Na onda de Bill Gates, empresário brasileiro doa mais da metade de sua fortuna

Elie Horn doa mais da metade de sua fortuna || Créditos: Roberto Setton

Elie Horn é o primeiro brasileiro a entrar para o The Giving Pledge, projeto criado por Bill Gates e Warren Buffett que incentiva bilionários a doar pelo menos metade de sua fortuna para caridade. Isso aconteceu ano passado, mas já faz muito tempo que filantropia é questão de honra para esse empresário. Mesmo antes de fundar a Cyrela, uma das maiores incorporadoras e construtoras do país,  Horn já destinava 10% de seus ganhos para projetos sociais.  Atualmente, doa 60% e está envolvido com uma causa para lá de nobre: combater a prostituição infantil no país

por Márcia Rocha para a Revista PODER de novembro

É preciso ser ingênuo – senão, você não faz nada. Eu quero morrer ingênuo.” Essa é uma das (muitas) máximas que se pode ouvir de Elie Horn, fundador e controlador da Cyrela Brazil Realty, uma das maiores construtoras e incorporadoras do país, presente em 16 estados e 66 cidades no Brasil, e também na Argentina e no Uruguai.  De inocência, a ingenuidade a que Horn se refere só tem a parte de ignorar solenemente as pedras que aparecem no caminho – porque, no mais, ele está falando é de trabalho duro, de doses cavalares de perseverança e de uma fé inabalável de que as coisas vão dar certo. “O cara muito cético não faz nada porque acha que tudo vai sair errado”, afirma.

Horn é a personificação da frase do escritor francês Jean Cocteau: “Não sabendo que era impossível, foi lá e fez”. Sua trajetória atesta isso de maneira inequívoca. Começando do começo: nasceu em 1944, em Alepo, na Síria, e veio do Líbano para o Brasil aos 11 anos.  O pai havia perdido tudo e a família viajou de navio com passagens compradas por parentes, com pouca comida e pouca roupa. “Foi muito duro. Perder o padrão de vida é pior do que não ter dinheiro. Sem falar que é muito chato depender dos outros.”

O início dos Horn e seus seis filhos em São Paulo não foi fácil. Elie, que foi bolsista durante um tempo no Liceu Pasteur e se formou em Direito, na Universidade Mackenzie – profissão que nunca exerceu – fez  de tudo um pouco para garantir o sustento. Começou vendendo goma-laca (que, entre outras coisas, é usada para envernizar pisos e móveis) de porta em porta; depois, passou a trabalhar com Joe, um de seus irmãos, negociando apartamentos. Como eles não tinham capital, adotavam o seguinte expediente: davam 10% de sinal, dinheiro que, geralmente, pediam emprestado, e combinavam o pagamento dos outros 30% em 90 dias, sem juros e sem correção, e os 60% restantes em 36 meses, com juros e sem correção, já que não havia inflação naquele tempo. Ou seja, tinham três meses para vender o imóvel e honrar as dívidas. As coisas foram melhorando e eles passaram a fazer o mesmo com terrenos. Aos 29 anos, Horn já tinha amealhado um bom patrimônio e se tornado sócio de Joe na construtora Cyrel – nada mal para quem partiu do zero.

Ele acabou desfazendo a sociedade com Joe, que tinha fundado a companhia em 1962. Anos depois, Horn comprou a parte do irmão e a Cyrel virou Cyrela. No início da década de 1990, associou-se ao grupo imobiliário argentino Irsa, ligado ao megainvestidor húngaro George Soros (Horn foi o primeiro brasileiro a se associar a Soros, aliás) – e a Brazil Realty nasceu dessa transação. Em 2002, Horn arrematou a Irsa. Cyrela e Brazil Realty foram unificadas e, em 2005, a companhia abriu o capital na bolsa.

Corta para 2014, quando o comando da empresa passou para as mãos dos filhos Efraim, de 36 anos, e Raphael, de 34 (o terceiro  é funcionário do banco Santander). Como Efraim já era diretor de operações da Cyrela e Raphael estava à frente da área de negócios, o pai acredita que essa foi a melhor solução. Além de já conhecer o negócio, os dois têm perfis complementares: Efraim é hábil com assuntos comerciais e tudo o que for relacionado à criatividade. Já Raphael é bom com a parte financeira. Horn não se envergonha de dizer que chorou ao passar o bastão da empresa, que, para ele, é como a filha que nunca teve.

Mesmo ocupando a presidência do conselho, mantém a rotina espartana que sempre foi sua marca registrada. Workaholic de carteirinha, dificilmente trabalha menos de 12 horas por dia e costuma ser o primeiro achegar ao escritório, antes das 8 da manhã, e o último a ir embora. Também mantém até hoje o hábito de vistoriar pessoalmente os edifícios antes da entrega das chaves aos compradores e de conferir os terrenos que foram adquiridos – segundo ele, para se certificar de que foi feito um bom negócio e evitar erros futuros. Em seus tempos de presidente, participava da seleção dos terrenos que a empresa ia comprar, processo bem mais trabalhoso.

Filantropia e muito pé no chão

Expressa toda sua religiosidade || Créditos: Roberto Setton

Horn recebeu PODER na sede da Cyrela, em um imponente edifício na avenida Brigadeiro Faria Lima, no bairro do Itaim, em São Paulo. Pé-direito alto, pisos de mármore, elevadores inteligentes e outros detalhes de acabamento que não passam despercebidos e sinalizam que se trata do QG de uma construtora responsável por alguns dos empreendimentos mais luxuosos do país.

Com uma fortuna avaliada em R$ 3,16 bilhões, Horn está entre os 70 brasileiros mais ricos do mundo, segundo o ranking 2016 da revista Forbes Brasil, ao lado de nomes como Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles – trio que comanda o fundo de investimentos 3G e é um dos controladores da AB InBev –, Edson de Godoy Bueno, fundador da Amil, e Abilio Diniz, entre outros.  Mas isso, definitivamente, não enche seus olhos. Já declarou em entrevistas que muito dinheiro pode significar muitos problemas. Para ele, a crise de 2008, por exemplo, foi uma bênção por ter brecado uma expansão que não era nem factível nem lógica. Segundo Horn, crises ajudam a ter mais paciência. Para ele, quem ganha sempre, começa a achar que é Deus. No dia desta entrevista, por exemplo, ao contar sobre as dificuldades que sua família enfrentou quando chegou ao Brasil, nos anos 1950, comentou: “Se você não apanhar, não consegue ser humilde. Tudo o que aconteceu foi bom para aprender a dar valor para as coisas e para o dinheiro”.

Judeu ortodoxo, faz orações três vezes por dia, usa quipá o tempo todo – “serve para lembrar que tem alguém acima de você” –  e respeita o shabbat, ou dia do descanso, que vai do pôr do sol de sexta-feira ao pôr do sol de sábado, e é um leitor voraz de assuntos ligados à cabala, à filosofia e à espiritualidade. Mesmo quando sua situação financeira não era tão privilegiada, doava 10% do que ganhava para obras sociais. Depois, passou para 20%. Há cerca de 20 anos, aumentou para 60%. Disse que aprendeu a fazer filantropia com o pai, que tinha muito pouco, mas doou tudo, e também com o avô, que construiu um orfanato na Síria na época daPrimeira Guerra Mundial. “Queria doar 100%, mas um guru me aconselhou a deixar uma parte para meus filhos cumprirem a missão deles também.” E emenda: “Em hebraico, não existe a palavra caridade. Existe a palavra justiça. Se você ganha mais dinheiro que os outros é para ajudar as pessoas, não para guardar embaixo do colchão”, diz, refletindo sobre sua relação com o lucro. “Ou você escraviza o dinheiro ou ele escraviza você. Quem é rico e não doa se torna escravo do próprio dinheiro.” Horn diz que os três filhos não só o apoiaram integralmente como aconselharam que fizesse a doação em vida. “A reação deles foi maravilhosa, sinal de que captaram a mensagem”, orgulha-se.

Atualmente, o empresário de 72 anos está com os olhos brilhando por uma causa para lá de nobre: combater a prostituição infantil no país. O entusiasmo é tanto que ele anda até mais disposto a dar entrevistas – sempre foi avesso a elas  – desde que o assunto seja filantropia.  “São cerca de 500 mil meninas de 8 a 18 anos escravizadas. Isso acaba com elas não só hoje, mas também no futuro”, diz. Ele conta que já tem um grupo trabalhando nessa causa. “Vamos começar a campanha pela mídia e distribuir pôsteres sobre o tema onde for possível entrar.” Horn diz que o valor da campanha deve exigir um investimento de R$ 1 bilhão e que a maior parte virá na forma de espaço na TV e na mídia impressa. Ele não quis revelar valores, mas contou que a produção dos pôsteres é por sua conta. “Esse é um compromisso que eu e um grupo de pessoas estamos assumindo. Não vamos parar até que a prostituição infantil acabe ou diminua.” Horn revelou que existe também uma frente parlamentar em Brasília que vai elaborar leis mais rígidas para lidar com isso. “Acredito que vamos conseguir. Até hoje, toda vez que faço meu ‘comercial’, ninguém nunca se recusou a ajudar. Temos de chacoalhar as pessoas pela moral, pela ética – não pela violência.” Deu para entender agora por que ele acredita que ser ingênuo é o caminho?   n

A polêmica do parque

Dos terrenos da construtora em São Paulo, um vem causando mais dor de cabeça que os outros, pelo menos publicamente: o quarteirão de 24 mil metros quadrados na rua Augusta, que a vizinhança briga para transformar em parque. Em parceria com a Setin, a Cyrela formalizou a compra do espaço, em 2013, e anunciou o projeto de um conjunto de torres residenciais e empresariais. A disputa foi parar no Legislativo (a Câmara Municipal aprovou um projeto de lei para transformar a área em parque) e no Judiciário (o Ministério Público também é a favor que o terreno se torne público). Sem dinheiro em caixa para bancar o projeto, o prefeito Fernando Haddad (PT) chegou a ensaiar a recompra da área com os R$ 63 milhões que conseguiu recuperar de verbas desviadas na gestão Paulo Maluf, mas a quantia não foi suficiente. O quadrilátero mais disputado de São Paulo vale nada menos que R$ 120 milhões – e a briga por ele, ao que parece, ainda vai longe.

Sem solavancos

Créditos: Roberto Setton

De dois anos para cá, a Cyrela está focada em clientes de alta e média renda, oferecendo a eles imóveis com localização e projetos diferenciados. Mas sem perder o foco, já que centralização e conservadorismo sempre foram pilares importantes para sustentar e consolidar o crescimento da empresa. Durante o CEO Summit 2014, evento da EY realizado no Hotel Unique, em São Paulo, em parceria com Endeavor e Sebrae, que reúne líderes empresariais para compartilhar suas experiências, Elie Horn revelou que sua empresa tinha fluxo de caixa suficiente para se sustentar por quatro anos “sem dinheiro de banco, sem comprar e sem vender nada”. Santa previdência, já que o cenário econômico anda mesmo instável e o mercado imobiliário tem sentido as consequências. Segundo dados da Economatica, consultoria especializada em informações financeiras, ano passado as vendas das 16 empresas do setor que têm ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo caíram 18% em relação a 2014. No caso da Cyrela, por exemplo, a  receita líquida de 2015 foi de R$ 4,34 bilhões (contra R$ 5,81 billhões, em 2014).

Ano passado, Elie Horn se tornou o primeiro brasileiro a aderir ao The Giving Pledge (Compromisso de Doação, em tradução livre), programa criado, em 2011, por Bill Gates e o megainvestidor Warren Buffett para reunir bilionários dispostos a doar pelo menos metade de sua fortuna para causas sociais. Horn já se comprometeu a doar 60% da sua, estimada em cerca de US$ 1 bilhão, para projetos relacionados à educação, e anda tentando trazer mais gente para o clube. No dia desta entrevista, disse que estava prestes a convencer um amigo empresário, mas que ainda não poderia revelar seu nome. Seus benchmarks de filantropia? Além do próprio Gates e de Buffett, Mark Zuckerberg, do Facebook. No Brasil, cita Amador Aguiar, fundador do Bradesco, que já beneficiou milhões de crianças por meio da Fundação Bradesco. “Essa história do The Giving Pledge é interessante, porque você acha que é alguém importante no Brasil. Aí, descobre que não é nada. Lá, eles doam 70, 80, 90, 95, 99% do que têm. Acho que não há ninguém que só doe 60%”, comenta, rindo.

Sair da versão mobile