No comando da United Health LATAM, Claudio Lottenberg está de olho na vida pública

Depois de 15 anos à frente do hospital Albert Einstein, em que quintuplicou o número de leitos e fez dele referência internacional, o oftalmologista Claudio Lottenberg assumiu, este ano, a operação latino-americana do UnitedHealth Group, que controla a Amil por aqui. Celebrado como grande administrador, ele admite ter sido picado pela mosca azul: diz querer “servir o país” e, assim como o amigo João Doria, levar seu lado gestor para a vida pública

Claudio Lottenberg || Créditos: André Giorgi

Por Nataly Costa para a Revista PODER de Junho || Fotos André Giorgi

A figura é discreta, o visual, sóbrio e a voz, baixa, quase inaudível. Por pouco o médico oftalmologista Claudio Lottenberg, de 56 anos, não se confunde com aqueles executivos circunspectos, reservados, avessos a câmeras e microfones. Mas basta começar a falar para a impressão se desfazer: ali está um orador nato, domador de palavras, do tipo que gosta mesmo de discursar – alguém, pode-se dizer, talhado para a vida pública.
Celebrado por sua década e meia no comando do hospital Albert Einstein, em que quintuplicou o número de leitos e fez da instituição referência internacional, ele agora está à frente da operação latino-americana do gigante UnitedHealth Group – proprietário no Brasil da Amil e da Lotten Eyes, empresa fundada pelo próprio Lottenberg e vendida ao conglomerado norte-americano em 2016. Mas, para PODER, fez questão de revelar um olhar mais prospectivo. “Tenho, sim, expectativa de participar no cenário público no futuro, algum cargo eletivo. Não é agora, mas se algum dia eu tiver oportunidade de servir meu país, como já servi, certamente o farei”, afirmou. O médico já foi secretário municipal de Saúde na gestão relâmpago de José Serra como prefeito da capital paulista (2005-2006) e é próximo de vários políticos, como o prefeito de São Paulo, João Doria, com quem guarda boas semelhanças de estilo e de visão. A política pode não ser hoje aquele velho palco iluminado, mas segue a despertar desejos – no caso de Lottenberg, nada secretos.
A seguir, trechos da conversa em que o executivo fala sobre saúde pública, medicina na rede privada, o desafio das seguradoras, a relação com a pessoa que o levou ao UnitedHealth, Edson de Godoy Bueno, o fundador da Amil morto em fevereiro, e, claro, política.

MEDICINA E NEGÓCIOS
Estou tendo a oportunidade de enxergar a saúde de um ponto de vista diferente: ao mesmo tempo em que falamos de algo que tem cunho social, também existe o lado econômico. No UnitedHealth discute-se de maneira profunda mecânicas de sustentabilidade, o que é muito diferente de rentabilidade. Participo de debates com seguradoras desde que comecei a atuar como médico. Já me procuravam para falar: “Olha, vamos encaminhar mais pacientes de cirurgia de miopia se você garantir qualidade, segurança e também se nos encontrar uma alternativa econômico-financeira”. Ou seja, não é uma questão nova para mim.

SEM DESPERDÍCIO
O que é medicina de qualidade? Não é o luxo da instalação, não é o acesso a todos os tipos de exame. É a medicina reproduzível no contexto da necessidade e da segurança do paciente. Às vezes, o próprio usuário não entende isso, e a prova é a quantidade de exames que são realizados sem necessidade, o que só gera desperdício. Quais os gargalos da saúde no Brasil? Se você olhar São Paulo, por exemplo, o problema está nas longas filas. Mas em outras regiões falta o acesso ao mínimo, às vezes um movimento no campo da vacinação já resolveria. O Ministério da Saúde tem um projeto de planos populares que, disseram, serviria para piorar a qualidade do seguros, mas não é assim. O sucesso das clínicas populares mostra que existe uma parcela da população disposta a pagar valores menores para ter acesso ao mínimo, nada de alta complexidade. A dor nas costas é o maior motivo de alguém procurar um médico – o resfriado vem em seguida. Ora, nem toda dor nas costas é caso de cirurgia, geralmente é mau jeito, uma bobagem, mas quem quer ouvir isso do médico? Talvez a pessoa até estivesse disposta a desembolsar uma quantia pequena por mês para isso: ter alguém que a orientasse em uma fase primária.

PÚBLICO E PRIVADO
Eu acho que a saúde às vezes é tratada de forma
ideológica. Ou o Estado faz tudo ou o sistema privado toma a frente. Na verdade, as partes deveriam coexistir, porque tudo é custeado por nós. Pagamos impostos, e tem dinheiro seu até mesmo no plano privado que você recebe da empresa, você trabalha por ele, faz por merecer. É uma tarefa complexa, mas precisamos quebrar preconceitos sobre a inserção do privado na esfera pública. Quando você fala em planos populares, está desafogando o Sistema Único de Saúde (SUS). Ao mesmo tempo, existem usuários do serviço privado que poderiam pagar por um plano de custo menor, e isso representaria um ganho para todo mundo.
É preciso entender tudo isso dentro de um viés menos ideológico e mais participativo, criativo. Temos de quebrar o mito de que saúde é pública ou privada. Saúde é saúde. As resoluções é que podem ser por plataformas públicas ou privadas.

“A saúde, às vezes, é tratada de forma ideológica: ou o estado faz tudo ou a iniciativa privada toma a frente” || Créditos: André Giorgi

SUS X SUSTENTABILIDADE
O SUS é um grande desafio, o maior sistema [de atendimento médico] do mundo. Quando pensaram nos princípios que levaram ao SUS – a universalidade, a integralidade e a equidade –, esqueceram da sustentabilidade. Imaginava-se um país com recursos, com dinheiro para investir de forma desenfreada. Acontece que saúde não tem preço, mas tem custo. O SUS é um direito muito bonito no papel, mas só se você tiver como pagar. Dentro da perspectiva de inclusão social trata-se de um programa maravilhoso, mas não há recursos para que ele seja feito como foi desenhado.

O MÉDICO E O EXECUTIVO
Continuo atuando como oftalmologista. Claro que não tenho mais tanto tempo, geralmente reservo um dia da semana e atendo meus pacientes logo cedo, faço cirurgias. Acho que o fato de ser médico me diferencia porque o contato com o paciente me dá uma capacidade de análise, de sentimento e de entendimento que talvez outro gestor não tenha.

TECNOLOGIA
Às vezes, acho que existe abuso em relação à tecnologia, que há um processo de desumanização em curso. Parece que transferimos para a tecnologia a importância do contato pessoal, esquecemos que a relação médico-paciente é de confiança e que sem ela não se desenvolve um processo efetivo na resolução da doença.
Por outro lado, há o incremento nos remédios, nos aparelhos e principalmente na comunicação – você pode resolver questões de quem está distante. Há também o big data, que permite a análise de uma quantidade enorme de informações.

DE OLHO NAS URNAS
A vida pública é fascinante. Tenho, sim, expectativa de participar no cenário público no futuro para algum cargo eletivo. Não agora, porque estou muito concentrado no que faço. São 4 milhões de vidas na área da saúde, 2 milhões na odontologia, mais de 30 hospitais. Então, vou postergar um pouco a questão da carreira política, da vida pública no sentido do eletivo, nominativo, mas a política não é algo que descarto. Se algum dia eu tiver oportunidade de conseguir servir meu país como já quis em algumas ocasiões, como já servi, certamente o farei. Meu desejo é me aproximar da classe política e, se puder ajudá-la de maneira consistente naquilo que sei, por que não? E isso independentemente de ocupar um cargo ou não. Para mim, é uma questão de cidadania.

AMIGO DE FÉ
Conheci o Edson [de Godoy Bueno] há 15 anos em um evento em Aruba, no Caribe. Eu ia falar e ele, comentar. Combinamos as perguntas antes, ele não queria que a gente fizesse feio, estava preocupado com a qualidade da apresentação. A empatia foi imediata. Naquele tempo o prestador de serviço via a operadora de saúde como bandido e vice-versa. Mas pensei que poderia fazer daquilo uma relação construtiva, tanto que o [Hospital Israelita Albert] Einstein e a Amil se aproximaram. A criação dos produtos triple A da Amil aconteceu a partir desse relacionamento. Alguns anos depois, o Edson me chamou para trabalhar com ele. Recusei porque tinha um compromisso humanitário com o Einstein, que não podia abandonar.
O Edson era o maior ícone da saúde privada do país. Montou um gigante, entrou em confronto com empresas muito sólidas, algumas ligadas a bancos, e você sabe como é a capacidade negocial de um banco. Era um homem intuitivo, parecia que tirava certas coisas do nada e dava certo. Trabalhei com ele durante alguns meses na transição. Eu lia, estudava, ia conversar com ele e parecia que tinha lido um livro inteiro em cinco minutos. Negociador aguerrido na defesa de seus interesses, mas sem nunca perder a camaradagem e o desejo de encerrar bem uma situação. Está sendo difícil porque sinto que ainda tínhamos muito para conversar. Uma sensação parecida de quando meu pai [comerciante] morreu, logo que comecei a trabalhar como médico. Pensava: “O que vou fazer se tiver alguma dúvida?”. Mas a vida é assim, certas respostas você tem de inferir. Não tenho mais o Edson, mas me inspiro muito nele. Estou com saudade das discussões, dos alinhamentos, até dos desalinhamentos momentâneos. Saudade do meu amigo.

“O fato de ser médico me dá uma capacidade de entendimento, de análise que, talvez, outro gestor não tenha” || Créditos: André Giorgi

LIDERANÇA
O líder não precisa necessariamente ser um técnico. Tem de ser mais que um técnico, se dedicar a coisas a que outros não se dedicam. Sempre digo: se tiver escrito liderança em uma porta, entre. Se for um cargo de matemática financeira, chame alguém para lhe ensinar. Não escolha algo pelo dinheiro – nunca pensei que ser médico me daria a condição econômica que tenho hoje. Talvez, se tivesse escolhido outra coisa com essa intenção, não teria chegado aonde cheguei. Sou competitivo, se você (aponta para o fotógrafo) passar horas comigo e me ensinar a fotografar, daqui a pouco estarei competindo com você, é da minha natureza.

DESDE SEMPRE
Amigo de Edson de Godoy Bueno e de Claudio Lottenberg, o empresário Marcos Arbaitman, dono da Maringá Turismo e figura de destaque da comunidade judaica no Brasil, conta que, por questões contratuais, quando a Amil foi vendida [em 2012], Bueno deveria permanecer cinco anos à frente da empresa. Nesse meio tempo, segundo Arbaitman, sua ideia era preparar alguém. “Ele comentou comigo que preferia trazer uma pessoa do mercado para evitar que os profissionais da casa se sentissem preteridos, caso um do time fosse escolhido. E o Edson determinou para si mesmo que o Claudio seria seu sucessor e ficou uns três anos insistindo com ele”, conta. Arbaitman, que foi três vezes presidente do clube A Hebraica, em São Paulo, conheceu Lottenberg aos 13 anos. “Eu o convidei para ser diretor de juventude do clube. Ele sempre foi muito criativo e dedicado. E é obstinado e trabalhador desde aquela época”, finaliza.

OUTRA ESTRELA SOBE
A morte inesperada de Edson de Godoy Bueno, em fevereiro, obrigou sua sócia na Amil a sair de trás das cortinas. Dulce Pugliese, ex-mulher e sócia dele em todos os negócios – inclusive na Dasa, maior empresa brasileira de medicina diagnóstica, e na Ímpar, terceira rede privada de hospitais do país –, que sempre evitou as câmeras, agora é a face pública do grupo. Ao vender 90% da Amil ao UnitedHealth, Edson e Dulce receberam US$ 5 bilhões e ainda ficaram com 1% do capital da norte-americana. O casamento durou pouco diante da sociedade que mantiveram, bastante sólida. Até no testamento, que já havia deixado, Edson foi, pode-se dizer, fiel: transferiu à sócia o comando vitalício das empresas.

PAI DE PRIMEIRA VIAGEM
Meus filhos (os gêmeos Fábio e Gustavo, de 9 anos) são uma luz para mim. Sou um pai velho, de 56 anos, cruzo na escola com outros pais que têm idade para ser meus filhos. Agora, os dois estão crescendo e isso é chocante, outro dia fui buscar um deles e ele falou: “Beijo, não!”, com vergonha dos amigos. Depois, se arrependeu e veio dar um beijo. Cada um tem uma personalidade, um é mais analítico, outro mais rápido. Por causa deles rejuvenesci. Sonho mais com o futuro do que sonhava há dez anos, quando não tinha filhos.

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