Nesta casa, a mulher tem poderes – poderes mágicos. Foi mais ou menos assim que o icônico seriado dos anos 60 “A Feiticeira” apresentou Samantha Stephens, uma bruxa casada com um marido mortal, que volta a ser exibido no Brasil pela TV Cultura, a partir desta quarta-feira, às 19h45, para a felicidade de quem é fã da história e seus personagens. A produção norte-americana que marcou época, mostra a recém-casada dona de casa, que tem o poder de fazer qualquer coisa com uma simples torcidinha no nariz. Ela é casada com o publicitário Darrin Stephens (no Brasil seu nome foi modificado para James), que prefere que ela não use seus dotes de bruxa no dia dia. A feiticeira vive, então, driblando sua natureza para não desagradar o marido, mas esse conflito causa diversas situações surpreendentes e divertidas.
Quando começou a ser exibida, a mulher como feliz-dona-de-casa-suburbana foi a ideia destacada na televisão, apesar da insatisfação que as mulheres reais sentiam nesse papel. Mas o sutil feminismo – nem tão sutil se lembrarmos que o ano era 1964, mesmo ano em que a Lei dos Direitos Civis concedeu proteção legal a mulheres e minorias contra a discriminação no local de trabalho nos EUA -, fez de Samantha inteligente e interessante. A ideia de ser ‘controlada’ pelo marido pode nos parecer ofensiva e desatualizada nos dias de hoje. No entanto, além das piadas visuais, grande parte da graça do programa veio de sua sugestividade e sub-texto. O feminismo era uma fantasia, mas também uma abordagem lógica, embora extrema, da ideia de marido e mulher se unindo de mundos diferentes para ter um relacionamento e uma família, a despeito do que familiares e amigos pudessem pensar.
Feminista nos bastidores
Elizabeth Montgomery, que deu vida a Samantha nas telinhas, foi uma defensora dos direitos das mulheres na vida real. Mesmo que hoje a série nos cause um desejo de que Samantha enfrentasse Darrin com mais força e frequência, ela também deixa claro que Samantha é a grande heroína da história e estava sempre certa.
Crítica velada
Samantha é usada pelos escritores para fazer uma crítica à ideia de dona de casa “perfeita”. Na maioria dos episódios, ela está só tentando fazer algo comum, como um simples café da manhã. Mas, em vez de ter sucesso, se atrapalha, contando com seu talento mágico para acertar as coisas. Quem nunca sonhou em ter os poderes de Sam?
Casamento misto
Dentro do mundo de feiticeira, tensões raciais se formavam, mas apenas entre bruxas e mortais. O casamento de Sam com um mortal era considerado uma desgraça para a família dela. Mas, apesar de seu jeitão careta, Darrin foi bastante progressivo quando decide enfrentar a tudo e todos pelo amor da mulher. Em um episódio, ele foi encarregado de desenhar uma bruxa clássica – verrugas e tudo – para uma campanha publicitária com tema de Halloween. Quando Samantha explica como tais deturpações de bruxas prejudicaram seu povo, ele decide deixar o emprego em vez de fazer o que foi pedido.
Endora, a grande feminista
Com seu look e make ‘à la’ vilã da Disney, a mãe de Samantha era uma anomalia na televisão da contracultura. Sempre frustrada com a decisão da filha de se estabelecer como uma dona de casa ‘mortal’, ela tentou de tudo para convencê-la a abandonar o cara e ser livre. Como isso pode ser um discurso empoderador? Ela quer proteger Sam, não porque ela é casada com um mortal, mas porque é casada com um mortal que não a deixa usar seus poderes. A série também mostra que existe um acordo conjugal entre Endora e o pai de Samantha, um “casamento informal”. É casual, aberto e nem um pouco proibitivo. À medida em que a série avança nos anos 60, o espírito hippie de Endora também progride. Sua maquiagem fica mais psicodélica e suas piadas ficam mais deliciosamente irônicas. Não por acaso Endora se tornou um ícone!
A magia e o assédio sexual
Intitulado “Não deveria acontecer com um cachorro”, um episódio mostra um cliente de Darrin assediando Samantha. Depois de um confronto acalorado que quase se torna físico, ela decide transformá-lo em um cachorro. O marido não acredita que Sam tenha sido assediada, ou melhor, assediada o suficiente a ponto de usar a magia. O episódio foi ao ar no mesmo ano em que foi criada a lei que garantia às mulheres proteção legal contra discriminação no local de trabalho, mas 10 anos antes do primeiro caso de assédio sexual ser levado a tribunal. O programa mostrou mais uma vez estar à frente de seu tempo ao tratar de uma questão ainda pouco ‘explorada’, porém sem se aprofundar no tema.