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O atendimento no Beleza Natural funciona como uma linha de produção. || Créditos: Roberto Setton

O Instituto Beleza Natural começou do jeito mais caseiro possível: com uma das donas testando no próprio cabelo preparações para deixar os cachos no jeito. Hoje, a empresa tem fábrica própria, 45 operações no Brasil e fatura R$ 150 milhões por ano. Ou seja: a fórmula deu certo

por Nataly Costa para a revista Poder de fevereiro

Extinta há alguns meses pela prefeitura do Rio, a linha 413 ligou durante muito tempo a zona norte à zona sul carioca. Saía cedo da região da Muda, na Tijuca, passava pelo centro, esticava até Copacabana e Leblon e fazia a volta. No comecinho dos anos 1990, além de transportar gente, era também o veículo que fazia circular uma mensagem colada clandestinamente no vidro atrás do motorista: “se seus cabelos são o problema, nós temos a solução”. O mistério durava até o ponto final, quando o ônibus estacionava em frente a uma casa de dois cômodos recém-transformada em salão de cabeleireiro e que logo, logo começou a ter fila na porta. Era os primórdios do Instituto Beleza Natural, hoje um negócio de 45 operações (entre salões e quiosques) em cinco estados, 50 produtos no catálogo, 3 mil funcionários e 130 mil clientes por mês.

A história da empresa começa em 1993 com Zica, nascida e criada na favela do Catrambi, no Rio de Janeiro, em uma família de 13 irmãos. Empregada doméstica desde os 9 anos, aos 20 e poucos já era casada, com filho, e não podia nem sonhar em largar tudo para investir em outra profissão. Nessa época, Zica vivia  às voltas com o próprio cabelo e cansou de ir a salões de bairro para ouvir sempre a mesma coisa: ‘e aí, vamos alisar?’ “Só se falava em pasta, henê,alisamento à base de chumbo. Aquilo me fascinava. Por que eu tinha cachos e precisava tirar?”, questionava-se, e passava as horas de folga “misturando uns pozinhos” na tentativa de fazer ela mesma um creme que desse conta da cabeleira, mas realçando o formato natural, valorizando as ondas.  “Meu sonho era ter um cabelo que balançasse para um lado e outro, o que só acontecia quando molhava.” A alquimia caseira ora dava certo, ora não dava e Zica perdeu uns bons chumaços nessa brincadeira – sem contar as escalpeladas no pobre irmão Rogério, que também servia de cobaia. Até que um dia… eureca! O pozinho virou um creme que não fazia mais o cabelo cair. Mais que isso: uma vizinha quis saber o que Zica estava usando naqueles fios tão reluzentes. Com o elogio, ela entendeu que tinha em mãos a receita da Coca-Cola – assim como a bebida mais famosa do mundo, seu hoje patenteado Super-Relaxante tem fórmula secretíssima. Com os cachos cheios de ginga, convenceu Jair,  o marido, a vender o Fusca para bancar um lote do produto. O irmão passou de cobaia a sócio, e o quadrado mágico se fechou com a chegada de Leila, que trabalhava com Rogério como atendente do McDonald’s e, cheia de tino para os negócios, já havia até sido promovida a gerente.

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A equipe reunida do Beleza Natural. || Créditos: Roberto Setton

CABEÇA FEITA

Montar um salão de beleza na periferia carioca para tratar das madeixas da vizinhança parece favas contadas, mas não é bem assim. Antes de galgar além da casinha da Tijuca, Zica e Leila enfrentaram a desconfiança de um mercado que olhava torto para um relaxante capilar criado por uma ex-empregada doméstica – “se é tão bom, por que uma multinacional já não fez?”, elas ouviam. O preconceito se estendia ao público-alvo, uma classe C para a qual o mercado ainda não fazia reverência naquele início dos anos 1990. “Não havia a preocupação de oferecer um produto de qualidade para essa mulher, era sempre algo barato, que desse resultado na hora e só. A expressão usada era ‘dar um jeito’, com a ideia de que aquele cabelo jamais teria solução”, conta Leila. Hoje, a dupla se orgulha de ter ido na contramão da estética da “escova obsessiva”, como diz Zica, e criado um produto que, além de um tratamento a longo prazo, funciona também como reforçador de identidade, sobretudo da mulher negra. “O estereótipo do cabelo perfeito sempre esteve muito distante, era o cabelo da Barbie. Isso gera uma frustração enorme na menina desde muito nova. Criou-se um mito de que o cabelo cacheado era inadequado”, diz Leila. “Agora a gente sabe que uma juíza pode chegar no tribunal com seu cabelo crespo solto que não tem problemas. Sem falar que a cacheada está muito ligada a uma mulher com mais confiança, autoestima e ousadia”, completa Zica.

De acordo com o IBGE, mais da metade da população brasileira (54%) se autodeclara negra (pretos e pardos), mas não existe um dado oficial em relação a um tipo de cabelo predominante no país. Apoiadas em pesquisas internas, as sócias do Beleza Natural acreditam em uma “nação cacheada” — 7 em cada 10 pessoas teriam madeixas de onduladas a crespas, segundo elas. Para entender esse fio em uma camada mais profunda, o instituto foi além e fez uma parceria com a Universidade de Brasília (UnB), que resultou em uma classificação dos cachos em quatro tipos: suaves, soltos, intensos e vibrantes. A divisão acabou norteando as criações do Beleza Natural, que tem um centro de pesquisa e desenvolvimento próprio e uma fábrica no bairro de Bonsucesso, de onde saem 380 toneladas de creme por mês. O Super-Relaxante, a poção mágica criada por Zica lá no início, ainda é o carro-chefe.

Mas os ingredientes ainda não são suficientes para entender a bruxaria – é preciso saber como elas mexem o caldeirão, e isso fica claro em uma visita a um dos salões do Beleza Natural. A regra é que sejam sempre instalados em locais de grande circulação, como shoppings populares de bairros mais periféricos. A decoração é espartana, com luz branca, cadeiras de plástico  e atendimento por senha, sem hora marcada. O circuito, que pode levar até duas horas, começa com entrevista (onde é feito o diagnóstico do cabelo), depois vai para o reparte (há uma equipe só para dividir e prender as mechas), passa para os lavatórios, chegano tratamento e segue para a finalização. Seria tudo meio impessoal, já que o sistema lembra uma linha de montagem – coisa de Leila, que emprestou o modelo do Mc Donald’s – e a ideia é que reine a padronização, que não exista mesmo a mão do profissional. Mas aí vem outra sacada de Leila: construir na saída de cada salão uma passarela cheia de espelhos, que desemboca em uma lojinha onde as moças sem empolgam e acabam levando algum item da marca para casa. “É como na Disney, mas nosso brinquedo é o tratamento. A mulher sai linda, cheia de confiança. É um momento de autoindulgência para uma mulher que, às vezes, nunca teve chance de entrar em lugar como aquele. A estética acaba sendo só o pano de fundo para uma transformação que pode ser muito mais profunda”, acredita Leila, e não só ela. A dupla faz parte do time da Endeavor, instituição que apoia 59 empresas consideradas de autocrescimento (ou seja, que têm um crescimento estável de 20% durante quatro anos consecutivos). “Definitivamente, o negócio delas não é só cabelo”, afirma Luiz Guilherme Manzano, diretor de apoio a empreendedores da Endeavor. “Existe uma identificação muito grande com a trajetória das fundadoras. A imagem delas gera idolatria, elas são fonte de inspiração.”

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“Houve uma época em que só se falava em alisamento”. (Zica Assis) || Créditos: Roberto Setton

ESPELHO, ESPELHO MEU

Esse naipe de celebridade que Leila e Zica têm dentro do próprio negócio é algo que também se sente nos salões. A clientela – a maioria negra, de cabelo cacheado, moradora da periferia, oriunda da classe C — é parecida com as funcionárias que, por sua vez, se veem um pouco nas donas, com quem compartilham a mesma origem. “Você ter a liderança de alguém que veio das classes mais baixas é raro. De mulheres, mais ainda. Mulheres negras, nem se fala”, conta Leila.

A empresa não divulga o tíquete médio, mas os tratamentos variam entre R$ 30 e R$ 100, e as clientes são daquelas que voltam todo mês para fazer manutenção. Zica e Leila também não comentam sobre faturamento que, especula-se, fica na casa dos R$ 150 milhões por ano. Em 2013, venderam 33% do negócio para o GP Investiments, que colocou R$ 70 milhões no negócio. “Imaginem o que esse time vencedor e apaixonado pode alcançar com o investimento, que equivale a mais ou menos 10 mil Fuscas?”, disse Fersen Lambranho, coCEO da GP Investments, em um comunicado oficial feito na época da transação. O montante impulsionou a expansão do modelo de quiosques (atualmente, são 19 em operação, e mais dez devem ser inaugurados ainda em 2017) e também dos salões, que dobraram de 13 para 26 nos últimos três anos e meio.  “Começamos antes do Plano Real, presenciamos toda a ascensão da classe C. Vimos nossa cliente se sofisticar ao longo do tempo e isso é muito prazeroso”, finaliza Zica.

NADA DE ENROLAÇÃO

Filha de porteiro com lavadeira, Leila Velez nasceu em São João do Meriti, no Rio, mas sempre morou entre Leblon e Ipanema – nos quartinhos e casas de zelador dos prédios em que o pai trabalhava. “Minha vida sempre foi essa dualidade. Eu era exposta a um universo que estava perto, mas era inacessível. Isso de alguma forma foi instigador”, conta. Um dia, foi fazer uma entrega para a mãe e entrou em um dos bons apartamentos na zona sul do Rio. “Lembro de ver na sala da casa uma foto de Paris e ficar sonhando com aquele lugar.” Hoje, Leila pode dizer que já fez pose mais de uma vez diante da Torre Eiffel. “A primeira vez em que fui para lá chorei por meia hora.”

Curiosa e meio nerd, já era prodígio no Mc Donald’s, quando passou de atendente a gerente com somente 16 anos. Já tocando a empresa, formou-se em administração pela ESPM e fez especialização na Harvard Business School. “Se uma doméstica, um taxista e dois atendentes de lanchonete conseguem fazer, qual o limite? O ‘não’ sempre foi meu combustível.”

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