Pedro Juan Gutiérrez ficou famoso por nos mostrar uma Cuba que não conhecemos e pela alta carga de erotismo dos seus livros. Em “Nosso GG em Havana”, ele mudou um pouco o foco de sua narrativa. A Cuba deste livro é a de 1950, antes da revolução que expulsou o capitalismo e os americanos de lá. Já o sexo aparece quase como uma obrigação que Gutiérrez cumpre sem gosto. Quem leu “Operação Shylock” vai reconhecer a estrutura de Philip Roth reproduzida no enredo: o jogo do duplo, o mesmo protagonista escritor que aparece em dois lugares do mundo simultaneamente, graças a um golpe de um falsário, e a conseqüência deste acaso, que o leva a se meter numa trama política e desvendar tramóias montadas pelos mais diversos interesses. A diferença é que, em vez de nos levar para Israel, a ação nos transporta para uma Havana fatiada entre a KGB, o FBI, caçadores de nazistas, além de gângsteres, travestis, prostitutas e vagabundos. Se você já leu o cubano e está em busca das transas quentes da “Trilogia suja de Havana”, esqueça. O máximo que vai encontrar é uma seqüência num teatro pornô descrita sem muita empolgação.
O ápice de entusiasmo do autor acontece na apresentação de um dos personagens da trama que, curiosamente, revela-se transexual mais adiante: “O Super-homem entrou no palco enrolado numa grande capa de cetim vermelho brilhante. Era um negro alto, jovem e magro. Plantou-se no meio do palco, abriu a capa e deixou-a cair no chão. Estava completamente nu. Entre suas pernas pendia um animal de proporções exageradas. Era a imagem do macho perfeito. A virilidade total. Parecia que olhava para o público, mas na realidade focava sua vista à esquerda. Nos bastidores, fora do campo visual dos espectadores, colocaram-se dois jovens brancos e bonitos que começaram a se beijar e foram esquentando pouco a pouco. As mãos do Super-homem acariciavam suas próprias coxas e nádegas. Fez-se um silêncio total no teatro. Todos estavam com olhar fixo, hipnotizados por aquela superpica tão musculosa e pela beleza perfeita efebo que a sustentava. GG olhou em volta e observou que a platéia estava totalmente lotada. A maioria se masturbava ou masturbava o vizinho. Muitos jovenzinhos, pagos, evidentemente, trabalhavam com as mãos e bocas em alguns adultos. GG pensou que aquilo era um antro de veados.”
Por outro lado, como o GG do título é ninguém menos que o escritor Graham Greene, Gutiérrez se permite algumas digressões interessantes, como a seguinte: “Um romance é como um edifício. Não se podem botar portas e janelas em qualquer lugar. É preciso saber qual é o ponto exato em que devem ficar. E qual é o tamanho, o estilo, a cor que devem ter. Como acontece com alguns edifícios, alguns romances são singulares e perduram e são visitados por milhões de pessoas. Outros são anódinos e vulgares e não atraem ninguém, até que desmoronam com o passar do tempo. Só os espíritos loucos, os atrevidos, os provocadores correm o risco de edificar romances perduráveis, comoventes, que transtornam e estremecem seus visitantes. A loucura é decisiva”. Se vale um palpite, “Nosso GG em Havana” não é um destes livros.
Por Luciana Pessanha