meses e três dias depois da morte de Estela Pacheco. O juiz concordou em adiá-lo, já que Viotto apresentou um atestado médico alegando que estava com problemas de saúde. O segundo ocorreria em 26 de maio do mesmo ano, mas a defesa argumentou que uma das testemunhas não poderia comparecer, e, além disso, Viotto tinha outra audiência marcada na mesma data. No terceiro, em 17 de agosto, o criminalista entrou com um recurso especial. O quarto julgamento seria em 8 de abril de 2014 – mas uma das testemunhas de defesa, o legista Rogério Luiz Eisele, que assinou o laudo de Estela, não pôde ser arrolada. Eisele já tinha se mudado para Portugal.
Em 4 de dezembro de 2014, o julgamento foi marcado pela quinta vez. E adiado de novo. Agora, a defesa apontou um erro na condução do processo. Alegou que o desembargador Campos Marques participou duas vezes em decisões referentes ao caso, o que seria irregular. Primeiro, quando estava no Tribunal de Justiça (TJ), Campos Marques emitiu um parecer a respeito de um recurso; depois, já no Superior Tribunal de Justiça (STJ), apreciou um agravo regimental. O ministro Marco Aurélio Mello concedeu a liminar, e a juíza Elizabeth Kather precisou suspender o julgamento antes mesmo de começar os trabalhos. Além de alegar os problemas no processo, Viotto dessa vez apresentou dois atestados médicos informando que estava sob tratamento intensivo, em função de graves problemas na visão por complicações decorrentes da diabetes. A juíza informou que, se não fosse a liminar, um defensor público poderia ser nomeado para o caso. “Agora, não é possível nem mesmo estimar uma data para retomar o julgamento”, disse Elizabeth à época.
Aos prantos, à saída do fórum, Laila e sua tia se amparavam: “O Brasil está sem Justiça, sem direito, em uma crise moral, institucional e de valores. Mais uma vez, a gente sai daqui sem saber o que aconteceu com minha irmã e o que vai ser feito a respeito”, desabafou Maria Elisa Pacheco. Em 17 de dezembro, a subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio Marques deu um parecer pelo não reconhecimento do habeas corpus. “O longo lapso transcorrido desde a data do crime favorece a defesa não só pela perspectiva de prescrição do crime, mas, também, porque o passar do tempo faz com que o fato pareça no imaginário das pessoas menos grave do que na verdade foi”, escreveu ela. O processo permanece estagnado. O promotor que estava à frente do caso, Ronaldo Braga, foi transferido para Rolândia, na região metropolitana de Londrina. Rodney André Cassel, que assumiu o lugar de Braga, estava de licença até o inicio de novembro. Janene casou-se, tem uma enteada, e cuida das fazendas da família. No escritório de Mauro Viotto, informam que ainda não designaram o profissional que o substituirá. Ele tem até 2022 para conseguir a prescrição. Pelo andar da carruagem, tá no papo.