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Criador do método de treinamento físico que leva seu nome, hoje também seguido por seus filhos, o homem que fez de um mirrado Ayrton Senna um atleta de impressionante potencial cardiovascular, continua ensinando – e sem os dividendos que a parceria com o mais célebre piloto da história da Fórmula 1 poderia ter lhe dado. Culpa de Cobra mesmo, que diz ter sido “engolido pelo dia a dia”

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“Muita gente quer largar brasa, se torturar. Mas se houver lesão, acabou” || Créditos: Miguel Lebre

Por Paulo Vieira para Revista PODER de junho || Fotos Miguel Lebre

Ter sido preparador físico, coach e conselheiro do mais incensado piloto da história da Fórmula 1 não deu a Nuno Cobra Ribeiro, paulista de São José do Rio Pardo, os dividendos que tal parceria estelar sugere.
O caso é peculiar, já que Ayrton Senna, o “pupilo” número 1 de Cobra – pupilo é a maneira pela qual até hoje o professor se refere a seus alunos –, teve um enorme ganho atlético, e as técnicas utilizadas pelo mestre não encontravam, e ainda não encontram, respaldo no cânone da educação física. Cobra deu a Senna 100% do que chama de “Método”, sistema de treinamento que construiu inteiramente sobre bases empíricas. O Método prefere o gradualismo à intensidade; a diversão ao halteres; o prazer ao esforço. O que pensa Cobra da expressão tão celebrada nas academias de ginástica, no pain no gain (sem dor não tem valor, em tradução livre e poética), melhor nem falar.
Mas Cobra não foi merecedor da Ordem do Cruzeiro, o Método não recebeu análises sistemáticas na universidade e, algo ainda mais inquietante, nenhum personal trainer replica sua técnica. Parte disso é culpa do próprio professor, que não teve interesse, tempo ou disposição de codificá-lo, ainda que o livro em que explica suas ideias, a biografia A Semente da Vitória (Editora Senac), esteja numa inacreditável 104ª edição. Não caiu bem ainda a sem-cerimônia com que se apossou de conceitos próprios da metafísica, como “espírito”. “Chegar ao cérebro pelo músculo e ao espírito pelo corpo” é o polêmico lema que escolheu para explicar o Método. A outra parcela de culpa pode ser cobrada dos próprios potenciais clientes, que, segundo ele, passam a praticar atividade física em busca de resultados rápidos e estéticos. Nesse caso, estariam batendo na porta errada: que ninguém espere com Cobra trocar o sofá pela corrida de 10 quilômetros num piscar de olhos. Até o pupilo fazer seu primeiro trote podem ser várias semanas de caminhadas. Além disso, é preciso ter em mente que se o treinamento físico é importante, ele não é menos do que a alimentação, o sono e o relaxamento, outros pilares do Método. A missão a que se entregou Cobra é fazer com que, a partir do corpo, o ser humano vença o “bombardeio de todas as negatividades e resgate seu poder espiritual”.

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“Eu era motivo de chacota. Me chamavam de louco varrido no meio acadêmico” || Créditos: Miguel Lebre

VARAPAU
Antes de Cobra (o período a.C.), Senna era um varapau, um atleta mirrado com pouca capacidade cardiovascular. Ao longo de seus anos com o mestre, tornou-se um touro, um modelo de condição atlética, capaz de rapidamente voltar a uma pulsação de repouso, ou quase isso, após grandes picos de esforço. Com Cobra, Senna virou um verdadeiro Björn Borg, o tenista sueco que, em seus tempos de glória, nos anos 1970, subia à rede em máximo esforço cardíaco e, ao regressar para o baseline com o ponto definido, parecia ter acabado de acordar. Além disso, Senna desenvolveu uma enorme capacidade de concentração, fundamental para seu arrojo nas pistas. “Quando comecei a treinar o Ayrton, ele corria 25 minutos e desmaiava. Tinha um coraçãozinho pequeno. Fui empurrando seus limites gradativamente para níveis inimagináveis. Esse é o segredo do Método. Com quatro anos de prática, começou a desenhar um [sistema] cardiovascular abundante. Mas ele seguia o Método de forma absolutamente perfeita, antes e depois do treino”, disse à reportagem da PODER num dia de pouco movimento no tradicionalíssimo restaurante Rodeio, nos Jardins, em São Paulo.
Hoje, perto de completar 79 anos, Nuno Cobra mostrou ao repórter da PODER do que se trata efetivamente o Método. Entre pedidos para o garçom de mais salada, arroz e farofa – as guarnições eram-lhe mais caras do que a carne que compunha o prato principal, disse: “O Método sou eu”. Não se tratava, como a redação deste texto pode dar a entender, de um arroubo ególatra, absolutista, mas uma inferência talvez bastante pertinente, uma conclusão a que Cobra não deve chegar muito frequentemente, mas que, instado a falar de sua vida, apareceu com naturalidade no fluxo de pensamento lá pelo quinquagésimo minuto deste Almoço de PODER. Embora tenha se formado e feito pós-graduação na Universidade de São Paulo, Cobra não teve um tutor a lhe servir de cursor, ao menos nos tempos de universidade. Pode-se dizer que tudo o que aprendeu veio dos tempos de São José do Rio Pardo, na adolescência, quando queria ser como Pedro Pexexa, o ferreiro da cidade, que, além de bater no malho com vontade, era capaz de nadar em rio correntoso e pular de galho em galho com a força dos antebraços. Pexexa não apenas lhe ensinou a fazer isso, algo impensável para o menino mirrado como Senna, como lhe apresentou a filosofia platônica. Calaram particularmente fundo os diálogos de O Banquete, clássico do filósofo grego em que Sócrates e outros mais discorrem sobre o amor.
O amor não estava em pauta no almoço, mas foi por causa de problemas do coração – aquele do sentido figurado – que Cobra faltou ao primeiro compromisso, agendado para o restaurante “express” do chef Jun Sakamoto, no Shopping Iguatemi, em São Paulo. A ele compareceu seu filho, Nuno Cobra Jr. (nas fotos desta reportagem, com o pai), a quem Cobra chama de “Nunão”, e que, junto com o irmão Renato, são hoje a linha de frente do Método. Os filhos melhoraram os ensinamentos do pai, especialmente no tocante à chamada “meditação ativa”, em que o principal objetivo é tirar da mente do pupilo as preocupações do dia a dia e fazê-lo se concentrar numa atividade específica – e só nela. Vale fazer malabares, slackline, trepar em árvores. Em alguns casos, a própria corrida, ferramenta de excelente ganho cardiovascular também muito usado pelos Cobra, se encarrega disso.

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“Quando comecei a treinar o Ayrton, ele corria 25 minutos e desmaiava. Fui empurrando seus limites para níveis inimagináveis” || Créditos: Miguel Lebre

OLHOS NOS OLHOS
Ao pensar em contratar Nuno Cobra, o candidato a pupilo tem de ter em mente que o “fessô” vai querer saber longamente de sua vida. O primeiro encontro é uma demorada anamnese em que não faltam toques nos braços e perscrutadores olhos nos olhos. Depois da bateria de testes espirométricos com o objetivo de saber a quantas anda – e a quantas pode andar – o coração do discípulo, o mestre vai querer se meter em tudo: o que come (e, talvez mais importante, de que maneira come); quantas horas dorme, e se esse sono é efetivamente regenerador; quais são suas preocupações; como se hidrata. Após passar por isso, uma pessoa mais inquieta talvez não se entusiasme com os, digamos, 16 minutos de caminhada que Nuno poderá prescrever nas primeiras semanas. “Muita gente quer largar brasa, se torturar. Mas se uma pessoa com sobrepeso ultrapassar seus limites, pode ter problemas nos ligamentos e tendões. E se houver lesão, se essa pessoa for para o estaleiro, aí acabou, dificilmente vai ser reconquistada para a atividade física. Levo a prática de maneira que o pupilo não tenha lesão nenhuma, nunca.”
Por acreditar que nosso organismo é “absolutamente perfeito”, uma “orquestra sinfônica magistral que não destoa nunca”, o “nosso maior aliado”, Cobra tem uma visão bastante particular da utilização indiscriminada de remédios. “Remédio remedia, não cura”, diz. Por isso, analgésicos e, principalmente, anti-inflamatórios, os favoritos de quem se excede nos treinamentos, jamais vão aparecer em sua prancheta. “A inflamação é a única arma que temos para resolver uma lesão, e aí tomamos remédio para justamente tirar aquilo que o corpo se arrebenta para poder curar?” A ideia é sempre ir com calma, para que nunca haja dor. “Se há dor, é porque a atividade física foi excessiva, não foi bem executada”, dizem, em uníssono, pai e filho.
Não é difícil, por extensão, imaginar onde essa indisposição com a indústria farmacêutica pode levar, mas Cobra é um otimista com os rumos da ciência e vê a classe médica, aquela que prescreve os remédios que não deveria prescrever, com grande simpatia. “Há uma evolução tão grande em curso que não dou cinco ou seis anos para a medicina dar uma virada total. Já vejo muitos médicos deixando a química para abraçar a física e também a física quântica.” Enquanto isso, a medicina vai sendo exercida, “não para curar, mas para gerar qualidade de vida, tirar dor, tirar inflamação”.
É pertinente ver no gradualismo e na visão holística (alimentação, sono reparador, meditação), as marcas mais características do Método Nuno Cobra, mas ele tem também uma assinatura, um toque plástico, por assim dizer, de autoria. Trata-se da “oitava”, um exercício em barra fixa em que o pupilo faz um giro completo sobre si mesmo (e sobre a barra). Algo cuja realização parece muito improvável para quem se inicia na atividade física, especialmente pessoas com sobrepeso que jamais subiram num aparelho desse na vida. A realização da primeira oitava é celebrada efusivamente em alguns esparsos e estratégicos encontros dos pupilos com o mestre. Ainda que Ayrton Senna fizesse 15 delas em sequência, a consecução de uma só dessas é um momento crucial, um rito de passagem na relação entre quem ensina e quem aprende. É a hora em que o “yes, we can” (ou o “sí, se puede”, numa versão hispânica do bordão) é aplicado a nós mesmos – imagine a força disso.

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Almoço de poder || Créditos: Miguel Lebre

METÁFORA
Curiosamente, a escolha da oitava, como metáfora de uma conquista digna de ser incluída na antologia dos maiores feitos da vida de uma pessoa, não obedeceu a rigores científicos ou dramatúrgicos. Cobra decidiu-se pela oitava ao ver, no fim da década de 1940, um filme em que Kirk Douglas usava os braços para empoleirar-se numa barra e fugir de uma situação de perigo. Quando quis colocar uma dessas barras em sua casa, seu pai não fez só ralhar: foi logo baixando-lhe o sarrafo, pois, ao cortar a barra, foi-se um vigote junto. Em A Semente da Vitória, Nuno Cobra deixa claro como o que aprendia na escola de educação física estava em dissonância com a evolução que via em seus pupilos. “Simplesmente não aceitavam o ser humano com um todo indivisível. A norma era que o espírito ficasse para um lado, longe da mente e mais longe ainda da emoção. Foi para mim o mesmo que pregar no deserto, além de ser motivo de chacota, a tentativa que fiz de propor um pensamento desse tipo em várias universidades”, escreveu. “Me chamavam de louco varrido no meio acadêmico”, disse a PODER. Como na música de Gonzaguinha, ao fim do encontro a pergunta rodou e Cobra foi convidado a reenfrentar a questão do começo. Afinal, se os resultados com seus alunos vieram e entre eles estava Ayrton Senna, por que o Método não se propagou? “Sou apaixonado pelo que faço, me entrego talvez em excesso, e fui engolido pelo dia a dia. Foi uma distração. Quando me dei conta, cheguei aos 80 anos. Mas com cabeça de 30.”

COCHILO
Ao dizer que Senna seguia seus ensinamentos de maneira “absolutamente pefeita”, Cobra chama atenção para o que seu mais famoso pupilo fazia não durante, mas depois do treino. O descanso é um pilar do Método, na verdade o “ítem número 1”, e o piloto seguia-o à risca. Para Cobra. o sono tem de ser “reconstituinte, reparador”. “Quando dormimos, nosso organismo repara músculos, ligamentos, baço, os 300 milhões de alveólos pulmonares que são submetidos ao veneno que respiramos durante o dia.” Em seu livro, Cobra diz que de 70% a 80% dos executivos com que trabalhou tinham problemas de sono – por consequência, de saúde também.

CONFISSÕES DE COBRA
Santo Agostinho foi o pioneiro em usar a própria história de vida como corpo teórico de sua filosofia. Nesse sentido, A Semente da Vitória, de Nuno Cobra, lembra Confissões, o famoso livro do pensador da Antiguidade. São as venturas e desventuras do paulista que sustentam seu Método, assim como em Agostinho a tentativa de explicar o mal passa pelo exemplo pessoal de roubar as peras verdes do vizinho. Histórias com Senna são comuns, que reclamava de correr 12 km em ritmo forte na USP e, pior, de ter um senhor de 74 anos mais bem preparado a puxá-lo nesses treinos.

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