Paula Lima revela o impacto de “A Voz Suprema do Blues” na sua vida e carreira: “Senti na pele a dificuldade que é dizer quem manda quando se é uma mulher negra”. Ao papo!

Paula Lima || Créditos: Divulgação / Reprodução

Indicado a cinco categorias no Oscar 2021, “A Voz Suprema do Blues” conta a história de Ma Rainey, a lendária mãe do blues. A produção é baseada na peça de teatro “Ma Rainey’s Black Bottom” e narra um conto sobre a exploração da cultura negra na mão de produtores brancos. Com Viola Davis e o eterno Pantera Negra Chadwick Boseman como protagonistas, ambos indicados ao prêmio de Melhor Atriz e Ator, a trama traz à tona a importância histórica dos movimentos de resistência negra, principalmente a Black Music, no cenário cultural.

E é aí que entra Paula Lima, uma das representantes da música negra no Brasil, que em papo com Glamurama, contou que assistir ao longa, para ela, foi quase como se olhar em um espelho: “Em vários momentos me identifiquei com a história de Ma Rainey. Os problemas que ela tem com o produtor, eu já tive com alguns durante a minha carreira. Senti na pele a dificuldade que é se firmar e dizer quem é que manda quando se é uma mulher negra em um ambiente dominado pelos homens brancos, como é na música”.

A cantora e compositora, que diz ser uma grande fã das histórias antigas, rasgou elogios à obra que ganhou os prêmios de Melhor Maquiagem e Cabelo e Melhor Figurino na noite desse domingo. “Encaro como uma chance de voltar ao tempo e olhar para os nossos antepassados. Consigo entender o que acontecia na época, porque as pessoas tinham as feridas que carregavam e como se comportavam em relação ao assédio e à violência que sofriam”, contou.

A seguir, confira a entrevista exclusiva da artista ao Glamurama. (por Alicia Gouveia)

ARTE E REALIDADE

Para Paula, toda manifestação artística fala sobre o tempo em que se vive, seja ela em formato de filme, série, peça, quadro ou versos. “Eu acredito que quando você transforma uma pauta social em arte ela tem o poder de atingir muitas pessoas e se tornar viral. A realidade e a arte se misturam. Sempre tive em mim que a música é a minha forma de manifestação, o espaço que eu tenho para me colocar e, por isso, considero de extrema importância que os artistas tenham esse posicionamento político e senso de responsabilidade social”, pontuou.

PASSO DE FORMIGUINHA

Apesar de celebrar todas as vitórias e avanços nas questões de igualdade de raça e gênero, a cantora acredita que ainda existe um longo caminho a percorrer: “Não dá para negar as mudanças positivas, até porque são elas que nos dão forças para continuar, mas ainda há o que conquistar. A internet revolucionou muita coisa, empoderou, trouxe liberdade e nos mostrou que não estamos sozinhos. Permitiu que a gente se colocasse nos espaços e exigisse respeito. Mas, mesmo com toda essa informação disponível, sinto que ainda temos que dar muita explicação. Fico decepcionada quando vejo que algumas pessoas não entendem a ofensa, o desrespeito e taxam tudo como brincadeira em uma tentativa de minimizar a dor que causou no outro”.

LÁ E CÁ

Nascida nos Estados Unidos, a Black Music tomou rumos muito diferentes em outros países. Enquanto lá ela foi acompanhada por um forte movimento social e levantada por nomes como Martin Luther King, Malcom X e Marvin Gaye, aqui a expressão musical foi diferente. “Quando a música negra chega, a gente dá uma bela ‘abrasileirada’ e ela vira uma árvore gigantesca com ramificações. E, aqui, ela não teve esse apelo social tão forte, apesar do preconceito gigantesco e velado que a gente sofre, mas falava mais das nossas raízes, da religião, do amor, das festas negras, da história da negritude de maneira geral. Os nossos maiores nomes com certeza são: Tim Maia, Gilberto Gil, Jorge Bem Jor, Trio Mocotó, Bebeto, Djavan, Fundo de Quintal, Martinho da Vila, Clementina de Jesus, dona Ivone Lara e Juvelina Pérola Negra. Também não posso deixar de citar a importância do rap e hip-hop. São dois ritmos que, tanto lá quanto aqui, denunciam a violência policial e racial, falam do cotidiano das ruas e sobre como é ser negro no mundo. São revolucionários por essência e esse é um grande paralelo entre os dois países”, afirma Paula.

POSICIONAMENTO NAS REDES

Superativa nas redes sociais, onde acumula mais de 200 mil seguidores, Paula faz questão de levantar suas bandeiras e deixar seus posicionamentos claros. “Nem sempre foi assim, mas chega uma hora que as injustiças nos pegam de uma maneira diferente e aí fica insustentável. Rola aquele medo do público não entender, de ser rejeitada ou de passar por ‘raivosa’, mas até esse receio vai embora porque fica muito claro o que é certo e o que é errado. Então, entendi que, sendo uma pessoa pública, preciso usar deste meu espaço” contou a artista ao lembrar que o grande gatilho para essa virada no comportamento foi o assassinato da deputada Marielle Franco, em 2018, no Rio de Janeiro.

“Aquele momento foi um divisor de águas para mim. De lá para cá, a necessidade de expor as minhas reflexões de forma direta e objetiva foi só aumentando. A morte brutal de George Floyd, o crime contra a vida de João Pedro e de tantos outros brasileiros vítimas do racismo e da violência só acentuaram essa minha vontade. Hoje penso que se eu atingir uma só pessoa, já estou provocando a mudança”, acrescentou.

RADAR E PROJETOS FUTUROS

Quando perguntada sobre o que anda a inspirando ultimamente, ela sorri e diz: “No momento estou apaixonada pela música do Bruno Mars com o Anderson Paak (Leave The Door Open). É uma delícia, e acho que é uma das coisas mais legais que foram feitas nesses últimos tempos. Também indico a série “Them”, que tem causado um certo burburinho, mas achei genial. Maratonei em dois dias e o saldo foi muito positivo para mim. Apesar dos gatilhos violentos, acredito que tenha até me fortalecido para ter mais coragem. Também não posso deixar de sugerir meu programa de rádio o Chocolate Quente, todas as terças e domingos, na Rádio Eldorado”, indicou.

Sobre projetos futuros, a cantora nos surpreendeu com alguns spoilers e garantiu que teremos álbum novo entre o fim deste ano e começo do próximo. “Quero falar sobre esse momento que estamos vivendo e sobre o mundo que habita em mim, trazendo questões da negritude e da cidadania, mas sinto que preciso desenvolver este novo projeto junto ao público e para isso tenho que estar de volta aos palcos”, explicou. De toda forma, os fãs e admiradores de Paula Lima já podem respirar sossegados, a cantora confirmou que em breve deve lançar um single com uma participação pra lá de especial. Ansiosos?

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