Chico Buarque aparece soltinho, de riso fácil, no novo filme de Miguel Faria Jr. Em “Chico: Artista Brasileiro”, o cantor, autor, dramaturgo e compositor dos mais importantes da nossa história conversa com o diretor – e com o público – como se estivesse em uma mesa de bar. Desde a sua infância em escola americana, passando pela relação conturbada com o pai, o casamento com Marieta Severo, seu irmão alemão, a censura nos anos de ditadura, até a chegada dos netos e a solidão aos 70 anos, Chico passa por todos os tipos de assunto com o carisma de sempre e leveza.
Entre uma gargalhada e outra de Chico – Edu Lobo até cita isso no filme, “Chico sempre ri muito. Às vezes ele começa a contar uma história e não consegue terminar porque não para de rir” – o filme traz depoimentos de nomes como Maria Bethânia, Wilson das Neves, Hugo Carvana, Ruy Guerra e a irmã Miúcha.
Miguel Faria Jr. gravou mais de 15 horas de entrevista. “Após as entrevistas, Chico ficava exausto, cansado”, disse o diretor ao Glamurama. Abaixo, a entrevista completa com Miguel.
Por Denise Meira do Amaral
Glamurama – Chico está muito descontraído no filme e com um humor ótimo. Como conseguiu deixá-lo assim?
Miguel Faria Jr. – Como o próprio Chico diz no filme, ele não é tímido, apenas reservado. Mas se conversar com ele sem tentar invadir a sua vida privada, ele é assim, descontraído e com ótimo humor.
Glamurama – O que você pretendia mostrar neste documentário?
Miguel Faria Jr. – Eu pretendia mostrar a trajetória de um artista com uma produção do tamanho da dele, trabalhando há 50 anos. Mostrar quem é esse cara que fez essa obra e ajudar as pessoas a entender um artista que consegue atingir esse nível de produção e de qualidade, o que era também uma curiosidade minha.
Glamurama – Você optou por ter uma presença bastante discreta no filme. Nenhuma pergunta sua aparece em cena.
Miguel Faria Jr. – Minha presença é muito grande. O filme não tem uma pretensão biográfica, nem uma aproximação jornalística, mas é o meu olhar, uma visão poética. Não tenho pretensão de fazer um biografia, nem explicar ou classificar o Chico. Há espaço para várias outras biografias. Ela não invalida outras e nem outras invalidam a minha. É o meu olhar.
Glamurama – Quais momentos são os mais marcantes do filme para você?
Miguel Faria Jr. – Acabei de fazer o filme, então fica como o último filho. Gosto dele inteiro, não sei escolher. Eu fiz muita força para diminuir, não consegui, uma coisa encaixava com a outra. No momento acho que está uno, não tenho distanciamento para ver isso.
Glamurama – Como era Chico nos bastidores das gravações? Ele ficava nervoso após as entrevistas? Ele pediu para ver o material antes?
Miguel Faria Jr. – Ele é engraçado, divertido, simpático. Após as entrevistas ficava exausto, cansado. Eram muitas horas de filmagem, a cada entrevista. Não, ele não opinou, só viu o filme já pronto.
Glamurama – Pouco se falou da política atual e o apoio de Chico ao PT. Foi uma escolha sua?
Miguel Faria Jr. – O apoio do Chico ao PT foi explicitado na última eleição. Fiz essa pergunta e está no filme. E ele diz no filme que a sua participação atual é votar nas eleições e declarar o voto. Eu não estava fazendo filme sobre um político e sim sobre um artista. Porque a maioria dos brasileiros votou na Dilma seria outro filme, sobre outro tema.
Glamurama – Os cantores que aparecem no filme são bem variados. Tem de Carminho a Pérciles. Qual era a ideia?
Miguel Faria Jr. – A ideia era o seguinte: o Chico como compositor trabalha com uma diversidade grande, ritmos diferentes, valsa, samba, então era contemplar o máximo disso, ter um leque aberto de opções. A escolha das músicas tem a ver com o enredo do filme, foram escolhidas de acordo com o tema que está sendo contado, sendo algumas mais diretamente, outras menos. O filme não para quando entram as músicas, entram em função do que está sendo contado. E a escolha dos cantores foi em função de cada música, quem eu gostaria que interpretasse cada uma daquelas músicas escolhidas, da melhor maneira possível, em função do filme. Eu quis colocar gente de gerações diferentes, foi uma escolha livre.
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“Chico: Artista Brasileiro” abriu o Festival do Rio, nessa quinta-feira, no Cine Odeon.
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Miguel e Chico são amigos íntimos de anos, de andar na praia do Leblon de manhã e de jantar à noite num restaurante italiano em Ipanema. Há décadas trabalham juntos: Chico fez músicas para diversos filmes de Miguel, como “Não Sonho Mais” para “República dos Assassinos” e “Forrobodó” para “O Xangô de Baker Street”, além de ter ajudado no roteiro, além da trilha sonora, de “Para Viver um Grande Amor”.
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Chico também se deixa filmar num singelo número musical, a canção “Dueto”, acompanhando ao violão três dos seus sete netos, Chico Freitas, Clara Buarque e Lia Buarque. Imperdível.
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A história do filho que o pai de Chico teve na Alemanha na juventude, antes do casamento, funciona como eixo do filme. Para contar essa história, Marilia Pêra lê trechos do último livro de Chico, “O Irmão Alemão”.
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Além do próprio Chico cantando, há também a participação de nomes como Ney Matogrosso, Moyseis Marques, Laila Garin, Monica Salmaso, Péricles, Adriana Calcanhotto, Mart’nália e a portuguesa Carminho, numa surpreendente recriação de “Sabiá” e em um dueto com Milton Nascimento da música “Sobre Todas as Coisas”.