Fundador da Nike lança autobiografia e diz: “Você é as regras que quebra”

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Phil Knight um dos fundadores da Nike || Créditos: Getty Images

No recém-lançado “A Marca da Vitória”, o empresário Phil Knight conta como uma pequena distribuidora de calçados do interior dos Estados Unidos se transformou em símbolo da sociedade de consumo e uma das grifes mais desejadas do planeta: a Nike

por Antonio Bender Mammì para a Revista PODER de novembro

Primeiro funcionário em tempo integral da história da Nike, Jeff Johnson era um sujeito tão exagerado que ganhou o apelido de “Four Factor” (Fator Quatro): quando contava alguma de suas histórias, os colegas tinham de dividir o relato por quatro. A lógica pode ser aplicada às autobiografias de empresários  de sucesso. Se tomarmos como exemplo a hiperbólica A Arte da Negociação, de Donald Trump, a divisão deve ser por oito, pelo menos. No caso de A Marca da Vitória (Sextante), o livro de memórias de Phil Knight, sócio fundador da multinacional norte-americana, mesmo os céticos que duvidarem do grau de veracidade da narrativa e se valerem desse truque de aritmética vão encontrar um resultado expressivo.

A imagem de Knight, por si só, já chama atenção: olhos azuis esbugalhados, cabeleireira loira (hoje grisalha) palha-de-aço, cavanhaque basto. Os feitos de sua carreira são, sem dúvida, superlativos. Afinal, transformou uma pequena distribuidora de calçados do Oregon, na Costa Oeste dos Estados Unidos, na maior empresa de artigos esportivos do mundo, passando a liderar um mercado em que os players, até então, eram conhecidos como Branca de Neve (a Adidas) e os Sete Anões – todos os outros concorrentes, que disputavam o que sobrava.

O livro narra os primeiros 18 anos da companhia, desde a concepção, em 1962  – quando ainda se chamava Blue Ribbon e importava tênis de corrida japoneses – até 1980, quando abriu capital e se lançou no mercado chinês, assumindo posição de dominância. Não cobre, portanto, o boom da multinacional, estrelado por atletas como Michael Jordan, Tiger Woods e Pete Sampras.

O continente asiático foi essencial para a formação da Nike. Depois de concluir seu MBA em Stanford, Knight resolveu colocar sua dissertação de mestrado em prática: quebrar o monopólio da Adidas na venda de calçados esportivos por meio da importação de tecnologia japonesa. Sem nenhum negócio estabelecido e confiando apenas na lábia, o jovem empresário viajou ao Japão e acabou conseguindo um acordo de distribuição com a Onitsuka, empresa responsável pela fabricação do Tiger, tênis de alta qualidade que ainda não havia sido apresentado aos consumidores ocidentais.

Autobiografia sai em novembro pela editora Sextante || Créditos: Getty Images

De volta aos Estados Unidos, Knight iniciou suas operações a toque de caixa. Primeiro, encontrou um sócio de peso: Bill Bowerman, renomado treinador olímpico de atletismo, que se interessou imediatamente pela proposta – a ambição do jovem casava com sua obsessão em conduzir experimentos com tênis de corrida convencionais. Para completar o time, Knight reuniu um grupo de recém-formados, quase todos ex-atletas universitários, e criou uma empresa gerida por corredores, numa época em que a corrida não era um esporte habitual e calçados esportivos não eram usados fora das pistas ou quadras.

Os desafios para fazer a empresa prosperar eram diversos, como atestam as queixas de Knight em relação aos bancos, à época mais avessos a riscos. Os grandes conflitos, no entanto, foram quatro: o rompimento com a Onitsuka e a batalha judicial subsequente; a quase bancarrota e o salvamento da empresa por uma trading também japonesa; a morte prematura de Steve Prefontaine, fundista promissor que despontava como o grande garoto-propaganda; e uma vultosa dívida tributária no fim dos anos 1970, que ameaçou por tudo a perder justamente quando os negócios começavam a decolar.

Mitos e manias

O primeiro tênis da marca || Créditos: Getty Images

Evidentemente, o foco da história é o período de amadurecimento da empresa e Knight se empenha em não fazer um relato estritamente pessoal. É inevitável, porém, que o autor acabe se revelando – de forma muito mais nítida, diga-se, do que em outras autobiografias do gênero, como as de Warren Buffett ou Jack Welch. Além de sua devoção pela livre-iniciativa, ele manifesta verdadeiro fascínio pela história norte-americana. Para colocar os filhos para dormir, recitava adaptações dos anais da Guerra da Independência; seu maior ídolo é o general Douglas MacArthur (um dos próceres do Exército na Segunda Guerra Mundial) e o orgulho que sente por Oregon é evocado numa citação repetida ao longo do livro, que alude à trilha desbravada pelos colonos quando da fundação do estado: “Os covardes nunca começaram, os fracos morreram pelo caminho e nós estamos aqui”.

Frases grandiloquentes, aliás, pontuam o raciocínio e a narrativa de Knight: “Crescer ou morrer” e “Você é as regras que você quebra”, por exemplo, surgem em diversos capítulos e norteiam as decisões do empresário. Há também passagens no mínimo curiosas. Uma particularmente marcante é quando, numa partida de basquete, um dos jogadores é atingido por uma cotovelada que resulta em uma severa fratura em seu rosto. Knight lembra sua satisfação quando, por alguns segundos, as câmeras de TV focalizaram os tênis do atleta nocauteado – a logomarca da Nike era exposta em rede nacional!

Na segunda metade dos anos 1970, com o aumento vertiginoso da demanda por seus produtos, o parque industrial da Nike se espraiava. Além de Japão, Taiwan e Coreia do Sul fabricavam seus produtos. Mas se o relato termina em 1980, a história não para por aí. Em 1996, a revista Life publica a foto de um menino de 12 anos costurando uma bola em uma das fábricas no Paquistão, e a mídia e as autoridades iniciaram uma ofensiva contra a Nike, descobrindo situações análogas à escravidão e exploração de trabalho infantil nas fábricas no Sudeste Asiático. No epílogo, o autor nega ter explorado mão de obra estrangeira, mas admite ter sido relapso quanto às condições de trabalho no exterior. Desde então a empresa tem se dedicado à recuperação de sua imagem, aperfeiçoando a fiscalização e implementando programas de melhoria em suas instalações.

De todo modo, para o bem ou para o mal, Knight será  reconhecido por ter construído um império que produziu os mais célebres sinais distintivos da sociedade de consumo do século 20. Produtos que se tornaram símbolos de pertencimento, sobretudo num período em que o exercício da cidadania é cada vez mais difícil – o funk ostentação não é obra do acaso. Nesse sentido, a frase de um de seus funcionários, proferida em 1970 após o estoque do melhor artigo da Nike, o tênis Cortez, ter se esgotado, soa mais atual que nunca: “A felicidade é uma penca de tênis Cortez; a realidade é uma penca de tênis velhos e gastos”.

 

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