INDIGNAÇÃO
O recém-lançado livro “Indignação” (Cia. das Letras), de Philip Roth, 76 anos, um dos escritores vivos mais aclamados dos Estados Unidos, é narrado por um fantasma – à moda de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, que o autor, inclusive já declarou ter lido. Mas o leitor não sabe disso de imediato. Antes, é preciso percorrer algumas páginas do romance e se ter uma idéia de quem é o protagonista da história: Markus "Markie" Messner, um rapaz de 19 anos que cresceu “com o sangue – com o sangue e a gordura e afiadores de facas e máquinas de fatiar e dedos amputados ou pedaços de dedos desaparecidos das mãos de meus três tios e também de meu pai – e jamais me acostumei com isso ou gostei disso”. Markie nasceu e foi criado em Newark, Nova Jersey, filho único de um açougueiro kosher superprotetor. É justamente para se livrar da excessiva vigilância paterna que o protagonista-narrador vai estudar em Winnesburg, Ohio, bem longe de casa. Então, na página 54 (o livro tem 176), o leitor é surpreendido por uma revelação arrebatadora: “Contando minha história para mim mesmo hora após hora em um mundo sem relógio, espreitando incorpóreo nessa gruta da memória, sinto que venho fazendo a mesma coisa há 1 milhão de anos”. “Indignação” é narrado por um jovem cadáver estirado num catre de enfermaria, de onde se ouve explosões de bombas. O ano é o de 1951. Os Estados Unidos enfrentam uma guerra sangrenta na Coréia, e Markus Messner foi estripado por baionetas inimigas. Dão-lhe morfina, o que faz com que morra sem perceber. Suas memórias, iniciadas sob o efeito da droga, continuam, límpidas, depois que para de respirar.
* Não, caro leitor, não pense que esta informação acabou de tirar a graça de ler o livro. Pelo contrário. É a partir daí que se entende o comentário de The New York Times Book Review: “Em ‘Indignação’ o poder e a intensidade de Philip Roth parecem ampliados (…). Seu segredo é a extrema confiança como contador de histórias – e, paradoxalmente, sua humildade”, e o porquê de críticos considerarem essa a obra-prima tardia do autor. “Indignação” fala da fatalidade que permeia a vida. Não da fatalidade de um destino do qual não é possível escapar, mas da fatalidade que é intrínseca ao imponderável, às escolhas que fazemos todos os dias, às vezes fortuitamente, e que podem levar a consequências desproporcionais à trivialidade com a qual são feitas.
* Roth arrebata o leitor porque o coloca frente a frente com a vulnerabilidade da condição humana. Esse é o último livro de Roth lançado no Brasil, e o vigésimo nono de sua carreira. Mas, depois desse, o autor, prolífico que é, continuou a escrever. Em setembro, será publicado nos EUA “The Humbling”, sobre um ator que descobre repentinamente que não consegue mais representar, e, enquanto espera, ele tem se dedicado à fase final de correções de seu romance mais recente: “Nemesis”.
DICA
Vale a pena também conferir os seguintes livros de Philip Roth: “O Complexo de Portnoy”, “O Teatro de Sabbath”, “O Animal Agonizante” e “Fantasma Sai de Cena”.
ANO ZERO
O pensador e escritor francês Edgar Morin está no Brasil para a conferência “Pensar o Sul”, na Academia Brasileira de Letras/Rio, nessa terça, 14, às 11h, e no SESC SP/ Consolação, na quinta, 16, às 10h. Morin quer refletir a pluralidade do Sul no sentido geográfico, geopolítico, mas também simbólico, que exige um novo modo de análise e de compreensão do contexto mundial. Após a palestra haverá sessão de autógrafos do livro “O Ano Zero da Alemanha”, publicado originalmente em 1946 e que acaba de ser reeditado pela Sulinas. Quando publicou esse livro, Morin tinha apenas 25 anos e, numa narrativa vigorosa, típica da juventude, trata da Alemanha após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando se instalou entre os aliados uma disputa interna e dissimulada pelo poder de ingerência no território alemão. Nessa época a Alemanha enfrentou seu ano zero: sem Estado, exército e bandeira, sobraram as dores da violência e do extermínio, as esperanças da reconstrução social, política e psíquica de um país que acabou cindido em duas partes, o que só teve fim com a queda do muro de Berlim em 1989. Mais do que valor documental ou historiográfico, “O Ano Zero da Alemanha” ajuda a pensar a crise por que passam as sociedades contemporâneas globalizadas, onde as desigualdades são cada vez mais evidentes. As conferências terão transmissão ao vivo pelo portal da ABL e do SESC SP.
O MAGO
Chega às livrarias norte-americanas, em novembro deste ano, a edição em inglês de “O Mago”, a biografia de Paulo Coelho, escrita por Fernando Morais. A Publicação da Harper Collins Publishers se chamará “A Warrior’s Life” e trará o rótulo: “para maiores de 18”.
Por Anna Lee