Revista PODER entrevistou Nadir Moreno, a mulher por trás da gigante UPS Brasil

SÃO PAULO, SP, 27 07 2017: NADIR MORENO Fotos de Nadir Moreno, presidente da UPS Fotos: Roberto Setton 27 07 2017

Fotos de Nadir Moreno, presidente da UPS || Fotos Roberto Setton

Há dez anos à frente da operação brasileira da gigante de logística UPS, empresa que tem mais de 200 aviões em sua frota, Nadir Moreno já fez de tudo: atendeu cliente, liberou mercadoria na alfândega, chefiou o RH e também o departamento jurídico de diversas sucursais latino-americanas. Dar passos ainda mais largos agora depende dela – e de que alguém a convença que Miami é bacana

Por Paulo Vieira para a Revista PODER de agosto | Fotos Roberto Setton

Executivos de simpatia calculada, que usam criteriosamente os sorrisos e os adjetivos: Nadir Moreno não tem muito a ver com vocês. Já há dez anos presidente da sucursal brasileira da gigante de logística mundial UPS, que só em sua frota aérea tem mais de 200 aviões de grande porte, a paranaense de Umuarama, quinta de oito filhos de um casal de agricultores com pouca instrução formal, conversa com o repórter que acabou de conhecer como se fofocasse com um velho amigo.

É muito provável que seja assim com qualquer interlocutor, mas essa espontaneidade nada seletiva não deve fazer dela uma chefe menos criteriosa ou alguém que está a ponto de entregar todos os segredos para a concorrência. Norte-americanos, afinal, podem até rasgar dinheiro (não, não rasgam), mas não permitem que uma executiva lidere por uma década a operação de uma subsidiária relevante de uma empresa centenária, presente em 220 países, se ela não desempenhar.

E não é de hoje que Nadir “performa”: ela vem sendo exigida desde a pré-adolescência. Em sua casa só as meninas ajudavam a mãe no serviço doméstico, mas o fato de ter três irmãs não aliviou muito as coisas: duas já não viviam em casa e a caçula estava na idade de dar trabalho. A vida também não era fácil na escola pública, que ao menos servia como um exílio das horas do lar. O tempo de ensino médio (então chamado colegial) demandou outros talentos – é que o Colégio Adventista, no Capão Redondo, ficava a 50 quilômetros e dois ônibus de distância de sua casa, em São Mateus, no extremo leste de São Paulo.

Quem sabe estava aí a gênese de uma carreira de destaque numa empresa de logística. Como tanta gente que precisa trabalhar desde cedo, Nadir passou por muitos lugares, de escola a restaurante vegetariano. Chegou a sonhar com uma carreira no esporte profissional, mas teve seu idílio no vôlei abortado quando lhe comunicaram que era muito baixa mesmo para jogar como levantadora. O último de seus empregos foi exatamente na UPS, para onde foi por indicação de uma amiga que fez numa revenda de automóveis. Em 1992, trabalhar em “multinacional”, mesmo no mais comezinho atendimento ao cliente, era um diferencial – e isso foi sublinhado pela colega. “Eu não sabia o que era a UPS e jamais tinha ouvido a palavra ‘courier’”, lembra Nadir.

A gincana logística pessoal continuou na empresa, que, em 1992, tinha apenas três anos de Brasil (para seus 85 de fundação nos Estados Unidos. UPS, aliás, é sigla de United Parcel Service) e ocupava uma casa adaptada numa rua de bairro com “banheira no banheiro”, como recorda Nadir. Após concluir sua primeira faculdade, de letras, iniciou-se em Direito, por sugestão do chefe norte-americano, que achava que “todos tinham de ser advogados”. Cursos de inglês e de espanhol eram feitos em horários improváveis.

Nadir passou por todos os departamentos da UPS, do brokerage, em que cuidava do desembaraço aduaneiro do que vinha para o Brasil, RH e jurídico. E foi como diretora agregada desses dois departamentos, RH e jurídico, não só do Brasil, mas de todas as subsidiárias latino-americanas da UPS (exceto México, uma operação mais antiga e desenvolvida), que ela se cacifou para a presidência brasileira. Precisou antes passar por um processo seletivo interno, que diz ter aceitado participar não exatamente para galgar a presidência, mas “para tirar aprendizados que poderiam ser bastante úteis depois”.

Fotos de Nadir Moreno, presidente da UPS || Fotos Roberto Setton

SEM BANDEIRAS

Como era de se esperar de uma executiva há tanto tempo na presidência, Nadir tornou-se uma liderança natural em questões de gênero, ajudando a UPS a cuidar de um programa internacional de igualdade de oportunidades e empoderamento feminino, o Women’s Leadership & Development. Apesar de deixar claro em seu currículo no LinkedIn que é a primeira presidente mulher da UPS no Brasil, ela não trata a questão como bandeira. Um terço dos 1.200 funcionários da empresa no Brasil é de mulheres, um patamar histórico, e Nadir fica mais à vontade para mencionar à reportagem outra diretriz da companhia, que faculta a fornecedores de menor porte disputar licitações na UPS em condições menos desfavoráveis. Atuante na organização Lide Mulher e outros fóruns de discussão que visam incrementar a participação da mulher em postos de liderança, ela diverge da colega Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, que acha necessário impor cotas para aumentar o número de vagas de mulheres nos conselhos corporativos. Mas contemporiza: “Você até vê empresas com produtos destinados às mulheres sem mulheres nesses postos, mas prefiro não penalizar, criar cotas, ainda que isso ajude a formar uma cultura”.

Por ser mulher, Nadir já enfrentou preconceito explícito e também em demonstrações mais brandas. Não se incomoda em contar que negociou com caminhoneiros na Argentina – ser brasileiro aqui já era um handicap, imagine ser brasileira – e que numa reunião com um órgão governamental em Brasília representando a Associação das Empresas de Transporte Internacional Expresso de Cargas (Abraec), entidade que preside há três mandatos, viu que os barnabés, todos homens, não tiveram a elegância de disfarçar a surpresa ao saber que era ela a principal liderança.

Fotos de Nadir Moreno, presidente da UPS || Fotos Roberto Setton

GARGALO

O mantra de que o Brasil não é um país para principiantes deve ecoar com mais intensidade em empresas de logística e de importação e exportação, como a UPS, muito expostas a problemas de infraestrutura e ao peso da burocracia. Além disso, há aqui impostos que incidem sobre circulação de mercadorias, uma multiplicidade de inspeções e é preciso lidar com custos bastante altos de taxas de seguro – como a UPS garante a entrega “door to door” (porta a porta), para usar uma das muitas expressões em inglês da executiva, há que precificar os constantes roubos de carga, agora epidêmicos no Brasil, seja em rodovias supostamente vigiadas ou nas quebradas da periferia. “De todas as operações mundiais da UPS, a do Brasil é uma das que é ranqueada como de risco, também por conta da instabilidade política e da corrupção. Isso faz com que a gente tenha de reforçar aqui os procedimentos de compliance”, conta.

Nadir, que chega a dizer que a visão dos gringos sobre o Brasil não é muito diferente da que eles têm sobre a Venezuela, só não acredita, respondendo à provocação do repórter da PODER, que o custo final dos serviços da UPS por aqui sejam maiores que o das nações em guerra em que a companhia atua.

Mas por mais “tricky” (complicado) que seja operar no Brasil, o país está numa lista de 13 “países emergentes relevantes” para a matriz. “Não estamos entre os três primeiros desses, mas andamos juntos com Rússia, China e Índia”, explica. Recentemente, ela recebeu aportes para expandir o negócio no Brasil, investimentos pelos quais certamente será cobrada, independentemente do pibinho nosso de cada ano. Os resultados da UPS brasileira, em 2015 e 2016, estão longe de ser essa Brastemp toda, e Nadir diz que vem tentado reforçar segmentos mal assistidos pela UPS no Brasil, como o de medicamentos e o de health care. Hoje, a UPS conta com duas unidades para armazenamento de remédios com controle climático que obedecem padrões da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), parte desse esforço de expansão que ainda incluiu a abertura de diversos escritórios pelo Brasil e aumento expressivo de frota. O número de cidades atendidas no país foi triplicada para 600, com 28 operações próprias em 22 estados.

Fotos de Nadir Moreno, presidente da UPS || Fotos Roberto Setton

EXPORTAR É O QUE IMPORTA

O advento do comércio eletrônico, como era de se imaginar, fez bem a empresas como a UPS globalmente, mas os envios de produtos chineses ou de outros países para o Brasil não impactam o desempenho da equipe liderada por Nadir, que é cobrada principalmente pela geração de receitas de exportação. Para ela, à pedra no sapato do tal custo Brasil somam-se dificuldades aduaneiras diversas de nações nas quais o país tem relações comerciais. Segundo estudos recentes, por exemplo, um caminhão leva 15 dias para ter a carga liberada nas fronteiras entre o Brasil e a Argentina. Assim mesmo, Nadir vê avanços nos últimos seis anos, com uma interlocução muito melhor entre os órgãos governamentais e as empresas internacionais de courier. “Atualmente, desenhamos, junto com a Receita Federal, sistemas que vêm agilizando o fluxo aduaneiro”, diz. Ainda há muito a evoluir, mas aqueles anos pioneiros de 1990, quando passava longas tardes em Cumbica – hoje, os aviões da numerosa frota da empresa pousam em Viracopos – procurando desembaraçar as remessas que chegavam ao Brasil, parecem coisa do neolítico. “Empresas enviavam amostras gratuitas de produtos para o Brasil, mas como era preciso pagar para liberá-las, ninguém as retirava”, lembra.

A piada diz que tudo no mundo é passageiro (menos o motorista e o cobrador), e assim como o incremento da informatização acabaria por amaciar até velhas bastilhas como a burocracia alfandegária brasileira, os dez anos de Nadir na mesma cadeira já causam certo comichão. Ela diz que “está muito na mesa” a conversa com a matriz sobre os novos degraus de sua carreira, que poderia ser uma posição “LATAM” baseada em Miami ou, se o Brasil crescesse significativamente, aqui mesmo. “Gostaria de continuar aqui”, diz. Ela já trabalhou em Miami, e acabou pedindo para voltar ao Brasil por razões pessoais – a doença de sua mãe –, mas mesmo não tendo filhos (“cachorro serve?”, pergunta) ainda desconversa quando a palavra Miami surge na conversa. “Quando a gente tem 25 ou 30 anos não se incomoda em ficar em albergue, mas depois quer menos correria”. Nadir tem apenas 48 anos e talvez não esteja acompanhando muito de perto o grande avanço do mercado imobiliário de Miami.

Fotos de Nadir Moreno, presidente da UPS || Fotos Roberto Setton

CIGARRO E ÁLCOOL

Em maio passado, a juíza federal Katherine Forrest, do Estado de Nova York, multou severamente a UPS americana por transportar uma quantidade exponencial de cigarros que teriam circulado sem o devido pagamento de impostos por distribuidores e clientes indianos. Como a juíza escreveu na sentença, multas modestas não “impactariam suficientemente a UPS como corporação”. O valor da multa, US$ 247 milhões, foi considerado excessivo e “acima dos limites constitucionais” pela UPS norte-americana, em sua manifestação oficial. A juiza já havia repreendido a companhia dois meses antes, como lembrou o jornal The New York Times, por, na sua opinião, ter uma cultura empresarial que “promove vendas sobre o compliance”. Dores de cabeça com o tabaco, alegrias com o álcool no mercado doméstico: tanto a UPS como a rival FedEx tiveram ganhos expressivos com o incremento da venda de vinhos sem intermediários, direto para o consumidor, dentro dos Estados Unidos. A parcela desse sistema de vendas, que usa os serviços das empresas de courier,  para esse tipo de produto, é de apenas 4%, ou seja, ainda há muito espaço para crescimento.

Fotos de Nadir Moreno, presidente da UPS || Fotos Roberto Setton

MÃO NA MASSA

Nadir diz que uma de suas características profissionais é ser “hands on” (algo como mão na massa), e isso é assim desde que fazia atendimento ao cliente em seus primeiros anos na UPS. Ela acha que não se deve deixar um e-mail sem resposta, mesmo que ele tenha sido enviado equivocadamente, para um destinatário errado. Diz que chegava a fazer isso mesmo com e-mails enviados a outros colegas. “Você não tem necessariamente de solucionar o tema, mas deve se assegurar que ele será resolvido”, diz. Seria esse então um sintoma de uma chefe extremamente centralizadora? “Não chamaria assim, pois delego muito e dou oportunidades. Centralizador é quem executa o trabalho alheio, e com isso acaba impedindo que a pessoa perceba o erro.”

Gestão de pessoas é fundamental em qualquer setor, mas ela diz que é preciso mais para ser um bom executivo. “Acho que você tem de ter tudo. Se você faz uma boa gestão de pessoas, mas não está preparada tecnicamente, vai ficar com debilidade e não dar o suporte devido.”

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