Quem acompanha o noticiário sobre a indústria de entretenimento global já deve ter ouvido que Johnny Depp foi a manchete da semana. Aplaudido de pé durante sete minutos logo após uma exibição privée de seu novo trabalho na telona – o romance “Jeanne du Barry”, da diretora francesa Maïwenn – o astro da telona não chegou a receber uma ovação como a que teve Roman Polanski em 2002, no mesmo Boulevard de la Croisette, ocasião em que o cineasta reclamado pela justiça dos Estados Unidos desde que foi considerado culpado por ter abusado sexualmente uma menina de 13 anos lançava “O Pianista”, longa que acabou levando a Palma de Ouro daquele ano, ouviu de seus pares igualmente levantados aplausos calorosos durante pouco mais de dez minutos. Meses depois, a consagração: Polanski ganhou também o Oscar de Melhor Filme na edição de 2003 da maior premiação do cinema, à qual não compareceu, obviamente.
Ainda que interligados, alguns fatos separam a redenção de Polanski, vinte anos atrás, da de Depp, na última terça-feira. Um dos mais chamativos data de 2017 e teve como cenário o mesmo tapete vermelho de Cannes, que então serviu de palco propulsor para o début público do movimento #MeToo, grande estrela do festival há seis anos. E celebrado por muitos dos que bateram palmas nas pontas dos pés para o ator americano de 59 anos, dos quais por quase 40 vive sob os holofotes e o escrutínio do público que também o sustenta. Outro fato que deixa clara a diferença entre Depp e Polanski é que o primeiro é um Pirata do Caribe, um profissional da “Sétima Arte S.A.” com mais de US$ 10,3 bilhões em ingressos vendidos nos cinemas internacionais atrelados ao seu nome. Já Polanski nunca foi comercial, seus filmes são feitos para ganhar prêmios e não para render bônus financeiros aos envolvidos.
E é aí que entra a hipocrisia de Hollywood, um lugar que não vive sem ícones de carne e osso, escolhidos quanto mais rápido suas produções cinematográficas superam a cifra de US$ 400 milhões faturados nas bilheterias – abaixo disso, a turma que realmente dá as cartas por lá, os “cartolas dos estúdios”, consideram como um fracasso. Os aplausos para Depp estão sendo interpretados como uma espécie de “perdão” dado a ele por quase ter jogado a própria carreira no lixo quando foi acusado pela ex-mulher, Amber Heard, de agressão física e psicológica.
E no fim quem levou a culpa foi Heard, depois de um desenrolar de acontecimentos provocados por advogados cujos cachês cobrados para defender Depp são comparáveis aos dos atores mais bem pagos dos EUA. Além das queixas de maus tratos domésticos que recebeu de Heard, o “eterno bad boy” já foi descrito como péssimo companheiro de trabalho, do tipo que abusa da hierarquia e causa o caos muito além dos sets de filmagens. No processo movido por Heard em que foi réu, também foram ouvidas ao menos outras três mulheres que o acusaram de importunações sexuais.
Hollywood – e os americanos, de maneira geral – adoram uma história de superação. E muitas são realmente inspiradoras, ao exemplo da de Robert Downey Jr., que superou o vício e álcool e drogas para se tornar um dos maiores nomes do showbiz internacional, apropriadamente graças ao personagem dos quadrinhos ao qual deu nova identidade nas superproduções da Marvel. O diferencial é que o Homem de Ferro da vida real, quando estava na pior, fazia mal a si mesmo e pagou caro por isso. A mídia americana já está comentando sobre conversas que Depp anda tendo nos bastidores, desde seu triunfo em Cannes, para futuros trabalhos. Um dos últimos grandes dele foi em “Animais Fantásticos”, da Warner Bros., que o demitiu antes mesmo da sentença que resultou em um prejuízo de US$ 15 milhões para Heard. E a Disney, que igualmente se afastou do contratado tão cultivado nos tempos de “Piratas do Caribe”, pode eventualmente tirar da gaveta um novo capítulo da lucrativa franquia feito sob medida para Depp, um afago e tanto vindo justamente da marca de mídia mais valiosa e famosa do mundo para alguém que personifica como poucos a verdadeira essência hollywoodiana.