Angelica de la Riva é uma pessoa de múltiplos talentos. Foi modelo e ganhou visibilidade no esporte e hoje se dedica com toda a sua força ao canto lírico. A mezzo soprano, irmã de Marina de la Riva, é atração das mais aguardadas na 6ª edição do festival Música em Trancoso, que rola entre os dias 18 e 25 de março. Ela dividiu detalhes de sua rotina em Nova York, onde vive, em entrevista cedida ao festival, publicada em primeira mão no Glamurama.
Em qual momento você decidiu se dedicar ao canto lírico, em investir nessa carreira de fato?
Angelica de la Riva: “Tive a sorte de que meus pais sempre deram importância vital e primaram pela cultura em nossa casa. Essa transição para o canto lírico como ferramenta de educação, como aprender um instrumento ou uma língua estrangeira, não foi brusca e o investimento na carreira foi crescente na medida em que oportunidades foram aparecendo. Quando ainda estava no Brasil, fazendo faculdade de Direito e depois de Teatro, comecei a ter oportunidades de trabalho, primeiro no Teatro Tablado e com uma opera de Tim Rescala. Ao mesmo tempo cantei salsa com Chico Batera e depois no Teatro Musical, e no musical a “Bela e a Fera”, em São Paulo. Em 2002, Jack Kirkman, diretor do Lincoln Center de Nova York, me ouviu quando esteve no Rio. Isso foi a gota d’áqgua para eu investir de cara e me mudar para NY para estudar na Juilliard e na Mannes School of Music.”
Quais foram suas maiores influências na música clássica?
Angelica de la Riva: “Principalmente as óperas que o meu pai escutava tanto em casa quanto no carro, todos os dias. Muito bel canto e verismo interpretados por Sutherland, Tebaldi, Callas, Freni, Pavarotti, Domingo, Jessy Norman, Resnik. Muito Verdi, Puccini, Bellini, Villa Lobos e Wagner.”
Tem preferência por compositores ou períodos musicais?
Angelica de la Riva: “Acho que sou meio sem personalidade. Minha preferência muda de acordo com o compositor ou período que eu esteja estudando no momento. Neste momento estou apaixonada por Bellini e Donizzeti, bel canto…”
Você já chegou a ser comparada a Maria Callas por, isso de alguma maneira a incomoda ou aumenta a pressão sobre sua carreira?
Angelica de la Riva: “Ser comparada a Maria Callas é uma honra e ao mesmo tempo uma grande responsabilidade, já que sua capacidade artística era única. Ela foi uma grande mulher e uma grande artista que mudou as regras do jogo, uma verdadeira ‘game changer’. Sua disciplina, dedicação, foco, intensidade e elegância sempre foram uma referencia para mim. Não tenho nenhuma pretensão ou intenção de alimentar esta comparação e sim de aprender, continuar aprendendo deste grande ícone, observando seus acertos e erros. Respeito muito o diretor que inicialmente fez esse comentário, já que ele trabalhou inúmeras vezes com ela no Lincoln Center, onde atua na direção.”
Por que optou por viver em NY?
Angelica de la Riva: “Desde pequena sempre tive uma paixão por Nova York. Talvez por escutar as histórias que meu pai contava sobre suas aventuras, quando estudava em Yale e morava no Plaza, com certeza outros tempos. A NY que eu tive que enfrentar durante a faculdade não foi nem de perto tão glamorosa. NY tem uma intensidade cultural e social que me apaixona, mas acredito que essa intensidade pode destacar grandes talentos, assim como pode destruí-los. Como se o melhor e o pior do mundo estivessem sempre disponíveis e cabe a você optar por abraçar ou não as informações, oportunidades e experiências. Além do mais, NY te ensina que ‘There are NO excuses’, ‘Não existem desculpas’… Se você não estiver constantemente ‘on the top of your game’, a cidade te mastiga e te cospe sem ao menos te saborear. Um outro fato interessante que entendi vivendo na cidade é que muitos aspectos e comportamentos não são ‘certos’ ou ‘errados’ e sim culturais.”
Como é a sua rotina em NY, como você se prepara para as apresentações?
Angelica de la Riva: “Tento manter a minha rotina onde quer que eu esteja, em turnê, em NY ou no Rio, aproveitando o aprendizado e o nível de disciplina que adquiri com o esporte. Quando tive que conciliar a carreira de cantora lírica com a de atleta entre 2014/16, quando estava lutando por uma vaga nos Jogos Olímpicos, aprendi a trabalhar com cronômetros/timers para aprimorar aproveitamento do meu dia. Descobri que tenho a capacidade de executar mais coisas num espaço de tempo desde que eu queira. Entendi também a importância e o poder dos ‘pequenos breaks’ para manter o equilíbrio emocional e físico, e os níveis de concentração durante longas rotinas de estudos. De manhã faço alongamentos por 10 minutos, medito por 10 mins, tomo café da manha e sigo com a rotina: aqueço a voz e começo a trabalhar repertório. A cada 20 minutos de trabalho vocal faço o que chamo de ‘pequeno break’, alongamento ou QiGong (2 mins) e meditação (2 mins) como forma de ‘reset’, para poder trabalhar por mais horas sem esgotar o físico nem o emocional. E a cada 2 hrs, break de 25 mins (emails, projetos, entrevistas, blogs etc por 20 mins e 5 mins de mídia social.) No fim do dia, dependendo de onde estou, escolho algum tipo de atividade física, o que estiver disponível, se estou no Rio vou remar na Lagoa ou correr na praia, em NY pilates, aula de alguma dança (flamenco, tap dance, tango). Quando em turnê, uso o que tem disponível nas academias dos hotéis. O importante é manter o equilíbrio, ”Mens sana in corpore sano”. Em NY vou a concertos, óperas e teatros pelo menos 3 vezes por semana. Em dias de concerto, a mesma rotina de manhã com alongamentos e meditação mais longos e mais frequentes. Aqueço a voz e fico mais quietinha, revisando textos, lendo.”
Você transita bem entre o clássico e o popular, você tem intenção de conduzir sua carreira entre os dois gêneros?
Angelica de la Riva: “Pra mim não existe a separação entre música erudita e música popular. Desde que a música seja boa é uma dádiva poder servir de instrumento e pretendo seguir assim. Estou muito feliz com as transformações que vêm acontecendo na indústria, onde o cantor lírico não é mais crucificado por ‘cross over´ e sim admirado por sua versatilidade, como sempre acreditei que deveria ser.”
Você tem algum hobby?
Angelica de la Riva: “Na verdade, não. Tudo o que faço, de uma maneira ou de outra, serve para alimentar minhas possibilidades artísticas, mesmo que seja fazer o Rally Dakar ou jogar tênis.”
Quais são seus compositores e cantores brasileiros preferidos?
Angelica de la Riva: “Carlos Gomes, Villa Lobos, Nepomuceno, Kriger, Miranda, Ripper, Guilherme Bernstein, Tom Jobim. Cantores: Bidu Sayão, Olga Pragher Coelho, Elis Regina, Maysa, Seu Jorge, Alcione, Gal Costa.”
Você comentou em algumas entrevistas que Verdi compôs algumas músicas sobre a floresta Amazônica e você propôs ao Carnegie Hall cantá-las. Quais são essas músicas, o projeto ainda segue?
Angelica de la Riva: “Verdi encontrou inspiração na Floresta Amazônica em duas de suas operas: ‘Alzira’, sua 8a. ópera, com libretto de Salvatore Cammarano, que é baseado na novela de Voltaire, ‘Les Americains’, e se passa na Amazonia Peruana. E em ‘La Forza del Destino’, o personagem principal masculino, Don Alvaro, é filho de uma sacerdotisa Inca, também da Amazonia Peruana. A série de concertos Amazonas aconteceu por 5 anos consecutivos no Carnegie Hall e visa trazer consciência internacional para a Floresta Amazônica, apresentando compositores que tenham se inspirado nela e compositores de países que fazem fronteira com a Floresta.”
Você ainda se dedica ao esporte? E de que maneira ele contribuiu para sua carreira e o canto especificamente?
Angelica de la Riva: “’Remar’, como disse o grande remador e construtor de barcos George Pocock, “É uma grande arte. É uma sinfonia de movimentos.” Sou muito grata ao esporte em inúmeros aspectos. Ter voltado a remar em 2014 trouxe minha disciplina para outro nível e agora, que não estou mais treinando a nível de competição, aplico essa mentalidade espartana pra musica. O músico profissional é um atleta de elite e vice-versa. Não há nada mais parecido com um atleta do que um músico. A disciplina extrema e o perfeccionismo são algumas das características comuns às duas profissões e que se retroalimentam. Com relação a aspectos técnicos, com o remo por exemplo, aumentei muito minha capacidade respiratória, o que me ajuda com as frases longas no canto.”
Quais as maiores dificuldades para um cantor lírico chegar aonde você chegou?
Angelica de la Riva: “Existem vários tipos de dificuldades e complexidades não somente pra chegar, mas para se manter na carreira de músico. Na verdade você nunca chega. Os objetivos sempre mudam assim que você atinge algo. Uma questão básica e a mais primordial, na minha opinião, é desenvolver uma técnica sólida e consistente, o que é uma missão Herculana. Outro ponto importante é desenvolver uma couraça e uma inteligência emocional pra sobreviver ao dia a dia, aos altos e baixos.”
O que você gostaria de dizer aos iniciantes do canto lírico e aqueles que sonham em se tornar grandes cantores?
Angelica de la Riva: “Entenda que, a menos que você esteja disposto a ser um sacerdote, um eremita, não perca seu tempo. Valorize o processo e entenda que a disciplina tem um aspecto gravitacional, quanto mais você tem, mais leve fica e mais fácil é mantê-la. Entenda a verdadeira razão pela qual você quer ser um cantor lírico, se for pelo aplauso e pelos louros, está no caminho errado e vai sofrer muito.”