Coisas de casal. É assim o longa “Canção da Volta”, que entra em cartaz nesta quinta-feira, que conta a história de uma mulher que tenta o suicídio, sob a ótica do marido [João Miguel]. O projeto é resultado do trabalho de outro casal, Marina Person, que estreia como protagonista na ficção, e Gustavo Rosa de Moura, seu marido, que também estreia na direção de um longa de ficção. O cenário do filme? O apartamento deles na vida real. Glamurama conversou com Marina e Gustavo sobre o filme. (Por Victor Martinez)
Glamurama: Além de casados, vocês são sócios da Mira Filmes e já trabalharam juntos em pelo menos dois filmes. Essa parceria influenciou de certa forma as opções feitas por vocês em “Canção da Volta”?
Marina Person: Gustavo e eu realmente nos damos bem trabalhando. Sinto nele um baita parceiro. O que eu sei é que a gente gosta muito de falar sobre as nossas ideias, nossos projetos, temos muita sintonia nesse sentido criativo. Um estimula o outro, e isso é muito bom. Como não temos as mesmas características, um acaba preenchendo lados que o outro não tem, é isso é muito rico. De que adianta a gente ser igual, viva as diferenças!
Gustavo Rosa de Moura: A gente gosta de trabalhar junto e acredita muito na nossa parceria. Nós somos muito diferentes mas somos também complementares. Nesse sentido, estamos sempre influenciando um ao outro. No “Canção…” isso aconteceu do início ao fim do processo.
Glamurama: Manter uma relação amorosa não é algo fácil. Existem milhares de filmes que exploram isso a partir de algumas particularidades. “Canção da Volta” aborda esse tema a partir da depressão vivida pela personagem de Marina. Por que essa abordagem?
Marina Person: O que gosto no filme é que ela não é uma história de amor óbvia. E como ela se desenvolve também é imprevisível. Eu gosto quando vou assistir a um filme e ele me surpreende. Gosto quando eu sinto que não adivinhei o que vai acontecer em seguida, e o “Canção…” tem isso. Não dá pra saber o que vai acontecer, só assistindo mesmo. É uma qualidade que aprecio no cinema.
Gustavo Rosa de Moura: Porque é uma situação aguda, extrema – mas não completamente incomum -, que coloca tudo em xeque. Como uma relação pode sobreviver a uma tempestade como essa? É interessante também investigar o lado dele, a parcela de loucura dele, a paranoia dele diante da impossibilidade de compreender totalmente a mulher que ele ama.
Glamurama: Em “Canção da Volta”, Marina assume a protagonista com direção de Gustavo. Como foi essa relação entre vocês dois? A intimidade entre vocês ajudou ou atrapalhou nesse filme? Aconteceu algo de curioso nas filmagens?
Marina Person: Ajudou muito! Primeiro deixei meu lado diretora em casa, né? Me concentrei no meu papel de atriz, que já era muita coisa pra mim! E é um filme que lida muito com a intimidade de um casal. O fato do Gustavo me estimular a fazer as cenas que envolvem não apenas nudez, mas também cenas de amor e sexo me ajudou. Eu achei que pudesse ficar com vergonha, mas no final das contas, ele estava lá pra me amparar.
Gustavo Rosa de Moura: Ajudou. Nos trouxe segurança, cumplicidade, confiança. Mas é algo bastante delicado, que sempre precisamos dosar com atenção para que cada um tenha seu próprio espaço, seus segredos, suas individualidades.
Glamurama: No filme, a locação escolhida para o apartamento do casal no filme foi o apartamento de vocês. Além de cenário, a casa de vocês ganha um protagonismo. Que caminho levou a essa opção?
Marina Person: Quando se escreve um roteiro, sempre se imagina como será a cara de tal personagem, que cara terá tal locação, etc. Mas na maior parte dos casos, tudo vai mudando, porque por mais que o diretor imagine o que ele quer pro filme, na hora do “vamo vê” ele tem que lidar com a realidade, com as limitações. No caso do “Canção…”, tínhamos esse apartamento na mão e por acaso a nossa casa era super adequada pra história, já tinha muita vida aqui, móveis, objetos, bagunça… Pode ser um problema convencer os donos da casa a emprestar ou alugar para um filme e nesse caso foi fácil [risos]. Tivemos ainda a sorte do apartamento vizinho estar para alugar, então alugamos durante o tempo da filmagem para ter um lugar onde dormir, tomar banho, comer e servir de base para a produção também.
Gustavo Rosa de Moura: A casa sempre representa muita coisa num casamento. Apesar da decoração do apartamento no filme ser diferente da nossa – mudamos as cores, alguns móveis e a luz da casa -, a intimidade com o espaço ajudou muito na criação das cenas e do clima geral. Pudemos escrever o roteiro já com o espaço na cabeça e ensaiar no próprio local. Além disso, pudemos também trabalhar o espaço dramaticamente, quase como um personagem.
Glamurama: Vocês acreditam no casamento?
Marina Person: Sim, acho que sim. Mas, provocando: o que é o casamento, né? Existem tantas formas diferentes. Acredito na união entre duas pessoas, na qual cada núcleo faz as suas regras. Gustavo e eu sempre pudemos conversar muito sinceramente sobre todos os assuntos e isso é o que nos faz fortes pra encarar as tais tempestades. Elas acontecem, o que faz a gente ficar junto é a capacidade que temos pra lidar com elas.
Gustavo Rosa de Moura: Sim! Senão não estaríamos casados. Mas cada casamento é de um jeito, cada casamento tem seu tempo, sua dinâmica, suas regras.
Glamurama: De onde veio o título “Canção da Volta”?
Gustavo Rosa de Moura: Da música que a Dolores Duran canta no filme. Eu vejo esse filme como uma espécie de canção, de música, que fala de muitas voltas: a volta dela, a volta dele, a volta dos fantasmas de cada um, a volta de cada dia ao redor da Terra.
Glamurama: Seu trabalho [de Gustavo] traz diversas referências das artes plásticas. A fotografia escura do filme veio desse estudo? Pode nos explicar um pouco?
Gustavo Rosa de Moura: Como o filme é muito sobre o estado interno do personagem do Eduardo [vivido pelo João Miguel], não teria como não ser escuro, denso, opaco. A sombra e a neblina são elementos fundamentais do filme. Dito isso, eu e a Flora Dias, fotógrafa do filme, vimos muitas pinturas, instalações e fotografias que também lidavam com o escuro, com a sombra, com a opacidade. Nós estudamos atentamente artistas como Nuno Ramos, Velázquez, Michaël Borremans, Oswaldo Goeldi, Duane Michals, Giacommeti e a própria Tatiana Blass, que colaborou pessoalmente com o filme.
Glamurama: Tem novos projetos em vista?
Gustavo Rosa de Moura: Sim. No momento estou filmando “Cora”, uma adaptação do romance “Antonio”, da Beatriz Bracher. É um projeto mais experimental que estou escrevendo e dirigindo junto com o Matias Mariani. Estamos bem animados com o processo! Se tudo der certo, ficará pronto no primeiro semestre de 2017. Logo em seguida, já começo um outro filme chamado “Antes Tarde do que Nunca”, uma espécie de comédia romântica entre mãe e filha [com produção de Gustavo e direção de Marina]. É um projeto maior, mais comercial, que será uma coprodução entre a Fox, a Warner e a Mira Filmes.
Aperte o play para assistir ao trailer de “Canção da Volta”.