Primeiro-ministro canadense Justin Trudeau é modelo de gestão e imagem

Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá|| Créditos: Getty Images

Jovem, boa-pinta, cool, com 50% de mulheres no primeiro escalão de seu gabinete e disposto a legalizar a maconha, o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau é a liderança mundial que o planeta pediu a Deus nos tempos sombrios de Donald Trump. Pena o Canadá depender economicamente do vizinho do sul

Por Paulo Vieira para a revista PODER de março

Não aparentar os 45 anos que tem, ser bonitão, cool, mostrar o torso em lutas beneficentes de boxe, dizer-se feminista, recepcionar com casacos novos refugiados sírios num aeroporto, usar um suéter rosa sobre o terno no gabinete durante o Pink Shirt Day, data criada para frear o bullying em seu país, não são as únicas marcas de distinção de Justin Trudeau, o primeiro-ministro canadense. Em tempos de consenso de Washington redivivo e políticas de austeridade sempre à espreita, Trudeau, que tomou posse em 2015 após seu partido, o Liberal, fazer uma confortável maioria no Parlamento, anunciou uma espécie de PAC canadense, em que US$ 46 bilhões devem irrigar 860 projetos de infraestrutura pelo país em dez anos. À custa, horror dos horrores, de déficit fiscal.

Com um gabinete em que pelo menos 50% do primeiro escalão é de mulheres e tendo prometido legalizar a maconha, Trudeau parece ser uma liderança desenhada em Porto Alegre, em alguma edição do Fórum Social Mundial. “Fizemos a escolha de um modelo econômico que funcione para todos, não apenas para os 1% mais ricos”, disse à revista “The Economist”. Não bastasse, seu ministro da imigração, dos refugiados e da cidadania é um ex-refugiado somali que cresceu no Canadá e quando Donald Trump, que parece ser seu polo magnético oposto em comportamento e correção política, anunciou suas primeiras e duras medidas anti-imigração, o primeiro-ministro tuitou que o Canadá daria as boas-vindas “aos que fogem da perseguição, terror e guerra”, ­ algo, aliás, esperado para um político que condena a islamofobia e já encostou a testa no chão numa mesquita.

Filho de Pierre Trudeau, premiê canadense por uma década e meia, Justin surgiu politicamente aos 29 anos, no exato momento em que o pai desapareceu, em 2000, vítima de câncer. As citações que escolheu para a eulogia, a oração fúnebre em homenagem ao pai, evocavam a peça “Júlio César”, de Shakespeare, e também Robert Frost, poeta maior do cânone lírico norte-americano. Mesmo tão jovem, em sua boca as referências eruditas não destoavam. Mais, dizer na oração fúnebre que seus irmãos e ele, em função do pai que tiveram, “eram as crianças mais sortudas do mundo sem terem feito nada para merecê-lo”, calou fundo na audiência. Curiosamente, em diversos sites na internet, pessoas se divertem com outra hipótese: a de que Justin seria filho, na verdade, do ex-líder cubano Fidel Castro.

Trudeau só se tornaria membro do Parlamento em 2008 – havia os tempos de professor de literatura para viver. A liderança de seu partido viria cinco anos depois, com incontestáveis 80% dos votos dos liberais.

MUNDO BIZARRO

Embora seja muito tentador ver Trudeau como um antiTrump, como se um vivesse na Terra e outro no Mundo Bizarro, o primeiro não pode nem sonhar em falar grosso com o vizinho do sul: o Canadá destina 77% de suas exportações para os Estados Unidos. Em 13 de fevereiro, no encontro que os líderes tiveram na Casa Branca, Trudeau foi criticado por não se posicionar com firmeza contra o polêmico decreto que impedia a entrada de naturais de sete países de maioria muçulmana nos Estados Unidos. Sua resposta foi altiva: “A última coisa que os canadenses esperam é que eu ensine outro país como ele deve ser governado”.

As frases do premiê podem ser bem escolhidas, mas a dependência econômica do Canadá em relação aos Estados Unidos, além da pequena projeção geopolítica do país (com um PIB menor que o brasileiro, o slogan “make Canada great again” seria algo nonsense), dificultam muito a ascensão de Trudeau como uma liderança nestes anos pós-Obama. De qualquer forma, ele já andou algumas casas nesse sentido. “Trudeau é o macho desconstruído, o homem feminista, o contrário exato de Trump. Com ele, o Canadá deixa o alinhamento quase canino com os Estados Unidos, marca dos quase dez anos de seu antecessor, o premiê Stephen Harper”, disse a PODER Mário Aquino Alves, professor da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, que  teve parte de sua carreira acadêmica vivida no Canadá.

A preocupação com os direitos indígenas e uma nova discussão sobre a reforma eleitoral podem servir apenas para consumo interno – ou como boa tática diversionista caso as coisas não saiam do jeito que se espera no front econômico. Uma bolha imobiliária semelhante à que fez a casa cair em 2008 nos Estados Unidos ameaça hoje o Canadá. No “PAC” de Trudeau há medidas para combater o déficit habitacional e assim tentar esvaziá-lo.

De toda forma, há que se lembrar que a realpolitik raramente coincide com as plataformas mais humanistas. Trudeau  se encantou com a marcha das mulheres no dia seguinte à posse de Trump e, no Twitter, chamou as canadenses que participaram do ato de “inspiradoras”; não havia, contudo, como o site “Huffington Post” assinalou, ninguém de seu gabinete lá. Causou bem mais comoção um ato assinado na virada do ano. Mesmo insistindo que irá implementar uma economia de baixa emissão de carbono, o premiê aprovou a extensão de 980 quilômetros de um oleoduto entre Edmonton, no Estado de Alberta, e a região de Vancouver. No caminho há as Montanhas Rochosas e comunidades indígenas, a quem o premiê prometeu proteger.

A grita tem sido grande entre ambientalistas, indígenas e lideranças da região de Vancouver. Esses e muitos outros esperam que à bela viola corresponda algo que tenha muito mais substância do que o pão do ditado.

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