PODER revela como Artur Grynbaum faz do Grupo Boticário uma potência do mercado mundial de beleza

Artur Grynbaum || Créditos: Roberto Setton

Histórias de empresas que alcançaram o sucesso em meio a trajetórias rocambolescas são comuns. Algumas delas incluem lances improváveis, daqueles que um bom ficcionista cortaria na edição final de seu livro por considerar inverossímeis. O Grupo Boticário, potência do setor de beleza do Brasil, surgido como farmácia de manipulação em Curitiba, tem dois lances desses: a compra de um arsenal gigantesco de frascos e vidros de Silvio Santos, numa quantidade e num preço incompatíveis com o tamanho e com o faturamento da companhia nascente, e a relação harmoniosa entre Miguel Krigsner, fundador do grupo e hoje presidente de seu conselho administrativo, e Artur Grynbaum, que o sucedeu como CEO. Krigsner e Grynbaum são cunhados. “Nossa relação desafia a lei da física”, disse brincando o CEO a PODER numa das sedes da empresa, em São Paulo.

Há um repertório imenso de piadas de salão de cunhado – quase todas envolvendo comportamento indolente e pedidos reiterados de empréstimo. Ary Toledo pode fazer um set inteiro com o tema. Mas o cunhadismo também é tema acadêmico, conceito estabelecido na antropologia como mecanismo formador da população brasileira (veja box “Cunhadismo”). No Boticário, a relação entre cunhados mostrou-se, para dizer o mínimo, edificante. Foi a partir da chegada de Grynbaum às posições de comando que a companhia apontou para o sucesso. A unidade de negócios, então única, multiplicou-se em muitas outras. Os canais de venda, basicamente as lojas físicas franqueadas, também se abriram. Vieram as aquisições de marcas e de concorrentes já estabelecidos e maior presença internacional. Agora o Grupo Boticário, que faturou R$ 12,3 bilhões em 2017, aumento de receita de 7,5% em relação ao período anterior, tem diversas frentes de operação, muito diferentes entre si. Há O Boticário, onde tudo começou, de perfumes, cosméticos e outros produtos de beleza de fabricação própria, comercializados principalmente por lojas franqueadas; Eudora, linha completa de beleza focada em venda direta; quem disse, berenice?, maquiagem e outros produtos de beleza voltados para um público mais jovem, com lojas exclusivas; The Beauty Box, um comércio de mais de 100 marcas, muitas delas estrangeiras como Dior, Chanel, Lancôme e Shiseido; Multi B, que também distribui marcas de terceiros, como Australian Gold, famosa pelo filtro solar. A corporação também consolidou a aquisição, no primeiro semestre deste ano, da brasileira Vult, empresa de produtos de beleza – maquiagem, especialmente – criada em 2004 e relevante em mercados em que o grupo tinha dificuldade de penetrar, como o Nordeste.

Grynbaum entrou na empresa como assistente financeiro, aos 17 anos, antes mesmo de ingressar na faculdade de administração – a FAE, de Curitiba. Como tantos outros executivos, ele acredita que a base acadêmica é crítica na formação de um CEO, mas a vivência nos diversos setores da empresa é, no fim, a prova dos 9. E vivência ele teve à farta, pois liderou diversos setores da empresa, como o financeiro e o comercial. “Visitei muito a operação, gastei sola de sapato em congressos, viajei pelo mundo para ver as tendências internacionais”, disse na entrevista a PODER. Ele aponta como crucial na história da companhia a grande virada que promoveu nas lojas d’O Boticário em 1998, quando suprimiu os balcões. O objetivo era permitir que os clientes se aproximassem dos produtos, tocassem neles. “O pessoal dizia que seria uma roubada, mas eu tinha pesquisa com consumidores, tinha os benchmarkings internacionais. A interação ficou muito mais fácil, houve mesmo uma senhorinha, eu me lembro bem, que elogiou, disse: ‘Eu só queria ler o rótulo, pegar o produto na mão’.”

Artur Grynbaum || Créditos: Roberto Setton

CRISE?

Costuma-se dizer que o segmento de beleza e cuidados pessoais é imune às constantes crises econômicas no Brasil, pois seus produtos têm o condão de reforçar a autoestima do consumidor num momento em que tudo que o cerca parece ruir. Com efeito, o Brasil é o quarto maior mercado do mundo, atrás de Estados Unidos, China e Japão, e os movimentos recentes das grandes empresas do segmento parecem referendar a hipótese. A aquisição da Vult pelo Grupo Boticário veio poucos meses depois da compra da histórica marca britânica The Body Shop pela Natura, a grande rival dos curitibanos, que agora, especula-se, tem interesse na Avon (veja box “Indo às compras”). Em seu último resumo executivo sobre o setor no Brasil, a consultoria Euromonitor International viu, contudo, um momento “desafiador” para os players locais, destacando o “approach conservador” do consumidor brasileiro, que agora “seleciona itens que oferecem melhor relação custo-benefício”. Uma ação relevante do Grupo Boticário, segundo o relatório, foi a contratação de Gisele Bündchen como principal “rosto” da linha de maquiagem Make B.

Agregar benefício ao que se comercializa tende a ser uma estratégia hoje obrigatória para qualquer empresa que busca renovar seu mercado – há consenso de que a geração millennial vê a decisão de compra como um ato nada frívolo. Performance e uso responsável da tecnologia são, portanto, características cada vez mais valorizadas nos materiais que se aplica ao corpo, e o Grupo Boticário não quer descurar disso. “Investimos 2,5% de nosso faturamento em pesquisa”, revela Grynbaum. “Com isso, quero poder responder perguntas que ainda não sei quais são. Hoje vivemos cada vez mais, e todos queremos envelhecer bem”, diz. Outro tema crítico para o grupo é o meio ambiente, e Grynbaum conta que a adoção de atitudes sustentáveis vem de longe, antes mesmo da realização da paradigmática Eco-92, quando o grupo criou uma fundação voltada à conservação da natureza. Em 1994, adquiriu a primeira reserva ambiental, em Guaraqueçaba, no litoral do Paraná. O grupo não usa animais como cobaias em testes de produtos desde 2000 e os laboratórios da casa já produzem pele 3D, que simula a pele humana. Também dispõem de tecnologia que permite reproduzir outros órgãos. “Não dá para pingar xampu no olhinho do coelho para ver se ele arde ou não. Mas é bom deixar claro que adotamos atitudes sustentáveis por crença, não por moda.” Curiosamente, Grynbaum esteve em setembro na China, um mercado em que o Grupo Boticário pretende ingressar – seria o caso de perguntar quem não. Mas há naquele país uma dificuldade, pode-se dizer, paradoxal. Na China, segundo o executivo, é obrigatório que fabricantes de cosméticos façam testes de seus produtos em animais.

RIBEIRINHOS

Se não difunde imagens impactantes em slow motion de populações ribeirinhas cuidando do rico patrimônio amazônico em suas campanhas, o Grupo Boticário pode elencar diversas ações de sustentabilidade e correção política que adotou ou adota: ganhos de eficiência na produção de loções que diminuíram drasticamente o uso de energia numa das fábricas; logística reversa, uma exigência legal, aqui aplicada não apenas para inglês ver, já que todas as 4 mil lojas em 1.750 municípios do país recolhem e dão destino correto às embalagens; equidade de gêneros nas posições de liderança; política de sucessão aplicada aos franqueados, prática que, segundo Grynbaum, tornou-se um benchmarking internacional. “Nosso relacionamento com os franqueados é de longo prazo, a média de idade da relação é de 27 anos. Já deu tempo para flertar, namorar, noivar, casar. Muitos deles estão na segunda geração, e queremos que continuem conosco”, diz.

Algumas outras ações, voltadas ao grande público, também vêm ajudando a dar um carimbo de contem-poraneidade ao grupo, como a campanha do Dia dos Namorados de 2015, focada em casais gays. Todos esses movimentos vêm sendo percebidos. O Boticário recentemente foi considerada a bandeira (marca) mais admi-rada do varejo brasileiro, título concedido pela Ibevar (Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo) em seu último ranking anual, tornado público em agosto. Superou concorrentes de vários outros segmentos do comércio como Magazine Luiza, Lojas Americanas, McDonald’s e Renner.

AQUI É TRABALHO

Grynbaum começou cedo na lida, realizando ainda pré-adolescente pequenas funções na loja do pai, a Samuca Modas, experiência que ele reputa como crucial hoje em sua atuação como executivo. Ao chegar ao Boticário e galgar posições, não teve dificuldades de mostrar que não estava ali por privilégio familiar. A disposição para o trabalho, que o faz ser considerado workaholic por assessores, parecia vitaminada por uma necessidade de deixar evidente sua fé na meritocracia – palavra que talvez ninguém pronunciasse na época, nem mesmo ele. Nos últimos tempos, com o nascimento de seu primeiro filho, no ano passado, o CEO baixou um pouco a bola e, aparentemente, já não pode ser mais tratado como um estranho em casa.

Mas trabalhar muito não é garantia de coisa alguma, e Grynbaum quer ver o grupo preparado para o futu-ro, algo que exige muito mais informação do que barro amassado, na velha expressão do político renitente. A leitura do livro Inevitável, do americano Kevin Kelly, fundador e colunista da revista Wired, em que o autor aponta cenários e forças tecnológicas que mudarão os produtos, a indústria e as relações de consumo, motivou o CEO a levar seu board executivo para ouvir o profeta digital numa imersão de uma semana no Vale do Silício. “Perguntei a ele se não via excessos na maneira como as pessoas usam as redes sociais, e Kelly disse que não. Ele acredita que quem não se integra pela tecnologia não colhe os benefícios dela.” O americano vê um futuro em technicolor, mas a visão otimista não contaminou a plateia. Ao sair do encontro, Grynbaum constatou que o “futuro já é o presente, mas no Brasil ainda ficamos olhando o passado. Se a gente pega o ambiente de apoio ao empreendedorismo que existe em muitos lugares lá fora e o compara com o daqui, acho que caímos do terceiro para o sétimo ou oitavo mundo”.

Para que o Grupo Boticário não faça como esse Brasil que trança perna, ou faça como o Coritiba, o Coxa, o time do coração de Grynbaum que caiu ano passado para a segunda divisão do futebol nacional, as tentativas de entender o futuro não são servidas no Grupo Boticário de maneira isolada, mas acompanhadas de práticas de gestão modernas, com diminuição dos postos de comando, configuração de times multitarefas e grande estímulo à autonomia. “Santo de casa faz milagre”, diz o executivo. “É preciso valorizar quem está sempre com você. Nós estimulamos nossos colaboradores a empreender de diversas formas, e a remuneração e os sistemas de incentivo estão alinhados com essa visão.”

A própria sucessão do CEO, questão que seus 49 anos torna completamente ociosa, é de alguma forma discutida, já que todos os executivos devem atuar para formar novas lideranças para suas cadeias de comando. Que não se espere, contudo, que alguém dentro do grupo tome risco, para usar outra das expressões da moda, de maneira tresloucada, como pode-se dizer que tomou o fundador Miguel Krigsner naquela negociação de vidros com o homem do Baú. A negociação, de todo modo, selou o destino do Boticário.

INDO ÀS COMPRAS

Maior empresa do setor de beleza do Brasil, a Natura pode estar a ponto de dar um passo que mete medo pela sua grandeza: a compra da tradicionalíssima Avon. Uma reportagem do jornal americano The Wall Street Journal registrando essa possibilidade gerou duas reações: o desmentido categórico da Natura e a valorização das ações da Avon. Seja como for, o Brasil é um mercado ainda por ser melhor explorado, e mobilizar recursos numa expansão internacional pode ser um movimento arriscado. “Embora o mercado brasileiro de beleza e cuidados pessoais tenha sido o quarto maior do mundo em 2017, somos somente o trigésimo em consumo per capita. Isso indica que o país oferece grandes oportunidades de crescimento, mesmo para quem decidir focar suas operações aqui”, diz Elton Morimitsu, analista sênior da consultoria Euromonitor. Morimitsu também destaca o crescimento da parcela de consumidores brasileiros preocupados com um tema caro ao Grupo Boticário, o cuidado com os animais. No estudo de 2017, 34% escolhiam um produto por ser “cruelty free” ou vegano, bem acima dos 21% do relatório anterior.

CUNHADISMO

Se alguém um dia se dispuser a escrever um bestiário a partir dos personagens de Nelson Rodrigues, Palhares, o “canalha que não respeita nem a própria cunhada”, tem tudo para ser uma fera hedionda. Mesmo na pletora de desvios morais cometidos por familiares – do pai à sobrinha-neta – da obra do dramaturgo, a obsessão pela cunhada parece ser algo digno da pena capital. Rodrigues certamente não comungaria da moral dos índios brasileiros à época do descobrimento, que, para o antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), exerciam o que chamou (cunhou?) de “cunhadismo”, a prática de agregar brancos à família com a oferta de uma irmã – ou filha, pensando-se do ponto de vista do sogro. Os índios não viam o cunhado como folgazão ou caloteiro, características que o anedotário fixou nesse parente, ou, se viam, não se importavam. No mundo corporativo – e agora na Presidência americana – é o genro que costuma desfrutar de um papel privilegiado na estrutura de poder. Ao alçar em 2008, o cunhado do fundador ao principal posto de comando, o Grupo Boticário inovou também aí. (Por Paulo Vieira)

Lojas O Boticário, The Beauty Box e Eudora || Créditos: Divulgação
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