O psicoterapeuta Flávio Gikovate, autor de mais de 30 livros, recebeu o Glamurama em seu consultório para falar sobre o seu mais recente trabalho, o livro “Mudar – Caminhos para a transformação verdadeira”. Gikovate explicou por que o processo da mudança é sempre tão difícil e ainda falou sobre o medo da felicidade. Vale lembrar que o médico vai dar uma palestra nesta segunda-feira, às 19h, seguida de sessão de autógrafos, no auditório da Livraria Martins Fontes, que fica na av. Paulista, 509. Confira a entrevista!
GLAMURAMA: Quais são os primeiros passos para quem quer mudar?
FLÁVIO GIKOVATE: Primeiro você precisa se conscientizar de que quer mudar, como quer e para onde quer mudar. Depois você precisa criar a consciência, o que corresponde ao fortalecimento da razão. Ao fazer esse projeto de mudança, a pessoa já entrou no clima de mudança. Depois encontrar um projeto concreto indo da mudanças mais simples para as mais complicadas. É degrau por degrau. Precisa ainda saber que a curto prazo você vai ter perdas. Para emagrecer, por exemplo, vai ter que por um tempo ter uma alimentação frustrante, de acordo com o seu paladar atual, até mudar seus hábitos alimentares e ter outra relação com a comida. Mas em troca, no futuro você vai se olhar no espelho e ter uma gratificação, o que vai compensar isso. Segundo, você não deve se meter em uma dieta rigorosa, senão você vai abandonar e não vai dar certo. Precisa mudar o hábito alimentar, fazer exercícios, ou seja, uma mudança de vida pra sempre. Não somente uma dieta. Eu detesto a palavra dieta, porque é temporário. Se a pessoa conseguir chegar ao peso ideal, ela vai voltar a engordar depois que acabar a dieta. Com uma mudança de hábitos, pode ser que demore dois anos para emagrecer, mas você nunca mais vai engordar de novo. São projetos trabalhosos, às vezes precisa de análise, terapia.
GLAMURAMA: Por que é sempre tão difícil mudar, mesmo quando a gente sabe que está fazendo errado?
FLÁVIO GIKOVATE: Esse é um dos grandes temas da psicologia. As hipóteses psicanalíticas, que por muitas décadas reinaram, se baseiam na existência de certas estruturas inconscientes, que seriam as verdadeiras travas. São as experiências infantis, traumáticas, as culpas. Se você conseguir se familiarizar com todo esse conteúdo inconsciente, teoricamente você conseguirá uma força para ganhar processo de mudança. Isso é verdade em alguns casos. Mas não é universal, pelo menos do meu ponto de vista. Porque existem outros processos que são mais simples e quer geram dificuldades muito grandes, como por exemplo, as fobias. Avião por exemplo. Você pode entender todas as razões que o levam a ter medo, mas continua tendo medo. Precisa pensar na ação, enfrentar a dificuldade. Essa é outra linhagem, que se chama “teorias cognitivas comportamentais”. Não são só traumas inconscientes. Eu nem acredito mais em inconsciente, porque de tanto se falar no inconsciente, todo mundo sabe, na consciência, da presença desses elementos. Já não basta conhecer os mecanismos, é necessário fortalecer a razão para ela conseguir a ação. Agir. É preciso que a própria pessoa tenha força, queria muito, saiba exatamente para onde quer ir, que não seja blá-blá-blá. É trabalhoso, precisa de maturidade, disciplina, coragem, saber suportar fracassos e ir em frente. Mudar é pra gente grande.
GLAMURAMA: Você fala no livro sobre o medo da felicidade. Que toda vez que estamos conquistando alguma coisa, ficamos com medo e voltamos atrás…
FLÁVIO GIKOVATE: É. Lidar com isso é a última etapa para a mudança. Sempre que a gente está chegando perto dos bons resultados, parece que vem alguma coisa que trava . Esse obstáculo é o medo da felicidade. Ele é provavelmente um reflexo condicional, em função do trauma do nascimento. O indivíduo tá no útero, tudo bem, depois nasce, “bum”! Vem um registro no cérebro: o “tudo bem” fica associado ao “bum!” Então, cada vez que você está chegando no “tudo bem”, dá a sensação de que vai vir outro “big bang” e te derrubar.
GLAMURAMA: Mas então não é verdade que depois de uma coisa boa vai vir algo ruim?
FLÁVIO GIKOVATE: Não, é mentira. Mas é assim que a gente sente. Antes que fique tão bom, a gente, sozinho se sabota. Então toda a tendência destrutiva vem daí, a gente mesmo estraga. Quando a gente compra um carro novo, a maior chance de você bater numa pilastra é nos primeiros 60 dias. E não é porque você não está acostumado, é porque você está tão feliz coma aquilo ali, que se sabota.
GLAMURAMA: Como ser feliz plenamente?
FLÁVIO GIKOVATE: Sem o medo isso não existe, então é preciso administrar, saber que ele existe e aprender a controlar. Porque a felicidade assusta, mas não mata. E sempre que acontecer uma coisa boa, tomar cuidado. Porque a tendência para fazer bobagem vai ser muito grande. E a bobagem que a gente mesmo faz, não é a inveja dos outros, é a gente mesmo que se atrapalha.
Por Denise Meira do Amaral