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Créditos: Alexandre Makhlouf e Maria Antônia Anicetto
||Créditos: Alexandre Makhlouf e Maria Antônia Anicetto

 

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Entre um sushi e outro, Luiz Carlos Bresser-Pereira – ex-ministro dos governos Sarney e FHC – teoriza sem parar, diz que o problema do Brasil é cambial e que sem um novo pacto entre classes não há saída para retomar um ciclo de desenvolvimento

Por Fábio Dutra para a revista PODER de junho 

Em meio a crises políticas de toda sorte, panelaços, gritaria por impeachment, incertezas econômicas e um ajuste fiscal nos moldes liberais que afastam o PT de sua base eleitoral de origem, convidamos Luiz Carlos Bresser-Pereira para almoçar. Afinal, qual o tamanho da crise em que estamos e para onde devemos rumar? Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda, de José Sarney, e da Administração Federal e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia, de Fernando Henrique Cardoso, fundador do PSDB e um dos responsáveis pela criação do curso de economia da Fundação Getulio Vargas, tem várias ideias sobre o assunto. Ele voltou recentemente ao noticiário de forma bombástica: primeiro por declarar voto em Dilma Rousseff durante a campanha de 2014; e depois por afirmar, em entrevista à Folha de S.Paulo por ocasião do lançamento de seu mais recente livro, A Construção Política do Brasil (Editora 34), que a gritaria das ruas se dá por ódio de classe: os ricos estariam insatisfeitos com a opção do Partido dos Trabalhadores pela população pobre. O alvoroço foi grande e o professor foi alvo de todo tipo de crítica por parte até de muitos de seus amigos. As mais ácidas dão conta que seu Plano Bresser, um dos muitos pacotes que tentaram combater sem sucesso a hiperinflação nos anos 1980, foi um fracasso por sua incompetência. Bresser-Pereira (contração que operou para ser academicamente citado pelo nome famoso – “ninguém me conhece por Pereira e isso dificultava para encontrar meus textos ou associá-los a mim”) não passa recibo: “As condições políticas eram terríveis e Sarney não parecia disposto a enfrentar os diversos interesses em jogo para colocar o plano de pé. Por isso, saí do governo, voluntariamente, em pouco tempo”, conta ele, que chegou a ir aos Estados Unidos negociar a moratória brasileira. Ele vê, sim, uma crise do crescimento que seria responsável pelo rompimento do pacto nacional da burguesia com Lula, mas que tem raízes mais profundas que precisam ser enfrentadas para o país se desenvolver de fato e não só crescer em ciclos curtos. E segue sustentando que não existe preocupação, mas ódio: “Fui executivo do Pão de Açúcar por muitos anos, o que me permitiu acumular um patrimônio considerável e fazer parte da classe mais alta do país. Eu conheço bem como pensam meus amigos”, garante.

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||Créditos: Alexandre Makhlouf e Maria Antônia Anicetto

SAMBA DE UMA NOTA SÓ

Bresser-Pereira chega para almoçar de paletó sem gravata e jeito de banho recém-tomado. Ele conta que pratica natação todos os dias na casa em que mora, no bairro Cidade Jardim, em São Paulo, daquelas com vista para o Jockey Clube. Nada mal para um senhor de 80 anos. Ainda esperamos pela mesa no bar do Kosushi e, antes que pensássemos que falaríamos amenidades para quebrar o gelo, o professor já começa a falar de economia, de pesquisa e de sua mais nova tese, segundo ele originalíssima, o neodesenvolvimentismo. Como uma metralhadora, ele explica um dos pontos centrais, entre tantos outros que seguirá explanando durante o encontro: a importância da separação da economia entre setores competitivos e não competitivos. “Onde há concorrência, mercado. Não há nada melhor que livre concorrência. Mas alguns setores têm de ser regulados, planejados, porque não há mercado de fato, infraestrutura, principalmente”, explica, para espanto geral, já que ele foi ministro do governo FHC, responsável pelas privatizações de muitas empresas estatais e defensor do setor privado para salvar o país da incompetência do serviço público. “Algumas privatizações foram um absurdo. Veja o caso das telefônicas, quando permitimos que o governo espanhol subsidiasse a compra de empresas brasileiras, foi entrega pura e simples”, critica ele, que é muito amigo e defensor de Fernando Henrique. “O Fernando acredita em desenvolvimento com poupança externa, nunca foi desenvolvimentista, temos diferenças ideológicas que só fui entender quando já tinha saído do governo e fui ler obras de FHC sobre a Teoria da Dependência depois de uma pergunta que me intrigou durante uma entrevista que dei”, justifica, fazendo o desagravo ao amigo.

Seguimos para a mesa e uma porção de guioza de entrada é providencial: o ex-ministro esportista está com fome e os devora rapidamente. Pedimos logo os pratos, menu executivo do almoço com carpaccio de robalo, misoshiro, sushis variados e tempurá de legumes, para prosseguir com calma no assunto sem que o roncar do estômago atrapalhe. Bresser-Pereira continua sua explicação dos pactos brasileiros, momentos em que o Brasil rumou para o desenvolvimento, segundo ele. A história nacional é dividida em três ciclos: integração territorial, durante o Império; nação e desenvolvimento, de 1930 a 1960, período em que o país se industrializou e fez sua revolução capitalista; e democracia e justiça social, a partir dos anos 1980 até recentemente (hoje, diz, já acabou), em que o combate à desigualdade entra na agenda. Eles só foram possíveis, garante, porque houve vários pactos nacionais entre as classes. A explicação é longa, mas vale: “Dilma chamar Joaquim Levy para a Fazenda representa um grande fracasso para os economistas desenvolvimentistas por ele ser liberal. É um recado: os economistas heterodoxos cometeram erros e precisamos de um ortodoxo para nos salvar. O erro é justamente não terem conseguido honrar o pacto de 2003. Para isso é preciso que a esquerda desista de fazer revolução e se associe aos empresários, se opondo aos financistas e rentistas, o famigerado 1% – que é mais que isso, na verdade. Os salários têm de aumentar e os lucros devem ser satisfatórios, mas os empresários passaram dez anos sem ganhar e, no 11º, 2014, deram um basta”, acredita. Apesar de não comungar ideias liberais, Bresser-Pereira crê que o ajuste fiscal é mais do que necessário. “Ser de esquerda não é expandir despesa pública, isso é besteira. Tem de ajustar, mas o problema do Brasil não é só fiscal, é cambial”, pontua o ex-ministro, quase irritado.

||Créditos: Alexandre Makhlouf e Maria Antônia Anicetto
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Comendo muito rápido, talvez para não atrapalhar a exposição ordenada das múltiplas ideias que deixam seus veteranos olhos brilhando, e rindo a todo momento, quase que num cacoete em busca da aprovação do interlocutor – ou ao menos de um sinal de que está acompanhando o raciocínio –, Bresser-Pereira agora explica a questão cambial brasileira, divaga sobre a crise do euro e derruba as críticas rasas à austeridade, que chama de bobagens do presidente francês François Hollande e outros. Já estamos a quase uma hora no assunto, mas o gás não cessa: “Não há austeridade no Brasil, isso é outra coisa que já explico. Há déficit que deve ser ajustado, mas há um erro no diagnóstico do que ocorreu para as contas baterem no vermelho, principalmente no que concerne à taxa de juros que não precisa ser aumentada, a economia já está mais que desaquecida. Até dezembro de 2012, Dilma estava bem fiscalmente, tinha 2,2 de superávit primário; em fevereiro deste ano já tinha 0,6 de déficit. Piorou 2,8 pontos percentuais do PIB. E sugerem que foi o populismo de Dilma nos dois últimos dois anos. Not true. A despesa de juros aumentou 1,8 e as despesas, outro 1,8 – o que foi errado, mas não foi populismo, e sim desonerações para salvar a indústria. O aumento escandaloso foi nos juros. Mas política industrial não substitui câmbio, o grande problema. Lula recebeu de FHC o real a 5,20 e entregou a 2, valores atualizados, fez populismo cambial. Isso é uma festa se não houver crise: salários, juros e aluguéis aumentam, inflação cai, vai todo mundo para Miami feliz. Palmas. Em 2008 muda tudo e deixamos de exportar e começa a importação de manufaturados, o que demora três anos – e caiu no colo de Dilma Rousseff. A presidente esperava que com a baixa do juros e o aumento do câmbio, voltaria a crescer, o que não ocorreu. Tentou, então, desonerar, mas com um câmbio assim não há quem salve nossa indústria”, conclui, quase melancólico.

VELHO MUNDO, NOVOS PROBLEMAS

Advogado de formação, o “teórico infernal”, como se define, conta que descobriu o Brasil lendo uma revista do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), entidade de economistas desenvolvimentistas de meados do século 20, e foi se especializar em economia. Antes de tornar-se tão somente professor, e um pouco político, fez carreira no Pão de Açúcar de Abilio Diniz, de quem é muito próximo até hoje (Bresser-Pereira foi uma das pessoas que negociou a libertação de Diniz quando ele foi sequestrado em 1989). Entrou na empresa na loja 1 e só saiu quando já eram mais de 500 – apesar de momentos fora da empresa para servir aos governos de que fez parte. Ele comungou ideias com figuras como Yoshiaki Nakano, Nelson Barbosa, atual ministro do Planejamento, e Paulo Nogueira Batista, entre outros. Mas hoje, com sua nova teoria neodesenvolvimentista, se vê um pouco isolado, ao lado de alguns poucos economistas jovens, mas mais próximos dos desenvolvimentistas clássicos do que dos liberais, que entende estarem do outro lado do jogo. Tem diversas críticas à universidade brasileira, à nossa economia e aos modelos ortodoxos internacionais – “o imperialismo está por aí, apesar de dizerem que acabou” –, mas, paradoxalmente (ele nega esse conflito), defende a austeridade europeia. “Austeridade não é ortodoxo. É uma questão da zona do euro – não tem no Brasil, nos EUA, na Inglaterra, como querem dizer – que se faz necessária porque não há como depreciar a moeda uma vez que se unificaram. Houve uma euforia com os juros baixos e os países aumentaram os salários. Consequência: perderam competitividade e as empresas foram mal, passaram a importar mais do que exportar. A solução natural seria depreciar a moeda, o que não podem fazer. Então, foi necessário fazer a chamada austeridade, que não passa de depreciação interna. Corta-se violentamente as despesas do estado, o que gera recessão e desemprego. Assim, os salários caem e o país recupera a competitividade. A Espanha, após um sacrifício tremendo, se recuperou. Já a Grécia, além de tudo, foi irresponsável fiscalmente e terá de fazer como a Argentina, reduzir sua dívida para 25% do PIB, o que só será possível se sair do euro, o que deve acontecer num futuro próximo. Isso não tem nada de ortodoxo”, explica Bresser-Pereira, esgotando de vez o assunto economia – porque já chegou o café e é hora de retomar a vida, jamais por falta do que acrescentar, diga-se de passagem.

SIN PERDER LA TERNURA JAMÁS

Agora o papo é mais ameno e uma das perguntas mais aguardadas acha seu espaço entre um gole e outro do expresso: de onde vem a paixão de Bresser-Pereira, homem de assuntos técnicos e áridos, pela sétima arte? Sim, ele mantém em seu site pessoal um acervo enorme de crítica de cinema, muitas publicadas, e é famoso entre os amigos por conhecer tudo do tema. Ele conta que fez cursos sobre cinema na juventude e nunca abandonou esse lado cinéfilo. Casado desde 1957 – “a vida inteira e mais seis meses”, em suas palavras –, o professor, que credita sua independência intelectual ao fato de não dever satisfações a ninguém além de Vera, sua mulher, aproveita para indicar o filme Cinderela, com Cate Blanchett no papel da madrasta. “Mas só se você ainda for jovem, senão nem adianta. É um filme para quem gosta de conto de fadas e não perdeu a capacidade de sonhar.”

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