No aniversário de Tonico Pereira, a entrevista com o ator na revista PODER
Enrique Jimenez
Faz tempo que o ator Tonico Pereira esqueceu o que é atuar sem improvisar. Sincero até a medula e exímio frasista (vende camisetas com algumas de suas pérolas), garante que morreria de tédio se fosse galã.
Por Ines Garçoni para revista PODER Fotos Daryan Dornelles Ascânio, personagem da novela global A Regra do Jogo, trama das 9 que terminou em março, era um brasileiro debochado, um sobrevivente da própria desgraça. Tal e qual seu intérprete, o ator Tonico Pereira. “É chavão o que vou dizer, mas dane-se: não tenho formação acadêmica, sabe? Fiz a melhor e mais cara universidade do mundo – a da vida”, conta, logo no início da entrevista, ideia que repete outras duas vezes ao longo de uma hora e meia de conversa. Nascido em uma família pobre de cinco irmãos, em Campos dos Goytacazes, interior do Rio de Janeiro, Tonico trabalha desde os 8 anos, quando entregava leite na zona do meretrício campista. “As meninas esperavam meu leitinho todo dia”, zomba. Se mandou para a capital aos 17, sonhando em ser jogador de futebol. “Disse lá em casa que ia prestar vestibular, coisa que nunca fiz”, diz. Mas Antônio Carlos de Sousa Pereira cumpriu outro papel na ‘universidade da vida’ que não estava no script: o de se tornar um dos mais importantes atores do país.
“Eu sempre fui muito louco”, confessa, aos 67. Mas sua loucura é dócil, adestrada, e nunca o impediu de trilhar uma carreira bem-sucedida: mais de 50 filmes, cerca de 30 novelas e minisséries na TV e 28 peças de teatro. A infância pobre forjou um Tonico inseguro em relação ao próprio sustento, mas não pouco ousado. Com medo de não ter o suficiente para viver, foi dono de peixaria, de loja de parafusos, de alambique, de agências de automóveis, entre outros negócios. “Nada deu certo. Hipotequei este apartamento para pagar as dívidas”, lamenta, enquanto fuma um cigarro light na janela com vista magnífica para a Lagoa Rodrigo de Freitas e o Cristo Redentor. “E foi o ofício de ator que sempre me salvou.” Tonico ainda vai vender seis de seus dez carros antigos.
“Fico chateado porque é uma das poucas coisas a que tenho apego”, diz, e logo faz piada: “Aliás, estou desapegado dessa bermuda e camiseta aqui. Só ando de cueca em casa. Antigamente, andava nu, mas agora tem a babá…”, conta, referindo-se à profissional contratada para cuidar dos filhos. Ato contínuo, ele tira a camiseta, na qual se lia: “Mestiçagem, linda sacanagem!”, com sua assinatura logo abaixo. Exímio frasista, Tonico vende camisetas com esse e outros dizeres em um mercado multimarcas de Botafogo. “Agora estou com esse negócio aí das camisetas… Minha mulher, Marina (Salomão, bailarina), fica p. da vida comigo”, diz. “E essa frase não é verdadeira? Sou pai de um casal de gêmeos de 10 anos, mestiços. A miscigenação é um milagre. Antônio é meu Hamlet, Nina é minha rainha de bateria. Só os imbecis pensam na pureza de uma raça.”
Tonico é um “bobo da corte”, escreveu Alceu Valença nos versos da canção de mesmo título que dedicou ao amigo. “Alceu me levava aos shows dele – sempre bêbado, evidentemente – para depois saber o que achei, ouvir minhas críticas”, lembra. “Alceu também é louco.” Talvez o levasse a tiracolo porque, além de debochado, é absolutamente sincero: “Falo sempre o que penso porque é mais forte que eu. Não sei ser diferente”, admite. Em sua página no Facebook, posta vídeos curtos, filmados por ele, em casa, com seu rosto em closes mal-enquadrados, opinando, principalmente, sobre a atual crise política. “Sou atacado por fascistas todo dia. Eu respondia, mas me veio a sapiência do ‘bloqueio ao alvo’. Vai para a…, não sou obrigado a conviver com isso”, vocifera.
Se os antagonistas de Tonico no Facebook o conhecessem, é bem possível que mudassem de lado. Conheceriam uma de suas facetas mais admirada pelos amigos e que o fez integrar diversas turmas, “dos filhos da p… aos filhos da alta sociedade”. Ele brinca: “Sou abrangente. Não discrimino. Quem não se dá bem comigo é porque tem problemas”. Na vida profissional, dois longos projetos são prova disso – o Sítio do Picapau Amarelo, durante oito anos, e A Grande Família, por 12. A sinceridade militante e o jeito informal nunca o impediram de ser querido pelos colegas. Ao contrário. “Eu xingo, mando para aquele lugar, mas todo mundo sabe que é por um bem maior.” Quando a diretora Amora Mautner o convidou para viver Ascânio, pediu que ele mostrasse ao elenco como é ser “escroto”. Tonico, na mesma conversa, solicitou um ponto. “Ela recusou: ‘De jeito nenhum, quero improviso’. Eu disse: ‘Amora, estou pedindo um ponto, não estou dizendo que não vou improvisar’.” E assim foi. Afinal, Tonico já esqueceu o que é atuar sem improviso. “Deve ser difícil escrever para mim e me dirigir. Porque, se há um lugar onde me expresso politicamente é na minha profissão. É uma trincheira. Mudo a pontuação, o sentido… Tenho um aliado sério: o povo. Todos os meus personagens foram populares.” Ele se diz tão comum, “um homem das ruas”, que em geral passa despercebido, embora seja conhecido. “Minha vaidade é poder ser quem eu quiser, múltiplo, e não uma pessoa enquadrada. Seu eu fosse galã, morreria de tédio. Preferia ser bancário”.
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