A FLIP ACABOU, MAS…
… A jornada literária continua durante esta semana com eventos em São Paulo e no Rio com autores que participaram da festa de Paraty. A Livraria da Vila Fradique vai receber para um bate-papo a crítica de arte francesa Catherine Millet, na quarta, das 19h30 às 21h, e na quinta, das 12h às 13h30, a jornalista chinesa Xinran.
Millet vai conversar com a professora de estética e literatura Eliane Robert Moraes (PUC /SENAC/ SP). Na Flip, ela participou da mesa literária “As sem-razões do amor”, nesse domingo, 5, e, sem constrangimentos, revelou para a psicanalista Maria Rita Kehl detalhes de sua vida sexual e afetiva que resultaram nos livros “A Vida Sexual de Catherine M.” (Ediouro, 2001) e “A Outra Vida de Catherine M.” (Agir), este último lançado na Flip.
Em “A Vida Sexual de Catherine M.”, a autora narra com linguagem explícita e em detalhes, num tom neutro e lacônico, sua performática e agitada vida sexual, repleta de aventuras libertinas. Apesar desse tema não ser original – podemos lembrar, por exemplo, de Anais Nin (1903-1977), que viveu numa época em que liberdade sexual era de fato tabu –, Millet, que é uma intelectual, e fundou em 1972 a prestigiada revista Art Press, a qual dirige até hoje, causou polêmica e conseguiu vender mais de 1,4 milhão de exemplares de seu livro, que foi traduzido em 45 idiomas.
Já “A Outra Vida de Catherine M.”, publicado na França em 2008 com o título de “Jour de souffrance”, é o reverso do primeiro: um relato de como foi dominada pelo incontrolável e violento ciúme ao saber das relações extraconjugais do marido, o escritor e fotógrafo Jacques Henric.
* A jornalista chinesa Xinran vai conversar, na quarta, com a também jornalista Mônica Waldvogel, atualmente apresentadora do “Saia Justa”, no canal de TV pago GNT, entre outros assuntos, sobre seu livro mais recente, “Testemunhas da China” (Cia. das Letras), que traz depoimentos de chineses que viveram a Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung. N a Flip Xinran dividiu a mesa literária “China no divã” com o fotógrafo e ficcionista chinês Ma Jian, que acaba de lançar no Brasil o livro “China em Coma” (Record). Os dois são radicados em Londres, mas Xinran, que é colunista do The Guardian, pareceu bem mais articulada e adaptada à cultura ocidental do que seu compatriota. Para se ter uma idéia, ela, durante o debate, falou o tempo todo em inglês, a não ser quando tinha que traduzir em mandarim para Ma Jian trechos da conversa que ele não compreendia. O chinês assumiu que, mesmo sendo casado com uma inglesa, em casa, só falam mandarim, e que os homens chineses são muito mais machistas do que os acidentais.
Na apresentação de seu livro, Xinran afirma: “Na China, as raízes históricas do princípio de culpa por associação deram origem a uma poderosa tradição de fidelidade ao clã, introjetando nos chineses uma forte inibição quanto a falar abertamente – por medo de implicar outras pessoas. (…) Os chineses parecem ainda não ter segurança para expressar o que realmente pensam – mesmo com as reformas pós-Mao, que vêm lentamente abrindo portas entre a China e o mundo, ente o passado e o presente chineses e entre indivíduos e o governo”.
No final da mesa literária, Ma Jian, cujo livro – um relato árido sobre o massacre de 4 de junho de 1989 na Praça da Paz Celestial – foi censurado na China e, por isso, ele corre o risco de ser preso se for lá, disse: “Me sinto uma árvore, arrancada na raiz e sobrevivendo na água”. E Xinran comparou o país a um “retrato de Picasso”, em que há todos os elementos, mas eles estão fora do lugar.
A jornalista também publicou no Brasil os livros “As Boas Mulheres da China” (2003), “Enterro Celestial” (2004) e “OQue os Chineses Não Comem” (2008).
NO RIO
* Gay Talese, expoente do new journalism, que em Paraty foi entrevistado pelo jornalista Mario Sergio Conti, na mesa “Fama e Anonimato”, participa de um bate-papo com o jornalista Arthur Dapieve, às 20h30, no Instituto Moreira Salles. Durante sua participação na Flip, Talese, vestido com um terno claro e gravata, manteve uma postura rígida que não condizia com suas declarações de que, no exercício de sua profissão, desenvolveu a arte de perambular entre as pessoas comuns e que sempre buscou suas histórias entre entrevistados anônimos. O autor que responde por alguns dos textos mais preciosos e bem costurados já feitos por um repórter, como no caso de “Frank Sinatra está resfriado”, de 1966, não quis responder perguntas do público e deixou parte da platéia frustrada.
* A boa e velha questão da literatura esteve em pauta, na nona mesa da Flip, “O Eu Profundo e os Outros Eus”, formada pelo mexicano Mario Bellatin e o brasileiro Cristovão Tezza, na sexta-feira, 3: qual a relação entre realidade e ficção?
E, ao abrir o debate, o mediador Joca Terron apresentou os convidados ressaltando as “curiosas oposições” entre eles: Tezza seria um realista, Bellatin, um ficcionista cujo objetivo principal seria desaparecer em seus textos. Mas, depois de assistir a conversa instigante que se estabeleceu entre os dois escritores, ficou claro que a linha que os coloca em registros de escrita diferentes, como quis o mediador, é tão tênue quanto a que separa os conceitos de “verdade” e “mentira” na literatura.
Tezza, em “O Filho Eterno”(2007), que recebeu os prêmios Portugal Telecom, Bravo! E Jabuti, em 2008, aborda a relação com seu filho portador da Síndrome de Down, no entanto, afirmou durante o debate: “Realismo é uma palavra enganosa. A realidade não fala, quem fala são as pessoas. Para se fazer boa literatura, o autor tem que se transformar em seus personagens. Portanto, ele não fala com sinceridade, como o poeta, mas se desdobra em várias vozes. A literatura é uma impostura. O leitor deve ler com desconfiança.”
Já Bellatin apresentou discurso contundente e, ao mesmo tempo, bem-humorado. Celebrado por apagar os limites entre a realidade e ficção em suas obras, e dono de textos curtos e fragmentados, como os que aparecem em “Flores”, livro que está lançando pela Cosac Naify, ele falou sobre seu processo de escrita: “Às vezes eu sinto que não tenho nada a dizer. O que eu tenho é apenas esse ato de escrever, que poderia ser descrito como uma compulsão, uma doença, algo assim”. Na terça, 7, Bellatin participará de um debate com o escritor João Paulo Cuenca, no shopping Leblon (Rio).
Por Anna Lee