Por Caroline Mendes para a Revista PODER de junho
Esta matéria é sobre veganismo, sim, mas as páginas a seguir não contêm imagens fortes de animais sendo cruelmente abatidos, não informam quantos estádios de futebol foram desmatados na Amazônia nos últimos anos para a criação de gado, tampouco tratam direta¬mente de assuntos relacionados aos termos “camada de ozônio”, “escassez de água” ou “fome mundial”. Nada disso. Estamos aqui pa¬ra falar de dinheiro. Money. Plata.
Antes um estilo de vida diferentão, combativo e incomum, o veganismo agora é mainstream. De acordo com o Rabobank, banco líder global em financiamento dos setores alimentício e agrícola, o mercado de alimentos plant-based, como agora é moda falar, é um dos que mais cresce no mundo. Em apenas cinco anos o consumo de proteína não animal deve corresponder a um terço de toda a proteína consumida na União Europeia – e, em 30 anos, deve significar um terço de toda a proteína consumida no planeta.
Paralelamente, nos Estados Unidos, sete das 15 startups do setor alimentício com os maiores investimentos são focadas em comidas e bebidas veganas, com anjos do porte de Bill Gates e Google Ventures. “A indústria da carne moída por si só é enorme nos Estados Unidos, movimentando aproxima¬damente US$ 30 bilhões por ano. Por isso o nosso primeiro produto foi o Impossible Burger”, explica Nick Halla, CSO da Impossible Foods, uma das startups dessa lista, desenvolvedora do hambúrguer vegano campeão de vendas em lanchonetes americanas, inclusive na tradicional rede de fast-food White Castle.
CARNE, EU?
Com sede localizada a cerca de 20 quilômetros do Vale do Silício, na Califórnia, a Impossible Foods foi criada em 2011 por Patrick O. Brown, Ph.D. e professor de bio¬química aposentado da escola de medicina da Stanford University.
Com todo o know-how de uma notória carreira de 30 anos de pesquisas de nível molecular, Brown desenvolveu o chamado Impossible Burger, um hambúrguer feito 100% a partir de plantas (além de trigo, batata e óleo de coco), que, surpreendentemente, “sangra” e vem convencendo, acredite, carnívoros em todo o país. A título de curiosidade, o “sangue” vem de uma substância chamada heme, encontrada naturalmente em abundância em tecidos animais e criada no labora¬tório da Impossible Foods a partir da fermentação de levedura. Com essa “arma sanguinária” e o ambicioso objetivo de, até 2035, substituir todas as proteínas animais, Brown conseguiu captar quase US$ 400 milhões em financiamentos e já vende seus hambúrgueres impossíveis para mais de 1.300 restaurantes nos Estados Unidos e, em abril, lançou seu negócio em Hong Kong. “A Ásia consome aproximadamente 44% de toda a carne produzida no mundo e o consumo está crescendo. Precisamos levar alternativas a esse mercado”, afirma Nick Halla. É claro que ele sabe do que está falando: de acordo com a Statista, empresa americana de pesquisa de mercado, a previsão de crescimento na venda de produtos veganos só na China é de 17% entre 2015 e 2020.
DE GRÃO EM GRÃO
Enquanto isso, no Brasil, um dos maiores produtores e o maior ex¬portador de carne bovina do mundo, o veganismo segue em fogo baixo, mas a demanda por carne vermelha está em queda. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados no mês passado, apontam que, entre janeiro e março deste ano, o número de bovinos abatidos no país caiu 6,9% em relação ao último trimestre de 2017 e o de porcos, 4,7% no mesmo período – o de frango, no entanto, subiu 2,6%. Para o presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), Ricardo Laurino, esses números podem tanto ser um resquício da crise deflagra¬da no setor pela Operação Carne Fraca – que mirou fraudes laboratoriais no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e irregularidades cometidas por frigoríficos de grandes companhias – quanto demonstrar uma vontade da população em diminuir o consumo de carne, seja essa escolha motivada por questões econômicas, socioambientais ou de saúde.
“É difícil cravar uma razão ou outra, mas é evidente que houve uma diminuição na demanda por carne em geral, não só pela vermelha como o aumento no abate de frangos pode sugerir. Se todas as pessoas que deixaram de comprar carne de vaca e de porco tivessem comprado frango, o crescimento da produção desse tipo de carne teria sido muito maior. Os brasileiros estão, sim, buscando alternativas”, crava.
Fundada em 2003, a SVB vem assistindo a um crescimento constante do interesse dos brasileiros por um estilo de vida plant-based, o que invariavelmente aquece o mercado vegano no país. Um dos medidores mais eficientes desse processo é o Selo Vegano, que cer¬[tifica produtos livres de ingredientes de origem animal em sua com¬posição.
“Fechamos 2015 com 140 produtos certificados. Este ano já passamos de 500, sendo que mais de 100 estão em processo de certificação e outros 100 estão aguardando o início das análises”, enumera Laurino. Isso significa que, em apenas três anos, o crescimento desses produtos nas prateleiras de supermercados brasileiros ultrapassou 250% e, hoje, mais de 60 empresas brasileiras carregam produtos com o selo vegano. Entre elas, vale dizer, está a Mãe Terra, marca paulista de produtos naturais e orgânicos que foi comprada pela Unilever em outubro do ano passado em uma estratégia da multinacional de sair na frente na corrida pela liderança do setor de alimentação saudável no Brasil. Outra gigante já tinha tido essa ideia: em abril de 2016, a Ambev comprou a marca carioca de sucos naturais Do Bem, que, em janeiro deste ano lançou uma linha de leites vegetais à base de coco com uma campanha divertida à la millennial vegano disruptivo: “Atualize o seu leite e dê férias para as vacas”.
A mudança estratégica tem um porquê. Pesquisa Ibope Inteligência apresentada no mês passado mostra que 14% da população brasileira se declara vegetariana. Em algumas regiões metropolitanas este percentual sobe para 16%, o que aponta um crescimento de 100% em relação a 2012, quando o mesmo estudo indicou que a proporção nas regiões metropolitanas era de 8%. Isso representa quase 30 milhões de brasileiros adeptos a essa opção alimentar, um número maior do que as populações de toda a Austrália e Nova Zelândia juntas.
“É um caminho sem volta”, afirma Laurino. “O fácil acesso à informação que existe hoje somado à vontade de levar uma vida mais saudável, preservar o meio ambiente e não compactuar com essa indústria da carne revelada pela Operação Carne Fraca fazem com que as pessoas demandem esse tipo de atitude do mercado, que responde. É só uma questão de tempo para o veganismo se difundir.” Animais, de todas as espécies, inclusive humana, esperam por isso.
100% de crescimento da população vegetariana nas regiões metropolitanas
MUITO ALÉM DO PRATO
O mercado de luxo também está em busca de alternativas veganas. Com o termo “couro sintético” caducando, o que se vende agora é “couro vegano” ou “faux leather” e, de acordo com a consultoria norte-americana Grand View Research, esse setor deve atingir um valor de mercado de US$ 85 bilhões até 2025, explorando matérias-primas que vão de folhas de abacaxi e casca de maçã a fibras de cogumelos. Uma das labels na liderança do movimento cruelty-free fashion é a da estilista britânica Stella McCartney, que recentemente fechou uma parceria com uma startup de biotecnologia do Vale do Silício, a Bolt Threads, para o desenvolvimento de seda a partir de levedura e outros tipos de tecidos plant-based. Outra que aderiu ao movimento foi a italiana Gucci, que entrou o ano de 2018 “pelada”, colocando a preço de banana todas as peças de coleções passadas feitas com peles de animais e doando o restante para ações de caridade. Em segmentos diferentes, a italiana Ferrari já oferece estofado vegano em seus carros e a franco-brasileira Veja vem conquistando o mundo com seus sapatos parecem-mas-não-são