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Henrique Meirelles, ministro da fazenda || Créditos: Getty Images

Henrique Meirelles chegou ao Ministério da Fazenda para acalmar o mercado e reequilibrar as contas públicas. Fez da PEC 241, Proposta de Emenda à Constituicão que limita gastos por 20 anos, seu cavalo de batalha, deixando as reformas previdenciária e trabalhista para outra hora. Seu discurso monotemático pode ser tedioso, mas, diferentemente de seus colegas de Esplanada, em sua boca não entra mosquito

por Paulo Vieira para a revista PODER de novembro

Ministro da Fazenda, homem forte de Michel Temer e durante oito anos presidente do Banco Central nos dois mandatos de Lula (2003-2010), Henrique Meirelles tem passado as últimas semanas entoando um samba de uma nota só: a de que a PEC 241, Proposta de Emenda à Constituição que congela a despesa primária do governo federal por 20 anos, apenas atualizando-a pela inflação do exercício anterior, é a panaceia para todos os males brasileiros. Sem ela é pau, é pedra, é Sodoma e Gomorra, ou, para usar suas palavras, “inflação e aumento da carga tributária”.

Gestada pelos técnicos do ministério, a 241 seria a solução para o descalabro da dívida pública, que, em 2015, cresceu 15 pontos e chegou a 66,2% do PIB – em 2010, ao fim da Era Lula, a relação dívida/PIB era de 51,8%. Mas a proposta vem sendo bombardeada por sindicalistas, partidos de oposição e até por economistas ligados ao governo, que veem em sua aprovação no Congresso ameaças à saúde, à educação, à assistência social e ao já baixo poder de compra do salário mínimo. Bem menos ressabiado está o lado do capital, que vem acolhendo as ideias do ministro com entusiasmo.

Foi o que PODER pôde constatar em encontro do grupo Lide, no fim de setembro, no hotel Grand Hyatt, em São Paulo. Empresários ouvidos pela reportagem aquiesceram com a premissa do ministro, estrela do evento, de que era necessário se concentrar na PEC 241, deixando outros assuntos candentes, como as reformas trabalhista e previdenciária, para frente. “Meirelles tem uma história de competência e está certíssimo, é preciso focar”, disse Fernando Alterio, da promotora de espetáculos Time For Fun. O investidor Lirio Parisotto fez coro, mas não demorou a reclamar das despesas trabalhistas. “O custo da mão de obra para a empresa é um horror”, disse, ao final do evento, no café, acrescentando que ele e “todos os empresários” já têm uma previsão em sua folha de custos para processos trabalhistas. Mesmo instado pelo chairman do Lide e mestre de cerimônias do encontro, o ex-ministro de Lula Luiz Fernando Furlan, Meirelles se recusou a falar da reforma trabalhista, motivo de verdadeiro alvoroço entre os presentes. “É preciso atacar um problema por vez. O governo anterior fracassou por tentar atacar todos de uma vez”, disse o ministro.

PODER voltou a encontrar Meirelles em Nova York, em 10 de outubro, um Columbus Day, dia em que a Quinta Avenida é fechada para que a comunidade italiana festeje a memória de seu grande navegador com bandeirolas e fanfarra. Meirelles acabava de se reunir com investidores locais e tentou manter a coletiva improvisada de imprensa nos termos estritos do “é a PEC ou nada”. Coube a PODER mudar um pouco o rumo da conversa ao perguntar ao ministro sua opinião sobre o ex-presidente Lula, homem que lhe abriu as portas do Banco Central, virar réu na Lava Jato. “É um processo normal, investigativo, do qual eu não conheço os dados, não tenho opinião particular”, disse. De bate-pronto, PODER quis saber o que o ministro diria se seu chefe, Michel Temer, também citado em delações premiadas, fosse processado. “Não trabalho com essa expectativa.”

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Créditos: Getty Images e Renato Araújo

É difícil saber onde o media training começa e a determinação férrea termina, mas as entrevistas de Meirelles repetem um mesmo roteiro tedioso, em que é lícito especular sobre quem contribui mais para que o “foco” permaneça na PEC – se os entrevistadores ou o entrevistado. Além disso, Meirelles não se cansa de evocar as mesmas imagens, como a de uma fila enorme de caminhões carregados de grãos em estradas esburacadas do Centro-Oeste e da Amazônia, retrato da deficiência de nossa infraestrutura e, ao mesmo tempo, oportunidade para investidores estrangeiros.

Monólogo Gris

Num governo boquirroto, que não se destaca particularmente pela conveniência do discurso (e às vezes dos atos) de seus ministros, quem abre a boca apenas para falar o estritamente necessário é rei. Desde o interinato de Temer, em maio, já houve ministro sugerindo mudança no sistema de escolha do procurador-geral da República, outro propondo diminuir o tamanho do SUS, um terceiro revogando demissões apressadas e injustificadas. Nesse cenário, o preparado Meirelles e seu monólogo gris devem ser dignos de celebração na Esplanada. Talvez profeticamente, em sua derradeira coluna dominical no jornal Folha de S.Paulo, em 15 de maio, ele escreveu que “para promover as mudanças necessárias (na economia), será fundamental um debate honesto e construtivo e uma comunicação clara e contundente, para que todos entendam os custos e os benefícios das medidas econômicas”.

O ministro tem levado o postulado ao pé da letra e até em cadeia nacional de rádio e TV apareceu para propagar as maravilhas da 241 às vésperas de sua primeira votação na Câmara Federal, mês passado.  Mas nem todos têm a mesma opinião, e a recente polêmica que culminou com a demissão, a pedido, de Fabiola Vieira, especialista em políticas públicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), fundação ligada ao Ministério do Planejamento, serviu para mostrar que a comunicação clara e contundente é de fato um valor em Brasília, mas ela talvez eclipse o debate construtivo. Rebatendo projeções de nota técnica produzida por seus próprios subordinados, o presidente da entidade, Ernesto Lozardo, fez questão de deixar claro que “a posição institucional do Ipea é favorável à PEC 241”. A tal nota, a 28, assinada por Fabiola Vieira e outro colega, calculava perdas de até R$ 743 bilhões na saúde com a entrada em vigor da PEC.

Fiador da Economia

Meirelles não era a primeira opção de Temer para a Fazenda, segundo se noticiou, mas já que o presidente não tinha tu, que era o economista carioca Armínio Fraga, coincidentemente seu antecessor no Banco Central, o “vai tu mesmo” acabou sendo esse filho da aristocracia política de Goiás que, em 2002, teve a maior votação proporcional da história do estado – Meirelles acabou nem dando início ao mandato de deputado federal pelo PSDB ao preferir assumir o BC no governo Lula. Pesou na escolha de Temer o fato de Meirelles ser um quadro com os dois pés no “mercado”, essa entidade amorfa que parece sempre levar o Brasil no bolso, e, portanto, homem capaz de apascentar os sempre sensíveis agentes financeiros. Como presidente do Banco Central por oito anos, após uma carreira vivida no BankBoston (e depois de sua fusão com o grupo Fleet, no FleetBoston), ele levou a fama de ser “fiador” da economia do governo Lula, junto com o moderado Antonio Palocci – hoje mais um “behind bars” na República de Curitiba. Juro alto era a profilaxia do goiano para conter arroubos desenvolvimentistas, mas nesse particular Meirelles acabou por ficar bem na fita, deixando, em 2009, a taxa Selic mais baixa da história. No campo simbólico também colheu: com ele, a presidência do Banco Central ganhou status de ministério.

Previsibilidade é um valor caro aos gestores econômicos, mas, com os promotores da Lava Jato ainda rolando os dados – e agora com um novo convidado graúdo nos porões de Curitiba, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha –, persegui-la pode vir a ser apenas o sonho de uma noite de verão. Mas Meirelles vê sinais positivos no ar, especialmente a curva de confiança empresarial, indicador que, segundo disse no encontro do Lide, “já está subindo”.

Outro sinal positivo para o ministro é o fato de não ter sido arrolado na Operação Greenfield, mais uma do amplo guarda-chuva da Lava Jato, que apura suposta gestão fraudulenta nos quatro maiores fundos de pensão do país. Segundo o Ministério Público Federal, já foram firmados compromissos para reaver R$ 2,2 bilhões em caso de condenações judiciais. Um dos grupos empresariais envolvidos é o J&F, que tinha a presidência do conselho consultivo ocupada justamente por Meirelles (até ele ser chamado por Temer). O Ministério da Fazenda foi claro, contundente e rápido ao esclarecer por meio de nota que “os serviços prestados por Meirelles se concentraram na montagem do Banco Original”, empresa do J&F que não é alvo de investigação.

Num momento em que ter o nome citado na Lava Jato parece ser intrínseco ao exercício do poder em Brasília, ficar longe do turbilhão é bom para o moral. E para a paz dos mercados.

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Créditos: Fredy Uehara e Divulgação Câmara Federal

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