Ary Fontoura é um desses medalhões da dramaturgia nacional, que conta com mais de 60 anos de carreira, entre tablado, TV e cinema. O ator, que tem a comédia como um de seus maiores trunfos, está em cartaz em São Paulo com a peça “Num Lago Dourado” – obra que se tornou também clássico do cinema, com Henry Fonda, Katharine Hepburn e Jane Fonda. A comédia romântica escrita por Ernest Thompson quando tinha apenas 28 anos de idade, além de falar sobre o amor na terceira idade, ressalta a importância dos valores familiares e do encontro real, o que faz dela obrigatória nos tempos atuais, de relações “descartáveis”, como disse o ator em entrevista ao Glamurama.
Com direção de Elias Andreato, a peça, que estreou em 2017 e reestreou em São Paulo recentemente, leva o público da risada à emoção em um piscar de olhos. Abaixo, nosso papo com Ary Fontoura. Abram as cortinas!
Glamurama: Você foi indicado ao Prêmio Shell de melhor ator por “Num Lago Dourado”. O que o papel representa a você, como ator, a esta altura da vida?
Ary Fontoura: “Foi um presente. Quando me convidaram para fazer esse espetáculo ficamos durante um ano em negociações – eu não sabia se teria agenda por conta da TV e ela demandava um preparo especial. Surgiu uma oportunidade e, para a minha surpresa, acabei ganhando o prêmio. As pessoas gostaram do meu desempenho, do tipo de comédia que faço, tudo muito elaborado e direção precisa. Estreamos e fizemos um sucesso que se prolonga até hoje. Eu assisti esse trabalho pela primeira vez nos anos 1980, uma das últimas peças que Paulo Gracindo fez – um trabalho muito bonito. É uma peça fadada ao sucesso, que aborda um problema familiar: pai e filha que não se dão bem, que tem pensamentos completamente opostos e não conseguiam entender o modo de viver um do outro.”
Glamurama: A peça fala muito sobre o amor na terceira idade. Qual a diferença entre o amor maduro e o amor na juventude?
Ary Fontoura: “As relações humanas são muito superficiais hoje em dia. As pessoas não se doam aos outros porque têm medo de sofrer, e por consequência não vivem uma situação ao extremo, uma situação de amor e afeto um para o outro. E também tem o lado da dificuldade que surge com essa facilidade em se ter relações, o ser humano ficou muito descartável. É uma questão de afeto puro e verdadeiro que você tem que viver com aquela pessoa até a morte, mesmo que a intensidade do sexo já não seja a mesma, enfim, antes de mais nada deve se tratar de uma amizade profunda, que terá sim seus desdobramentos, mas não acabará. Quando você gosta de alguém, você gosta realmente, e na peça a gente prova que casais podem tranquilamente fazer bodas de prata, de ouro, quando se tornam grandes amigos. Um é imprescindível para o outro. A vivência ajuda demais, o tempo vai passando e sendo consumido e você vai sentindo que as coisas verdadeiras devem permanecer, e que o amor não é uma brincadeira. Alguns passam pela vida amando loucamente e se esquecem da qualidade dos afetos. Isso sempre foi assim. No espetáculo falamos que a vulgarização do afeto é um perigo, que o mundo está se brutalizando e que as pessoas se distanciando cada vez mais uma das outras.”
Glamurama: Relações familiares também entram em cena. O que a plateia deve absorver sobre isso como forma de tornar a ida ao teatro transformadora?
Ary Fontoura: “Existem vários fatores. O primordial é que a peça é uma comedia e por isso divertidíssima. Meu personagem é muito irônico, vê a morte de uma forma muito peculiar com a vida avançada. A história fala de um casal que vai passar uma temporada na casa de campo deles, comemorar aniversario de casamento, quando a filha recém-casada chega com o enteado. Na verdade, o que ele sempre quis na vida era ser avô ou pai de um garoto, mas nunca conseguiu. E o dialogo se desenvolve como uma onda onde você está rindo e, sem perceber, se comove. Depois de assisti-lá muitas pessoas nos dizem que coisas parecidas acontecem ou aconteceram em suas famílias.”
Glamurama: Aliás, o teatro hoje enfrenta uma crise. Lotar um espetáculo nunca foi tão difícil… Além da crise financeira, você acha que isso está ligado a um despreparo das pessoas para cultura da dramaturgia?
Ary Fontoura: “Eu tenho quase 60 anos de profissão e sempre ouvi que o teatro ia morrer, e o teatro permanece. Essas coisas não acabam assim, seja a crise que for. O que existe é uma falta de comunicação e atenção maior em função dos poderes públicos. Coisas que deveriam ser corrigidas que são essenciais para que o teatro esteja presente na vida das pessoas. Veja que absurdo: você estuda teatro, leva 4 anos para se formar, pode dirigir, atuar, é mestre, mas não tem uma escola para lecionar porque teatro não é uma disciplina obrigatória. Na Argentina, por exemplo, os jovens tomam conhecimento da importância do teatro no primeiro momento que vão à escola. Todos estudaram os clássicos, a filosofia que abrangem todas as peças de teatro. Gostar de alguma coisa vem do hábito que se tem, e se o país não tem essa cultura de ir ao teatro evidentemente sofre um pouco mais. E a renovação que se vê infelizmente é muito pequena. Você olha para a plateia e observa, sobretudo no final, quando as luzes se acendem, que o número de pessoas de cabelo branco e óculos é enorme, o que significa que os jovens não estão indo ao teatro pela ausência do habito, e isso é cultural.”
Glamurama: Com tantos anos de carreira imagino que você já tenha visto de tudo. Algo ainda te surpreende? O que?
Ary Fontoura: “Claro, a vida está aí se renovando e pronta para surpreender. Eu fiz muita coisa na TV, teatro e cinema, fiz e faço com o mesmo carinho porque todos os veículos são importantes. Não desprezo nenhum. Tem pessoas que acham que fazer TV é um desfavor para o teatro, e não é não, é um teatro na TV. Fiz mais de 50 novelas, e não vejo nenhum problema em que se comuniquem, isso é muito importante. Teatro é a primeira das artes, a mais importante delas. Já fiz tantos clássicos sem me preocupar se era algo imprescindível. Eu não premedito nada, sou muito racional nesse ponto. Tenho uma filosofia de vida: o ontem já era, o futuro é hoje. Não adianta começar a pensar que vai fazer tal coisa porque não depende só de você, e vamos seguindo a vida fazendo o que aparece. Não tenho pretensões, as coisas vão surgindo…”
Glamurama: Na sua opinião, qual foi a fase mais especial da TV desde que você iniciou sua carreira?
Ary Fontoura: “Todas têm sua importância de acordo com a época que se fez e a tecnologia também contribui para uma melhora que transforma o trabalho. Uma novela equivale a vários filmes – se fosse converter tudo o que já fiz daria uns 800 filmes! É um trabalho rigoroso, dificílimo, mas muito desafiador, vale a pena. Elas [as novelas] vão se modificando como a vida, em todas sempre têm alguma coisa interessante. Em ‘Orgulho e Paixão’, por exemplo, novela baseada na obra de Jane Austen, foi feita uma adaptação primorosa da Inglaterra de 1800 para a época do café, no interior de São Paulo. Eles quiseram abordar também a libertação da mulher, que na época acontecia em doses homeopáticas. Achei que daria uma trabalheira danada e fizeram isso de forma brilhante.”
Glamurama: E na Globo, a vida do artista lá dentro mudou muito? Muita gente foi dispensada… Como é seu contrato com a casa? Você está lá ha quantos anos?
Ary Fontoura: “Não vejo mudanças radicais, sempre foi assim: você pode ser contratado por uma obra específica ou ter um contrato. Eles têm que garantir esse casting. Vejo a globo como uma grande empregadora. Estão construindo oito novos estúdios no Rio.”
Glamurama: Você é um exemplo de vitalidade. Como se cuida?
Ary Fontoura: “Eu tenho procurado me manter através do tempo me cuidando bastante. Tenho uma vida saudável, como bem, durmo bem, faço exercícios, ando demais…” (Por Julia Moura)
“Num Lago Dourado”, em cartaz até o dia 16 de dezembro.
Teatro Novo: Rua Domingos de Moraes, 348 – Vila Mariana
Informações: (11) 3542-4680
Ingressos à venda por R$ 70 (sexta-feira) e R$ 80 (sábado e domingo) pelo site www.ingressorapido.com.br
Sexta e Sábado às 21h | Domingo às 18h
Duração: 90 minutos
Classificação indicativa: 10 anos