CURIOSIDADE DE NATAL
Agora mesmo, antes de começar a escrever, estava pensando em como deveria ser uma coluna às vésperas do Natal, então, me lembrei de Carlos Drummond de Andrade. Sabia por alto que ele tinha escrito alguns textos sobre o Natal, e achei que poderia ser um bom caminho. E foi. Sabia que Drummond tinha escrito alguns textos sobre o Natal, mas não tantos (pois é… eu não sabia…). Fiquei curiosa sobre o porquê de ele ter escrito tanto sobre o Natal. Só numa pesquisa rápida descobri: “Este Natal”, “Organiza o Natal”, “Papai Noel às Avessas”, “Peru”, “Presépio”. Escolhi “Papai Noel às Avessas” porque gostei de imaginar um Papai Noel que entrasse pela porta dos fundos e que tivesse cara raspada. Quem sabe um esforço para tornar mais real um sonho da infância de toda a gente.
“Papai Noel às Avessas
Papai Noel entrou pela porta dos fundos
(no Brasil as chaminés não são praticáveis),
entrou cauteloso que nem marido depois da farra.
Tateando na escuridão torceu o comutador
e a eletricidade bateu nas coisas resignadas,
coisas que continuavam coisas no mistério do Natal.
Papai Noel explorou a cozinha com olhos espertos,
achou um queijo e comeu.
Depois tirou do bolso um cigarro que não quis acender.
Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças
(no Brasil os Papais-Noéis são todos de cara raspada)
e avançou pelo corredor branco de luar.
Aquele quarto é o das crianças
Papai entrou compenetrado.
Os meninos dormiam sonhando outros natais muito mais lindos
mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos
soldados mulheres elefantes navios
e um presidente de república de celulóide.
Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo
no interminável lenço vermelho de alcobaça.
Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto
que lá dentro mulheres elefantes soldados presidente brigavam por causa do aperto.
Os pequenos continuavam dormindo.
Longe um galo comunicou o nascimento de Cristo.
Papai Noel voltou de manso para a cozinha,
apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.
Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes.”
* Este texto foi extraído de “Alguma Poesia – o Livro em Seu Tempo” (IMS – org. Eucanaã Ferraz)
* “Alguma poesia” foi o livro de estreia do poeta Carlos Drummond de Andrade, e esta edição especial do Instituto Moreira Salles traz um fac-símile do volume que pertenceu ao próprio Drummond, com anotações manuscritas de mudanças que o poeta incorporaria nas edições seguintes. Além disso, a publicação reúne cartas de amigos e críticos acusando o recebimento do livro, bem como amostras das resenhas e artigos publicados pelos jornais de 1930 e 1931. Um texto de apresentação, assinado pelo organizador, traça o percurso de Drummond de 1924 até maio de 1930.
por Anna Lee