O Windows é janela virada na Microsoft, que agora concentra muitas de suas fichas na computação em nuvem para ajudar a aumentar a produtividade de corporações de todos os tipos e tamanhos. Paula Bellizia, a primeira mulher a comandar a Microsoft no Brasil, enfrenta os desafios dos novos tempos tendo como mentoras duas funcionárias com metade de sua idade
Por Paulo Vieira para a revista Poder de março
Atingir o topo da carreira executiva aos 40 anos não é novidade nos dias de hoje, mas fazer mentoria reversa, com duas meninas de 20 e poucos anos, é algo pouco comum no mundo corporativo. Pois Paula Bellizia, “general manager”, a principal executiva da Microsoft no Brasil, hoje com 46 anos, conta exatamente com essas garotas em seu “primeiro ciclo de profissão” para ajudá-la a tocar os rumos da empresa por aqui – e, com isso, entender como os jovens lidam com comunicação, empoderamento e uso de vídeos, por exemplo. “A gestão não pode mais ser pesada. Eu quero que as pessoas olhem para a Microsoft e para as empresas A, B e C e decidam estar aqui”, disse a PODER numa sala de reunião da companhia no Brooklin, em São Paulo.
Em sintonia com os novos tempos, Paula não tem sala própria – como, aliás, nenhum de seus 943 comandados. Terceira maior empresa em valor de mercado do mundo – US$ 437 bilhões em 2016, segundo estudo da consultoria PwC –, a Microsoft obriga seus gestores a pensar muito grande. Geri-la significa não apenas incrementar os resultados daquilo que vai para o bolso dos acionistas, mas melhorar a vida de quem de alguma forma é influenciado pelos atos da companhia, os chamados stakeholders. E a companhia vive um momento, como diz Paula, em que “coisas icônicas” acontecem. A Microsoft é mais uma a trocar o modelo de venda de produtos pelo de serviços – que só são possíveis à custa de muito poder computacional. Sai a e faculdades de tecnologia (Fatec) do estado de São Paulo, entre outros projetos. No ranking de filiais da Microsoft, o Brasil ainda se destaca por contar com o Centro de Transparência de Brasília, inaugurado no fim de 2016. Ele permite que órgãos governamentais acessem e fiscalizem o código-fonte dos produtos Microsoft. É um dos quatro centros de transparência do mundo, e mostra, segundo Paula, a importância que o Brasil tem na estratégia global da empresa. Além disso, a subsidiária faz investimentos para fomentar o empreendedorismo, num patamar, segundo ela, que poucas geografias alcançam.
De qualquer forma, a ênfase na nuvem é crítica e ficou claríssima com a ascensão do indiano Satya Nadella, executivo vindo exatamente dessa divisão, a CEO da empresa em 2015. Mas há diversas outras “coisas icônicas” em progresso. Como o desenvolvimento da inteligência artificial e a abertura dos códigos de programação para programadores sem vínculo com a Microsoft, algo impensável há poucos anos.
COOL FOREVER
Ao assumir em 2015, tornando-se então a primeira mulher a dirigir a Microsoft brasileira, Paula disse que gostaria que as pessoas vissem a empresa como “cool” de novo. É algo que, a princípio, só um mago, um David Copperfield do branding, poderia resolver, dada a imagem de intransigência que a empresa granjeou ao longo dos anos ao defender o próprio sistema operacional, o Windows, criando todas as dificuldades possíveis e imagináveis para que ele fosse rodado ou sequer “conversasse” com outras plataformas. Hoje, algo que parecia um delírio há um par de anos acontece: ter um de seus executivos subindo ao palco de um dos grandes eventos da
Apple, em São Francisco, para falar das maravilhas do Office para iPad. Desenvolvedores agora têm acesso ao API, o código de instruções de programação do Windows. Assim, podem adaptar aplicativos do iOS (o sistema operacional da Apple) para a plataforma da Microsoft. Mesmo com tudo isso, não é e nem será pequeno o esforço para que a empresa deixe de ser
lembrada pelas falhas de seu sistema operacional, os “bugs” – a antologia de piadas sobre o tema é copiosa – ou pelas apresentações bizarras de seus executivos. Vai ser difícil esquecer o ex-CEO Steve Ballmer repetindo aos berros a palavra “desenvolvedores” como se estivesse no meio de um haka maori. Para Donald Freinberg, vice-presidente da consultoria especializada no setor de tecnologia Gartner, “a Microsoft precisava mesmo de um lift de rosto e a empresa o teve com Satya, que é responsável por tornar o Azure a segunda mais comercializada plataforma de nuvem do mercado”, disse a PODER. “Eles se posicionarem bem na transição para os negócios digitais e serviços em nuvem. Mas Microsoft cool???”, brincou.
Os tempos de fato são outros, e o investimento da empresa em inteligência artificial – um tema no limite entre o “geek” e o “cool” –, por exemplo, mostra que o futuro é um dos jogos mais jogados do presente pelas empresas de tecnologia, Microsoft entre elas. Com notebook, tablet, smartphone e console de games próprios, seria muito natural que a Microsoft tivesse, por exemplo, seu próprio assistente virtual de reconhecimento de voz. E a “Siri” do Windows 10, o mais recente e último sistema operacional da casa, é a Cortana, que identifica a voz previamente gravada do usuário. Se com a Cortana as coisas parecem caminhar como o planejado, 145 milhões de usuários em dois anos de produto, o mesmo não se pode dizer da Tay, outro personagem feminino construído com inteligência artificial, que teve vida efêmera há um ano. Tay era um bot, ente controlado por computador cujo vocabulário e raciocínio seriam construídos por meio de interações com usuários do Twitter de 18 a 24 anos. Mas ser cool com os millennials não é tão simples e eles se aproveitaram da, digamos, mente em branco de Tay para fazer dela algo bem sombrio. O que aprendeu com os social media foi demonstrado sobejamente numa série de tuites racistas, sexistas e odiosos. A ideia, segundo a Microsoft, era “internalizar as idiossincrasias verbais dos jovens tuiteiros e devolvê-las de forma charmosa”. Virou isto: “Eu odeio as feministas, todas deveriam morrer e arder no fogo do inferno” e “Hitler é que estava certo. Eu odeio os judeus.”
“Aprender coisas faz parte da nossa cultura”, disse Paula, respondendo sobre os percalços do projeto. Se xenofobia e preconceito não condizem com o código de conduta da Microsoft, seria preciso considerar, segundo a executiva, que a “experiência tecnológica” que fez nascer Tay foi bem-sucedida.
ÓTIMA FILHA
O provérbio é surradíssimo, mas se o bom filho à casa torna, Paula é a ótima filha que foi dar um rolê, não se animou muito com o que viu lá fora e decidiu voltar. Depois de longos dez anos e três meses na Microsoft, tornou-se executiva do Facebook e, apenas seis meses depois, country manager da Apple. Foram dois anos na rival até receber o convite para voltar (por cima) à empresa fundada por Bill Gates. Aqui, tem cuidado com afinco para que os próprios funcionários não enxerguem, como ela, gramas mais verdes na vizinhança. Para isso, seu mote é o “growth mindset” – conceito importado da psicologia pelo mundo corporativo que pode ser traduzido por “cabeça aberta”. “O traje da Microsoft é o growth mindset. Para trabalhar aqui é preciso querer aprender todos os dias, reavaliar como se fazem as coisas”, explica ela. O que a executiva menos procura em sua equipe é alguém bancando o sabe-tudo – “um pensamento limitador”, segundo a executiva.
Outra coisa que Paula, uma angolana filha de portugueses que chegou a Santos aos 3 anos, busca na Microsoft é espelhar a diversidade brasileira – racial,
étnica e também no que diz respeito à deficiência física.Não só talvez chegar a ter 51% de mulheres e 26% de afrodescendentes no quadro de funcionários, mas 23% com algum tipo de deficiência (miopia também conta, a julgar pelos critérios do censo de 2010 do IBGE que definiram esses percentuais). Paula não se vê como uma liderança distante, ao contrário: “Me relaciono com pessoas da organização inteira, promovo happy hours uma vez por mês com cerveja na mão, convido gente com quem tenho poucas chances de interagir para conversar”, diz. “A liderança tem de ser visível. Não me considero chefe, mas alguém que lidera a operação, que é parceira, que faz parte do time.”
Um velho slogan da Microsoft é “seu potencial, nossa paixão”. Talvez tenha sido o que melhor representou a missão da empresa de desenvolver e ofertar tecnologia para promover a produtividade, seja ela pessoal ou corporativa. E se, como diz Paula, “o único recurso escasso para todos é tempo”, é preciso sempre tentar fazer mais com menos. Só vende produtividade quem é igualmente produtivo. Ter a gestão mais azeitada possível, assim, não é menos do que um imperativo.