Milhem Cortaz quer falar, mas ressalta que é hora de ouvir. Vivendo um personagem machista na novela das 9 que foi interrompida pela pandemia, o ator empresta seu trabalho no horário nobre para discutir questões da masculinidade e alerta para os novos tempos: “O homem não tem lugar de fala, ele precisa se reconstruir”
Por Dado Abreu / Fotos: Maurício Nahas / Styling: Cuca Ellias e Mariana Aguilar
Dia desses, Milhem Cortaz estava em casa e precisou chamar a atenção da filha Helena, de 11 anos. Da bronca, foi o pai quem tirou uma lição. “Ela estava aprontando alguma coisa, eu ‘chamei na chincha’ e ela respondeu: ‘Senta para falar comigo. Fica na mesma altura do que eu porque você é homem e maior, senão você me oprime’. Dei a volta, respirei e olhei nos olhos dela. Aquilo me encheu de orgulho.”
Para além dos ensinamentos domésticos, que evoluíram durante a quarentena, a desconstrução do machismo é o centro do personagem que Milhem interpreta em Amor de Mãe, novela das 9 da TV Globo interrompida em razão da pandemia e prevista para voltar às telas em setembro. Na trama, é Matias, um médico bem-sucedido, casado, que tenta se encaixar no novo modelo de homem e salvar seu casamento enquanto vive nas entranhas o machismo estrutural. “Ele discute questões da masculinidade de forma muito atual, com conflitos dramáticos e cômicos interessantes”, resume o ator, que pela primeira vez na carreira escolheu não defender um papel vivido por ele. “Normalmente eu procuro ser empático, entender as atitudes do personagem, mas desta vez foi diferente. Agora é o momento de o homem se calar e ouvir. Reavaliar, reaprender, reconstruir. Ele não tem lugar de fala. Tenho vivido assim e a cada dia que passa eu me sinto um homem melhor.”
E o aprendizado se faz também em cena. Um dos mais prolíficos atores do cinema brasileiro de sua geração, com mais de 70 filmes no currículo e personagens marcantes como o assassino profissional Peixeira em Carandiru e o capitão – e posteriormente coronel – Fábio na sequência de Tropa de Elite, Milhem engatou nos últimos anos trabalhos também mais leves e divertidos na televisão. “Fazer novela é fantástico, são oito meses construindo o personagem, tem o fato de lidar com a aceitação do público”, conta. “Mas eu continuo apaixonado pelos sujeitos complicados e à margem da sociedade”, brinca, admitindo ainda ter “borboletas na barriga de nervoso” quando bate a claquete no estúdio. “Televisão é uma das coisas mais difíceis para mim. É uma linguagem que me exige concentração, isolamento, me traz insegurança e medo. E me fortalece, adoro sentir tudo isso. Me divirto muito fazendo TV.”
Para os tempos pós-pandemia a expectativa é de mais frio na barriga. Milhem, que posou para este ensaio antes da quarentena, pretende engatar outras novelas na Globo e se prepara para rodar um longa em Portugal. Outros dois filmes com ele no elenco estão em fase final de produção, Galeria Futuro e As Aparecidas. “Não podemos parar. A cultura é resistência e nenhum governo desastroso vai acabar com ela”, garante, antes de finalizar com tom de esperança: “Que tudo isso sirva para as pessoas enxergarem que a gente só funciona no coletivo. Na arte, na vida. Precisamos pensar no outro para sair dessa enrascada e deixar de ver só o nosso próprio umbigo. Espero que da pandemia tiremos lições de coletividade”.