Recordar é viver! Edições passadas das revistas J.P, PODER, Modo de Vida e MODA vão ressurgir com a seção “Baú Glamurama”. A matéria da vez é “Meninas do Rio”, da revista J.P, de Renato Fernandes, nosso colaborador. Abaixo, volte no tempo para o Rio de Janeiro do fim do século XIX, época que nasceram musas como Leila Diniz, Annik Malvil e Maria Lucia Dahl.
Naquele Verão
O Rio de Janeiro é o cenário dos sonhos para novelas, filmes, editoriais de moda… e musas. As cariocas, nascidas ou não lá, inspiram poetas, pintores, escritores, fotógrafos, cineastas e, claro, nós jornalistas.
Em 1954, o colunista social Jacinto de Thormes publicou na Revista O Cruzeiro a primeira lista das Mulheres Mais Bem Vestidas do Ano. Para revidar, seu colega de redação, o jornalista Sergio Porto – sob o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta –, expert em teatro de revista, lançou a lista das Mais Bem Despidas do Ano. Nasciam, então, As Certinhas do Lalau – mulheres estonteantes que insinuavam muito e mostravam nada em muitas fotos assinadas pelo mestre Valentin. Entre elas, figuraram Carmen Verônica, Norma Benguell, Elizabeth Gasper e até mesmo Betty Faria. Stanislaw colocava a mulher em evidência por amor ao belo e a transformava em musa da nação.
No mesmo ano, o colunista Ibrahim Sued lançava bombas também em suas colunas no jornal O Globo e revista Manchete, com panteras, cocadinhas e locomotivas – como ele se referia às musas da sociedade, mulheres que ditavam moda e comportamento.
Já em 1966 chegava às bancas a revista Fairplay, precursora de Ele Ela, Status e Playboy. Com 54 edições, a revista já tinha colaboradores como Ruy Castro – um adorador de musas e mulherólogo de primeira – e trazia a nudez inesperada e desejada de Vera Barreto Leite, Valentina Godoy, Marisa Urban, Ítala Nandi, Geórgia Moll, Odete Lara, Rosana Tapajós e Annick Aimmé.
“Sim, o Rio de Janeiro criava musas. Porque havia condições para isso. Uma garota saía na rua, começava a ser notada, alguém ia conversar com ela e percebia que, além de bonita, ela era interessante como pessoa, e só então se descobria que já havia muito mais gente de olho nela. Um ou dois verões depois, nascia –espontaneamente – uma musa”, conta Ruy Castro, autor também do livro Ela é Carioca.
“Para ser musa, não basta ser bonita, tem que ser carismática e inteligente”, rebate Marton Olympio, diretor do programa Musas, do Canal Brasil, onde todas as terças-feiras, à meia-noite, uma musa brasileira é retratada. Musa burra? Nem pensar. Não vinga. Outra coisa é certa: colunistas sociais, jornalistas e escritores sempre precisaram de suas musas para viver. De amor.
Leila Diniz: a musa das musas
A atriz Leila Diniz (1945 – 1972) se tornou símbolo de liberdade, da mulher que podia transar sem ser por amor. E, claro, pagou caro por isso. Tudo em consequência de uma entrevista que Leila concedeu ao semanário Pasquim, em 1969, em que foram contabilizados nada menos que 72 palavrões. O jornalista, amigo e ex-namorado de Leila, Tarso de Castro é que teve a ideia de substituir palavrões por asteriscos: escândalo nacional. O jornal vendeu 117 mil exemplares. Para Leila, rendeu o desemprego.
Frases antológicas, como “você pode muito bem amar uma pessoa e ir para cama com outra. Já aconteceu comigo”; “já amei, já corneei. Eles entenderam e não teve problema nenhum. Somos todos uma grande família”; “quando eu quero, eu vou com o cara. Não tem esse negócio do cara não querer. Porque mando logo o cara tomar no (*)”, saíam da boca de Leila com a maior naturalidade, num Brasil em plena ditadura militar. A partir dessa publicação, foi instaurada a censura prévia à imprensa, mais conhecida como Decreto Leila Diniz. Estrela da Rede Globo, Leila teve de engolir: “Não temos papel de puta na próxima novela”.
Foi o apresentador Flavio Cavalcanti, na Rede Tupi, que lhe acolheu, dando emprego em seu júri e a escondendo em sua casa de Petrópolis – sim, depois das declarações, Leila passou a ser perseguida pela polícia militar e virava manchete toda vez que uma notícia a seu respeito era veiculada. A musa, então, virou mito.
Em 1970, quando resolveu ir à praia de Ipanema grávida do cineasta Ruy Guerra e de biquíni, mais escândalo: até então, mulher não podia mostrar o barrigão – tinha de usar batinha.
Em 1972, a atriz foi ao Festival Internacional de Adelaide, na Austrália, divulgar seu filme “Mãos Vazias”, dirigido por Luiz Carlos Lacerda. A saudade da filha Janaína era tão grande que Leila resolveu antecipar a volta ao Brasil. Em 14 de junho de 1972, um avião DC-8 explodiu em Nova Deli. A atriz Leila Diniz, 27 anos, estava a bordo. Não houve sobreviventes. Leila? Não, Leila Diniz não morreu. E não morrerá jamais.
Annik Malvil: musa das marchinhas
Em maio de 1969, a revista Fairplay trouxe a surpreendente nudez de Annik Malvil, atriz deslumbrante nascida na Bélgica, que aterrisou em São Paulo em 1954 e se jogou nos palcos paulistanos depois de ter badalado por toda Paris.
Annik foi também Certinha do Lalau em 1962, musa inspiradora de marchinhas do Carnaval, como a Tem Francesinha no Salão, cantada por Emilinha Borba, e a primeira atriz a desfilar numa escola de samba: saiu como passista da Mangueira durante 18 anos.
Na moda, ela era também era musa, tida como a modelo que lançou o vestido tubinho nas passarelas.
Annik despertou muitos amores, mas foi o galã brasileiro Milton Rodrigues – que fez carreira internacional – que ganhou o coração da musa. Como atriz, foram 18 filmes, até a chegada da pornochanchada, que fez Annik deixar o cinema.
Ela então foi trabalhar com turismo, e pilotou uma agência de viagens de 1975 a 1991. Depois, foi morar em Miami.
Em 2006, Annick resolveu voltar. “Minha vida é feita de ciclos, viro a página de 10 a 13 anos mais ou menos. Quando morrer, vai ser no Brasil!”. Hoje, ela continua atuando como guia de turismo no Rio, se mantém belíssima, e acaba de abrir um Bed and Breakfast, na Barra. Mantém o corpo com tai chi chuan e hidroginástica. “Faço tudo de bicicleta, carro nem pensar”. Idade? Nem pensar. Musa, não tem idade.
Maria Lucia Dahl: musa do Cinema Nacional
Bem-nascida, com pai economista e estudante do Sion, Maria Lucia foi criada para ser princesa… e viveu uma virginal bela adormecida no filme Pobre Príncipe Encantado, de 1969, quando o cantor de iê, iê, iê Wanderley Cardoso caía ao seus pés e Daniel Filho estreava na direção.
Acontece que de beleza virginal, Maria Lucia nunca teve nada. Sua sensualidade é nata, transmitida no olhar e na suave voz rouca que levou muitos homens à loucura.
Fora isso, ela é um nome importantíssimo na cena cultural carioca: 20 anos de crônicas publicadas no extinto Jornal do Brasil impresso, cinco
livros – entre eles a biografia de Antonio Bivar – e ainda é membro da Academia de Letras de Petrópolis.
Na realidade, Maria Lucia nunca quis ser nem atriz, nem escritora. Queria ser, desde pequena, turista. Conseguiu!
Namoradeira, viveu sob o efeito das paixões. Namorados? Sim, muitos. Amante, um só – um segredo trancado a sete chaves. Maridos, dois. Com o cineasta Gustavo Dahl, viveu um dos primeiros casamentos abertos do Rio. Falência total do estilo relação aberta: numa festa foi proibida de dançar com Soli Levi, um egípicio que abalou Ipanema. Gustavo podia muita coisa, ela não! Claro, se separaram.
Ainda jovem e linda de viver, outro gato de cima de um palanque caiu no seu teto de zinco quente: o líder estudantil Marcos Medeiros, seu segundo marido. Com ele, e por ele, Maria Lucia viveu situações que nunca uma filhinha de papai poderia imaginar: ditadura e prisão.
Grávida, fugiu para Paris para encontrar o marido e lá ter sua única filha, Joana. Rodou a Europa como atriz de teatro, foi capa de disco de Roy Hamiltton e fez editoriais de moda para a Elle francesa. Também foi apresentadora de um programa de TV da emissora Rai.
De volta ao Brasil, posou nua de montão para pagar as contas: Ele Ela; Status e Playboy. “Não gosto de ser considerada um símbolo sexual. Tinha de trabalhar, fazer pornochanchada era o nosso cinema da época!”
Receber dinheiro de homem, nem pensar! Nunca recebeu pensão de ex-marido, nem herança. Viu o pai falir, a mãe cometer suicídio e começou a lutar arduamente para tentar dar a filha o pão de ló que lhe foi tirado. Os dramas eram afogados com mergulhos no Arpoador. Linda, com mais de 30, arrasava quarteirões – e arrasa até hoje.
E não é que há dois anos ela namora um dos quatrocentões mais desejados do Rio? Muita pseudo-socialite morre de inveja dela. Maria Lucia também acaba de aceitar o convite para interpretar Lena, na novela Aquele Beijo, de Miguel Falabella, e continua com sua crônica na revista Brasileiros.
Mariana de Moraes: uma ninfa entre as musas
Em meados dos anos 80, uma musa estoura em todo o Brasil: Mariana de Moraes. Com o filme Fulaninha, de David Neves, ela se tornou uma paixão nacional. E o roteiro do longa mostra justamente um cineasta quarentão que se apaixona por uma ninfeta da zona sul e a transforma em sua musa.
O boom foi generalizado. A tal fulaninha era ninguém menos que neta do poeta Vinicius de Moraes, e filha de uma outra musa. Sua mãe, Vera Barreto Leite, foi uma das manequins preferidas de Gabrielle “Coco” Chanel. Em Paris, Vera ficou conhecida como Vera Valdez. O pai de Mariana é o fotógrafo Pedro de Moraes, filho de Vinicius.
No verão de 1986, Mariana de Moraes foi eleita a musa do ano. Tímida, queria ser musicista clássica, passou a ser capa de revista e receber convites para posar nua para a Playboy. Declinou. “Na época a revista não gostou, mas eu tinha 15 anos! Hoje seria um crime! (risos) Nunca tive nada contra a nudez”, diz, hoje, aos 42 anos.
Mariana se jogou nos estudos, deu um tempo do Rio e se entregou aos tablados de Antunes Filho e do Teatro Oficina. Em São Paulo, Mariana mergulhou fundo no estudo da música e passou quatro anos na escola Grove. “Eu já era famosa, muito amiga da Bebel Gilberto, Cazuza, mas tinha vergonha de dizer que queria cantar”. O amor a fez voltar para o Rio, onde teve sua filha Maria Luiza, hoje com 13 anos.
Agora, em São Paulo, escolhe o repertório de seu próximo CD, produzido por Alê Siqueira e Zé Miguel Wisnik. “Mas eu adoro também atuar, as pessoas acham que deixei de ser atriz para ser cantora. Não, sou as duas.” E musa, sempre será.
(Por Renato Fernandes, na revista J.P de janeiro de 2012)