Em parte por causa da quebra do Banco do Vale do Silício, que chacoalhou o mundo financeiro internacional semanas atrás e causou o derretimento de muitos ativos, mas também por conta do perrengue recente que colocou as Lojas Americanas na berlinda, Jorge Paulo Lemann – que é o maior acionista individual da tradicional varejista e também controla a gigante das cervejas Anheuser-Busch InBev, a holding que é dona do ketchup Heinz e o Burger King – viu vários bilhões de seu vasto patrimônio pessoal desaparecerem tão rapidamente quanto a neve cada vez menos espessa, um reflexo do aquecimento global, que no inverno europeu cobre os jardins de seu château localizado às margens do lago Zurique, na Suíça.
Há mais de dois anos detentor do título de homem mais rico do Brasil, que também carregou em outros momentos do passado, agora o bff e vizinho de Roger Federer é o vice-líder entre os mais abastados dos brasileiros, com uma fortuna estimada em US$ 16,1 bilhões (R$ 83,2 bilhões), o equivalente a algo perto da metade do patrimônio que o megainvestidor de 83 anos possuía nem faz muito tempo.
Até aí, nada demais, dado que danças das cadeiras como essa entre os membros do seleto clube dos dez dígitos são até comuns. Dito isso, a “plat de résistance” causada pela queda de Lemann ganhou ares de conquista histórica e – com perdão pelo clichê – também de empoderamento para as fãs do termo, por conta do novo número um entre os 0,00001% dos brasileiros que não se preocupam com seus orçamentos: melhor dizendo, “a nova” número um, que no caso é a sempre elegante e discretíssima filantropa Vicky Safra, a primeira mulher a se tornar a pessoa mais rica do país no qual desde seus primórdios o capital sempre esteve majoritariamente em mãos masculinas. Aqui, um parêntese: Vicky, assim como todas as outras bilionárias brasileiras, herdaram suas fortunas, uma vez que o Brasil ainda está para produzir uma integrante do clube dos dez dígitos “self-made”, ou seja, que tenha conquistado sua própria riqueza sozinha e começando do zero.
Natural da Grécia, país do qual ainda é cidadã, e viúva do banqueiro Joseph Safra, o mais rico dos brasileiros até sua morte em 2021, Vicky herdou do falecido marido que preferia contar seus lucros de cabeça e detestava calculadoras um sem número de negócios e ativos líquidos dos mais variados que somam US$ 18 bilhões (R$ 92 bilhões), cifra que a coloca entre os 330 maiores bilionários do planeta e também no Top 10 das mulheres mais ricas. Na América Latina, só fica atrás da chilena Iris Fontbana, viúva do industrial e magnata das cervejas Andrónico Luksic, que morreu em 2016 e deixou para ela seus quase US$ 23 bilhões (R$118,2 bilhões) acumulados em vida.
Famosa nas altas rodas de São Paulo, entre outras coisas, pelo penteado sempre perfeito no qual nem mesmo com uma lupa se acharia um frizz, a agora matriarca dos Safra, de 70 anos, passa a maior parte de seu tempo em Crans-Montana, também na Suíça escolhida por Lemann como lar permanente por se tratar de um lugar altamente seguro e ideal para levar uma vida tranquila, sem que a maioria da população de lá sequer imagine o tamanho de seu tesouro (que, claro, também inclui joias, barras de ouro e por aí vai..).
Mas a de Vicky não é exatamente uma “vidinha” pacata, já que estão sob sua responsabilidade os mais de US$ 325 bilhões (R$ 1,7 trilhão) em ativos sob gestão administrados em escritórios espadanados por 25 países que funcionam como tentáculos do império financeiro que carrega a prestigiada marca Safra, bem visa desde os primórdios do Império Otomano, e cuja uma fatia majoritária de 51% lhe foi deixada por Joseph, além de um portfólio de imóveis comerciais e residenciais de altíssimo padrão espalhados pelo mundo. Um desses ativos imobiliários, alías, ocupa várias quadras da movimentada Canary Wharf de Londres, não muito longe do “The Gherkin”, o prédio comercial mais famoso da capital inglesa comprado por Joseph em 2012 por US$ 810 milhões (R$ 4,2 bilhões), afora uma participação na líder mundial em produção de bananas Chiquita Brands e o banco de investimentos suíço Safra Sarasin, apenas para citar os bens mais valiosos que agora são dela.
E mesmo sendo a primeira mulher com mais dinheiro na conta do que qualquer outro brasileiro ou brasileira vivos, Vicky enfrenta há mais de um ano um drama familiar constrangedor, já que está sendo processada por seu filho Albert por supostamente tê-lo excluído do testamento multibilionário de Joseph. Brigas assim, meio suburbanas, eram contornadas com métodos de pacificação pelo banqueiro libanês naturalizado brasileiro que preferia ser tratado por José, e que sempre foi um ótimo negociador e apaziguador de ânimos. Mas ninguém imagina como Vicky resolverá a questão com o herdeiro rebelde, embora muitos apostem que a resolução do imbróglio que a faz aparecer na mídia mais do que gostaria seja resolvida com um acordo financeiro muito bem costurado. Nesse sentido, inclusive, há indícios de que a influência de Vicky no reino dos Safra sempre foi maior do que o que quase todo mundo imaginava, e acima de tudo o real motivo por trás da misteriosa desavença épica que fez os integrantes da família mais rica em terras brasileiras parecerem personagens de novelas escritas por Silvio de Abreu, nas quais o grande vilão da trama era revelado somente no último capítulo. O da “novela Safra”, por sua vez, está longe da exibição dos créditos finais, com prováveis muitas reviravoltas em sua trama surgindo nas cenas mais cativantes.