PODER mostra como depois de um ano, startups brasileiras de carnes de origem vegetal podem se tornar líderes globais

Revolução Vegetal || Créditos: Reprodução

Em um ano, startups brasileiras de carnes de origem vegetal ganharam valor de mercado e iniciaram expansão internacional, em movimento que pode fazê-las líderes globais. E agora são os grandes e tradicionais frigoríficos que buscam sua fatia do filé. 

POR NINA RAHE PARA PODER

Quando a Fazenda Futuro lançou, em maio de 2019, um hambúrguer vegetal com gosto, textura e aparência de carne animal, a notícia era que o produto chegava ao país com ares de revolução. Um ano após o acontecimento, pode-se dizer que a empresa, de fato, instaurou uma verdadeira transformação no mercado brasileiro. Se à época comemorava-se a chegada de um único Futuro Burger, agora o que se tem é uma profusão de itens que entraram na competição por uma carne vegetal que não deixe os amantes das opções de origem animal passando nenhum tipo de vontade.

Assim que decidiu investir no negócio, há mais de três anos, a intenção de Marcos Leta, fundador da foodtech Fazenda Futuro, era justamente “disruptar mercados”. O que ele e o sócio, Alfredo Strechinsky, queriam quando venderam a marca de sucos Do Bem para a Ambev era entrar em um segmento que fosse capaz de criar um impacto maior não só do ponto de vista tecnológico como em relação ao número de pessoas atingidas: até o início das atividades foram dois anos de pesquisas, que envolveram uma série de viagens aos Estados Unidos para acompanhar um mercado que, em 2017, já estava em gestação no país. Naquele ano, para entender a tecnologia empregada no processo, Leta chegou a visitar empresas como a Beyond Meat, que hoje já se tornou um unicórnio, representando, ao lado da Impossible Foods, os maiores players do mercado internacional. “O Brasil é o maior exportador de carne do mundo e segundo maior consumidor”, diz Leta. “Aqui há mais cabeças de gado do que gente, são 218 milhões de cabeças de gado e 209 milhões de pessoas, e nós queríamos criar uma alternativa a esse consumo.”

Se a ideia de “disruptar” o processo relacionado à produção de carne animal já fazia sentido quando a marca começou a ser gestada, a pandemia gerou a necessidade de outros caminhos de alimenação ainda mais urgente. Tornou-se discussão central por ser possível indutor de cenário de pandemias a exploração de animais e o consumo elevado de carne. Ao mesmo tempo, estudos têm apontado para um aumento de interesse por itens de origem vegetal. Uma pesquisa do The Good Food Institute, em parceria com a Snapcart, realizada em 2018 para entender os hábitos de consumo dos brasileiros em relação aos alimentos de origem vegetal, por exemplo, apontou para a existência de 60 milhões de consumidores de proteínas vegetais no Brasil. No ano seguinte, outro estudo, feito pela DuPont sobre produtos vegetais na América Latina, mostrou que 67% dos brasileiros têm interesse em opções desse segmento.

São dados que refletem, é claro, no crescimento dessa parcela do mercado. A Fazenda Futuro, por exemplo, recebeu em setembro passado um aporte de R$ 115 milhões, o que elevou seu valor de mercado para R$ 715 milhões – o investimento foi liderado pelo BTG Pactual, Enfini Investments e os investidores Monashees e Go4it Capital, que, em 2019, já haviam liderado uma primeira rodada no valor de US$ 8,5 milhões. A cifra inicial foi usada para investimento em novas tecnologias e para triplicar o potencial produtivo da fábrica. Agora, o novo aporte financeiro servirá para continuar o desenvolvimento tecnológico, além de possibilitar expandir a operação, o que já está em curso na Europa e em breve nos Estados Unidos. Atualmente, a empresa possui mais de 8 mil pontos de venda no Brasil e cerca de outros 200 em países como Holanda, Suécia, Emirados Árabes, México e Uruguai.

Na opinião de Gustavo Guadagnini, diretor do The Good Food Institute no Brasil, a pandemia desacelerou o mercado brasileiro, mas acelerou a internacionalização das companhias. “Fomos mais impactados por aqui, a maior parte dos produtos ainda está em um preço premium, e houve uma diminuição de renda da população, o que afeta o consumo. Esperava-se que o foco seria primeiro o mercado brasileiro, mas agora vemos as duas lutas, para dominar o mercado nacional e vender para fora, acontecendo ao mesmo tempo.”

Mas, desde que a Fazenda Futuro iniciou suas atividades, é visível o desenvolvimento do setor no país, atraindo inclusive gigantes que ainda não haviam se voltado para o segmento de carne vegetal. A Seara, por exemplo, uma das maiores empresas de alimentação no Brasil, reconhecida por produtos de proteína animal, lançou em 2019 um hambúrguer 100% vegetal e, a partir dele, criou a linha Incrível, dedicada inteiramente a itens dessa origem, como análogos de frango, kibe, salsicha e até refeições prontas, entre carne com vegetais e escondidinho. A Marfrig não ficou atrás e anunciou, no mesmo ano, a criação da linha Revolution, em uma parceria com a companhia de ingredientes Archer Daniel Midland (ADM). A elas ainda se juntou a BRF, que lançou, em março deste ano, por meio de uma colaboração com a empresa holandesa Vivera Foodgroup, a linha Sadia Veg & Tal.

A chilena NotCo, avaliada em US$ 250 milhões, também vislumbrou uma necessidade de expansão para o mercado brasileiro. A gigante aportou no país em 2019 com produtos como leite, maionese e sorvete de origem vegetal e acaba de lançar sua versão Not Burger, que por enquanto está disponível apenas no restaurante delivery da marca, o Why Not. “A NotCo sempre se definiu como uma empresa latino-americana e, quando pensamos em América Latina, não há sentido não estar presente no Brasil”, diz Luiz Augusto Silva, presidente da companhia no país.

Mas, assim como as empresas, que não param de se multiplicar por aqui, a cartela de produtos está se tornando cada vez mais ampla. A Fazenda Futuro, por exemplo, já conta com carne moída, almôndega e linguiça e a nova The New Butchers, que começou suas atividades também em 2019, além de hambúrgueres à base de plantas, já está comercializando carnes vegetais análogas a frango e salmão. A companhia recebeu em julho deste ano um aporte financeiro, cujo valor não foi revelado, de Paulo Veras, cofundador da 99, a primeira startup do país a se tornar um unicórnio. “Tenho zero conhecimento da indústria de alimentos, mas acompanhava as notícias e comecei a ver startups abrindo capital, levantando rodadas. O interesse por esse segmento veio de ver o que estava acontecendo fora do Brasil e, como trabalho com tecnologia há muito tempo, acho que a grande sacada para fazer um bom investimento é separar o que é moda do que é transformacional”, diz Veras.

Com a cifra desse investimento inicial, a The New Butchers conseguiu transferir sua fábrica para um espaço maior, onde poderá ampliar sua capacidade de produção de 21 para 80 toneladas por mês. A companhia está também no meio de uma nova rodada do tipo série A, que possibilitará, na visão de Bruno Fonseca, presidente executivo da empresa, uma melhor estruturação de sua equipe e o fortalecimento da marca. “Dentro da minha jornada de transição, o que mais escutava das pessoas era que tentavam reduzir o consumo de carne, mas não conseguim porque amavam o sabor”, conta Fonseca. “Quando vi a possibilidade de desenvolver algo com o mesmo gosto, só mudando a fonte, sem precisar matar um boi ou um peixe…”

O maior desafio para o segmento, daqui em diante, é reduzir a diferença de preço que o separa dos alimentos de origem animal – atualmente, as opções vegetais se equiparam à carne premium. Um valor mais competitivo depende de uma produção em maior escala – o que já parece estar em curso –, mas também de um marco regulatório, uma vez que os produtos vegetais ainda se encaixam em regulamentos que foram desenhados para outras categorias, implicando tributação mais elevada. “O setor é muito novo. Não há regulação, tributação, incentivo para pesquisa. Todos os campos precisam ser estruturados ainda”, explica Gustavo Guadagnini. “Mas a gente começou no Brasil com cinco, seis anos de diferença em relação aos Estados Unidos e já vemos startups aqui conquistando espaço mundial e competindo com outras indústrias globais. O Brasil tem potencial para ser líder de mercado.”

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