PODER: as histórias fabulosas de Sebastião Bomfim Filho, da Centauro

As histórias fabulosas de Sebastião Bomfim Filho, o empresário que montou o maior varejo de produtos esportivos do Brasil || Créditos: Luisa Santosa

Se Minas Gerais fosse a Grécia antiga, e Caratinga, a ilha de Ítaca, a cidade mineira teria alguns candidatos a Ulisses, o grande herói da Odisseia, talvez a mais famosa narrativa grega. Candidatos improváveis, é verdade, como Ruy Castro, Ziraldo e Agnaldo Timóteo – filhos famosos da terra como também são Graça Foster e Miriam Leitão – ou, então, o empresário Sebastião Bomfim Filho, presidente e sócio majoritário do Grupo SBF, cuja joia da coroa é a rede varejista Centauro. Em 2014, o faturamento da rede, com as marcas ByTennis e Nike Store, foi de R$ 2,6 bilhões comercializando artigos esportivos em mais de 210 pontos de venda em 22 estados brasileiros, no Distrito Federal e também pela internet.

Assim como na narrativa mitológica, Bomfim foi incorporando a sua biografia de empreendedor histórias rocambolescas que, se não são inteiramente verídicas, são bem contadas. E que ele não se preocupa em confirmar ou desmentir, como que para retroalimentar o mito. Há um bom punhado delas. Como a de que, criança, pediu um cavalo de presente ao pai, sócio da varejista Casa Bomfim (onde também trabalhou o ex-vice-presidente da República José Alencar), e o pai, em troca, lhe deu um emprego; ou a de que, jovem e já órfão, teve de vender seu negócio de balanças industriais, abatido por problemas de fluxo de caixa, sobrando-lhe então simbólicos US$ 10,5 mil, montante com o qual, aos 26 anos de idade, iria iniciar sua Centauro – nome retirado do ser mitológico de força descomunal que ele talvez não conhecesse muito bem; ou a de que, para se desfazer de um estoque de agasalhos esportivos da Adidas em um inverno que calhou de não fazer frio nunca, decidiu tosar-lhes as mangas.

Bomfim também gosta de ver adicionada a seu perfil a história fabulosa de que um dia leu, ele próprio, uma fábula. Nela, uma velha águia mutilava a asa para que uma nova, mais forte, lhe tomasse o lugar. É a parábola que usa para explicar o pulo do gato da Centauro nos anos 2000, quando a rede passou a substituir nas grandes cidades lojas de até 200 metros quadrados por megastores dez vezes maiores, fazendo dos produtos esportivos itens dignos de ser apalpados, apreciados e experimentados, tais quais os livros e discos das megalivrarias que lhe serviram de inspiração.

Esporte, a paixão

“A empresa de varejo que ficará é aquela capaz de atender os clientes em todos os lugares, a que tiver canais de venda on-line e off-line e processos harmonicamente integrados” || Créditos: Luisa Santosa

Sem vestígios da empáfia ou da inacessibilidade que alguém de seu tamanho poderia exibir, o empresário que PODER encontrou no quartel-general do Grupo SBF, localizado na zona oeste de São Paulo, é um homem afável e opinativo, de modos e gestos calorosos, um sujeito daqueles que dá vontade de convidar para tomar café com pão de queijo na sua casa. Aos 62 anos, o empresário, que caberia fácil no slogan “seu esporte, nossa paixão” da Centauro – já jogou tênis, pilotou kart, adora esquiar e acaba de se iniciar no golfe –, recebeu a reportagem em uma sala ampla que já não é mais só sua, apesar de alguns poucos quadros pessoais na parede. “Eu agora me misturo à equipe de vendas, em outro andar”, disse.

Formado em administração pelo extinto Instituto Champagnat, de Belo Horizonte, Bomfim achou que precisava saber na teoria o que há muito já conhecia na prática. “Nunca fui um aluno caxias, mas vi que era necessário concluir o curso superior”. Sem MBA, ele reconhece e valoriza a expertise de seus executivos que passaram por escolas de prestígio como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e as Universidades de Harvard e Kellogg, nos Estados Unidos.  “É impossível ser bom em tudo, o importante é estar apoiado por pessoas de alta qualificação”, diz.

Para João Dória Jr., presidente do LIDE, organização que congrega líderes empresariais, Sebastião Bomfim é um visionário. “Sua história de vida e de superação são exemplares”. O criador da Centauro está bastante envolvido com um dos projetos do LIDE, o “Pacto pelo Esporte”, em que empresários, muitos deles investidores de mídia no Brasil, pretendem ajudar a desenvolver mecanismos de governança e gestão mais moderna e transparente do esporte nacional.

Detalhe da mesa em que Sebastião despacha no Grupo SBF, com a foto de sua mãe. Dona Miralda estimulou as sete filhas mais velhas a fazer universidade, algo improvável em Caratinga, Minas Gerais || Créditos: Luisa Santosa

 A casa das sete mulheres

Nos perfis biográficos já publicados de Sebastião Bomfim, o papel de sua mãe é sempre negligenciado. Mas ela tem grande importância nos rumos da família, antes e depois de se tornar viúva, no fim dos anos 1960. Foi dona Miralda quem decidiu que as sete filhas iriam fazer faculdade em Belo Horizonte, algo que era fora dos padrões para uma cidade como Caratinga. “O caminho natural era que elas fizessem o curso Normal e virassem professoras”, conta Sebastião, o oitavo filho e o primeiro homem da família. “Ela sempre foi a motivadora.” Bomfim, que assumiu a fazenda de café e gado logo depois da morte do pai, diz que sua mãe teve dificuldade para se desfazer da propriedade. “Ela vivia preparando a fazenda para a gente vender, mas tinha sempre algo mais a preparar.” A ligação afetiva com a terra era grande.

Três rounds

A bola de Sebastião Bomfim Filho autografada por Pelé || Créditos: Luisa Santosa

Há três momentos simbólicos no surgimento e consolidação da Centauro como maior rede varejista especializada em esporte do país. O começo, quando seu fundador atuou também como vendedor – e estilista de ocasião, ceifando as mangas dos Adidas do estoque; os anos 2000, quando Bomfim pelejou para abrir sua primeira megastore em São Paulo, ocupando o espaço que antes pertencia ao Mappin no Shopping West Plaza – e pagando dois anos e meio de aluguel antecipado; e agora, tempo que chama de “último ciclo”, quando o desafio é preparar a empresa para os dias em que não estará mais no comando. A meta do momento é tornar a Centauro omni-channel (em que os canais de venda off-line e on-line e seus processos são harmonicamente integrados) para enfrentar o que será, em suas palavras, “o varejo de daqui a cinco ou dez anos”.

Sem recorrer a metáforas, ele explica: “A empresa de varejo que ficará é aquela capaz de atender os clientes em todos os lugares, a que estiver disponível ao consumidor sem ser invasiva e for omni-channel”. Dessa forma, essa empresa também precisa atuar com força no e-commerce, coisa que não vê no varejo tradicional brasileiro. Na própria Centauro, o comércio eletrônico é origem de 12% das vendas – ele fala em chegar a 17% este ano. E não nega a vontade de ultrapassar a grande concorrente nesse setor: a Netshoes. “É um chavão, mas ser segundo é ser o primeiro perdedor. Às vezes o terceiro lugar é mais digno, pois ganha do quarto colocado. Somos líderes de mercado em lojas físicas, mas não estamos satisfeitos com o vice em e-commerce”, conta. E completa: “Com o respeito devido aos concorrentes, que também acordam cedo todas as manhãs para trabalhar, acho que em três ou quatro anos buscaremos a liderança no mercado de vendas online”.

Em 2011, Bomfim chegou a afirmar que se afastaria da presidência da Centauro depois da Copa de 2014. Mas a venda de 30% da empresa por R$ 450 milhões para o fundo de investimentos GP, no fim de 2012, mudou um pouco seus planos. “Sempre houve alinhamento de visão do fundo com a gente em relação à meritocracia, resultados e metas mais ousadas”, diz. “Mas percebi que essa turma (do GP) precisava de mais amadurecimento”.

Uma sucessão em família, por outro lado, jamais esteve em pauta. “Apesar de ser o fundador da companhia, a empresa nunca foi familiar, pois todos os executivos vieram do mercado ou foram desenvolvidos aqui.” Das três filhas, apenas Larissa, a caçula, está no dia a dia do Grupo SBF, como trainee em diversos setores. Mas que fique bem claro: não para se credenciar a um lugar na direção executiva, mas para se tornar uma exímia conselheira.

Se Larissa está próxima das empresas da família, as irmãs mantêm distância, pode-se dizer, geográfica. A primogênita, a atriz e produtora teatral Andressa, vive em Nova York com o marido, que segue carreira acadêmica no Rockefeller University Hospital; já Rizza, ligada a grupos de arte urbana, também está de mudança para os Estados Unidos. A distância das filhas, que também são acionistas do Grupo SBF, não parece ser um problema para Bomfim. “Costumo dizer que a empresa é meu sonho, não necessariamente o delas, e tenho de respeitar isso”.

Prêmio dado à empresa que enfeita uma vitrine no térreo do prédio do Grupo SBF || Créditos: Luisa Santosa

Velocidade e pôquer

Um dos quadros que decoram a sala em que o empresário recebeu PODER na SBF tem a reprodução de um gráfico com linhas paralelas que sobem e descem abruptamente, como se fosse um eletrocardiograma de um sujeito que sofresse de arritmia severa. Trata-se da telemetria de uma volta que deu a toda velocidade em Maranello, na pista usada pela Ferrari para testes, no norte da Itália. Em alguns quesitos, o desempenho do empresário é bastante similar ao de um piloto da escuderia, embora pudesse ter deixado para frear mais próximo das curvas. Bomfim, que já pilotou kart e recentemente encantou-se com o golfe, anda mais ativo agora num esporte mais estático, ao menos para os membros inferiores. Com outros amigos, ele mantém uma roda de pôquer em Belo Horizonte. O grande “astro” é Eugênio Mattar, sócio e presidente da locadora de automóveis Localiza, que já se classificou em 12º em um campeonato com mil competidores nas Bahamas. “Gosto do pôquer porque ele tem alguns aspectos da vida empresarial, você tem de tomar decisões com parte das informações disponíveis, e o outro tentando dissimular aquela informação”.

Dolce far niente

O falante Sebastião Bomfim || Créditos: Luisa Santosa

Ter passado dez anos sem tirar férias e não ter feito “castelinhos de areia na praia” com Andressa é o grande arrependimento do empresário. “Se pudesse modificar alguma coisa na minha vida, teria tirado férias. Costumava passar os fins de semana em família, mas com a cabeça longe, na empresa. Algum preço se paga para construir algo, e o meu foi esse. Ter sido workaholic por tanto tempo foi a maior besteira que fiz na vida”.

É difícil dizer se a liderança da Centauro teria também sido conquistada se ele relaxasse nos feriados, que “odiava”. Muito das artimanhas do negócio Bomfim aprendeu apenas vivendo no país em que vive, um lugar que, como dizia Tom Jobim, não é para principiantes. “Mais do que isso, o Brasil é hostil aos empreendedores. Não é pró-business. Os governos acham que fazem um favor à atividade econômica deixando-a fluir. Se você chegar em qualquer país do mundo e explicar sua dificuldade a um funcionário, ele irá tentar resolver, decidir. Aqui é zero, zero, zero. Quantas vezes não estamos para inaugurar uma loja com tudo pronto, vendedores dispostos a ganhar suas comissões, a mercadoria ali, e não recebemos uma inscrição, uma licença”, lamenta.

Em sua opinião, o Brasil também tem um problema com o lucro. “Assim como os norte-americanos têm dificuldade para falar de sexo, nós temos para falar de lucro. Parece que sempre há alguém roubando. É uma discussão impregnada por aqui. Na Centauro não temos constrangimento com isso. Se seguidos os parâmetros éticos, lícitos, é uma palavra que tem de ser colocada”. Distante dos políticos – o grupo jamais fez doações para campanhas eleitorais –, ele vê enormes vícios no mecanismo que deu origem ao escândalo da vez. “Quando um empresário faz doação por ideologia é uma coisa, mas doar R$ 30 milhões não é doar, é fazer investimento, é esperar benesses”.

Prêmio dado à empresa que enfeita uma vitrine no térreo do prédio do Grupo SBF || Créditos: Luisa Santosa

Linha própria

Em um movimento comum das redes varejistas, a Centauro também tem produtos próprios, desenvolvidos no Brasil e fabricados na Ásia, em países como China e Paquistão. São peças de vestuário esportivo e acessórios como bolas e bicicletas que representam 15% de todos os itens comercializados pela rede. A ideia é aumentar esse percentual para 22% em 2020, mas nada indica que haverá nacionalização da produção. “A manufatura entrou em curva descendente no Brasil. Desde os anos Collor,  ficou clara a fragilidade do setor”. Bomfim, no entanto, não lamenta esse cenário. “Acho que o agronegócio no Brasil suplanta essa fragilidade, temos clima, solo e um povo empreendedor – a vocação natural do país é o agronegócio. Faltam infraestrutura, estradas e portos para o escoamento da safra. É aí que a gente apanha para caramba”.

por Paulo Vieira para a revista PODER de maio

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